Para sair do ano velho e com esperança no ano novo, fica aqui esta pérola do site familybreakfinder.co.uk
Um mapa do mundo com todos os "slogans" de turismo dos países que os têm.
Em 2017, viaje, divirta-se, declare o seu amor ao turismo
Um espaço de discussão e informação sobre Turismo diferente e muito à frente. "We start where the others stop"
sexta-feira, 30 de dezembro de 2016
quarta-feira, 28 de dezembro de 2016
Desconstruindo o "boom" do Turismo - parte II
Na 1ª parte, falámos da tendência de crescimento da
atividade do Turismo, da indústria hoteleira em geral, como algo civilizacional.
Já dizia Fritz Joussen, CEO do grupo TUI em fevereiro último: “nós não somos
apenas um grande operador, isso era dantes, o nosso negócio é agora hotéis e
cruzeiros. Cada vez mais assim será porque o Turismo é uma indústria em
crescimento e nós seremos um grupo cada vez mais global e acutilante”. Estas
palavras, vindas de um “insider” do ramo, dizem muito sobre o “zeitgeist”, o
espírito dos tempos que correm.
A propósito, existem duas áreas em forte expansão: os
cruzeiros oceânicos de curta e média duração são cada vez mais apelativos, não
sendo alheio este “boom” à imagem de segurança antiterrorismo que uma
embarcação proporciona devido ao controlo de acessos, em contraste com uma
praia cheia de pessoas sem qualquer restrição de acesso. Só na Europa, 75 novas
embarcações deverão entrar ao serviço na próxima década. Em 2017, espera-se um
aumento de um milhão de passageiros em relação a 2016, a nível mundial, seja de
24 para 25 milhões. A outra, é o “bleisure”. Uma mistura de viagem teoricamente
de “business” mas que tem uma forte componente de “leisure”. Esta é mais uma
tendência a explodir em alta nos próximos tempos, uma realidade, cremos,
imparável.
Em relação ao dito “boom”, vamos começar pela Europa. De
Portugal já está tudo dito. A tendência é de expansão. Não acreditamos na
repetição de crescimento anual da ordem dos 10% como um todo, mas seguramente
teremos boas surpresas em novos mercados dentro do mercado nacional. O exemplo
dos Açores vai merecer tópico próprio, mas teremos expansão um pouco por todo o
lado, não só em Lisboa, Porto e Algarve. Se for assim, ainda bem. É uma
importante fonte de emprego e rendimentos de que todos devem poder participar.
Para quem beneficiou de um ano em cheio, manter o mesmo nível ou aumentar um
pouco que seja, já será motivo para abrir a garrafa de espumante.
A Espanha continua imparável. Tem uma oferta espantosa, tem
o continente e ilhas, tem uma diversidade invejável a todos os níveis o que
confere possibilidades de experiências únicas. Foi, este ano, dos grandes
beneficiários das perdas da Turquia, Egito e Tunísia. Tudo indica que assim
continuará, com brutais ocupações tanto nas Baleares como nas Canárias (a
abarrotar na Páscoa de 2017, segundo as primeiras projeções com base em
reservas reais). É um mercado maduro e constante. Por muito que tentem travar a
realidade, não há volta a dar: Madrid e Barcelona (sobretudo esta) continuarão
a ser destinos de topo nesta Europa de cidades históricas. Há quem queira
travar o “boom” de turistas em Barcelona. Há vinte anos atrás já se falava do
assunto. Não travaram nem travarão. Se tomarem medidas radicais, acabarão por
chorar para que os turistas regressem. A vida é assim. Se nas ilhas ainda se
pode admitir esse debate devido às especificidades próprias de uma ilha, nos
territórios continentais é mais complicado entrar nesse tipo de conversa.
O turismo francês sofreu muito com o terrorismo.
Interessante como a sociedade da informação dos nossos dias tem um efeito muito
rápido sobre os consumidores de viagens. Que o digam as plataformas de reservas
online, as quais sofreram uma queda
(global) impressionante de marcações nas horas que se seguiram à notícia do
ataque a Paris. Em breve as reservas retornaram ao ritmo normal, mas não em
França e muito menos em Paris (a hotelaria de 5 estrelas foi obrigada a reduzir
preços entre 25 a 45%) e posteriormente em Nice. Aliás, neste último caso toda
a Côte d`Azur sofreu quebras. O país está a tentar recuperar, mas é cedo para
tal. Ainda nem sequer se podem calcular os prejuízos causados pelos eventos em
causa, sobretudo na cidade luz. O mesmo se pode dizer sobre Bruxelas, na
Bélgica. Eis outra cidade debaixo de fogo e em forte ameaça. Ainda hoje tenta
recuperar o espaço perdido na cena turística europeia. Por seu turno, a Holanda
continua a ser muito popular com mais de 14 milhões de turistas, maioritariamente
europeus. Na última década cresceu mais de 40% e a tendência é de estabilização
em alta, sendo que Amesterdão continua no seu eterno “boom” ao ponto do
Presidente da Câmara sugerir outros locais para os turistas (?) devido a
queixas dos residentes. Imagine alguém dizer aqui entre nós – seria algo para
pegar fogo na opinião pública.
Em relação à Alemanha, uma nota especial: para os mais
distraídos, este é um grande mercado emissor (outbound) por excelência.
Ponto final. É uma verdade, mas não nos podemos esquecer que até este gigante
europeu vive o seu “boom” tranquilo, com subidas constantes. Terá passado a
fasquia dos 35 milhões de visitantes fora o fabuloso mercado interno, o qual se
fortaleceu por conta dos cancelamentos no médio oriente. Já em 2015 tinha
atingido o número impressionante de 433 milhões de dormidas. Sim, não há erro.
Talvez feche 2016 com um aumento de 3%. Muitos germânicos preferiram as
próprias praias dos mares do norte e do báltico do que optar por outros
destinos. Ou fazer cruzeiros, muitos dos quais nos frios mares dos países nórdicos,
algo que ajudou ao “boom” desse tipo de turismo. No total, são muitos milhões
de turistas num país em que essa atividade passou a ser considerada de vital
importância. Há quem esteja a adiar viagens para o estrangeiro também por causa
da crise dos refugiados. Daí que muitos lugares turísticos estejam a conhecer
uma inesperada expansão. Isto para não falar de “clusters” ou situações
curiosas como os norte-americanos que retornam como turistas quando só lá
tinham ido como tropas de ocupação, só para nomear um caso. Até ao recente
atentado do mercado de Natal de Berlim, a capital conhecia também um fortíssimo
crescimento de visitantes nacionais e estrangeiros. Ainda não há dados sobre as
consequências imediatas do sucedido. Em relação aos vizinhos, como a Suíça e
Áustria, acabam por beneficiar por isso mesmo, são vizinhos da Alemanha, são
ótimos destinos para viagens de curto curso. O caso austríaco merece uma
referência especial: o turismo de neve continua estável, mas há um “boom” do
turismo cultural, relacionado especialmente com a musica clássica. Salzburg é
um exemplo fabuloso: é das cidades europeias mais visitadas por turistas
chineses, se é que não atingiu já o topo. Mais uma prova que há “muitos turismos”, ou seja, todas as
experiências, todas as ofertas e possibilidades devem ser levadas em conta.
A Itália é outro caso emblemático. Um misto enorme dessa
variedade de experiências com grandes diferenças do norte para o sul. Mais um
país em pleno “boom” sendo que as causas impressionam: além do aumento de
visitantes estrangeiros, mais de 33 milhões de nacionais terão feito viagens
pela sua terra neste ano de 2016. O turista italiano decidiu “ajudar” a
economia do próprio país, inundando todos os lugares com destaque para as belas
praias ao longo do verão. Não podemos deixar de falar de Veneza, o exemplo
clássico de “gentrification”, que perdeu dois terços dos residentes em cinco
décadas por conta da completa reconfiguração da cidade à medida que a procura
crescia desmesuradamente. Crescia e cresce – os recordes de visitantes são
constantemente batidos. Vale a pena ficar de olho naquela realidade se queremos
respostas à questão fundamental que rege todo e qualquer destino e que passa
por se saber se há limites à expansão do mesmo, se há limite para o número de
visitantes, alojamento, restauração, etc… a discussão sobre o assunto,
interessante, pode-se acompanhar em #venexodus.
Mais a leste, segue a forte expansão na República Checa,
pode-se já considerar Praga como um mercado “maduro”, mas outros pontos do país
despertaram para os turistas. A Polónia tem uma forte presença alemã. A
Eslováquia, sobretudo Bratislava, é outro destino a ter em conta. Na Croácia,
temos um pequeno “boom” em pleno Adriático. A propósito, Zagreb vive uma grande
expansão, tal como Belgrado na Sérvia, sendo este último uma surpresa para
muitos. Até a Bulgária com o seu mar Negro vive momentos de glória (melhor
Verão de sempre), situação que parece se expandir em à Roménia. Em relação à
Grécia, temia-se uma queda, também devido à crise dos refugiados, mas quedas
pontuais nalgumas ilhas foram compensadas por subidas noutras ilhas gregas.
Creta, por exemplo, dá mostras de não se ir abaixo. Rhodes, porém, foi muito
afetada. Inclusivamente, importantes setores do mercado alemão substituíram,
até ver, o destino Turquia pelo destino Grécia, o que foi importante para os
locais. A Turquia foi, como sabemos, o grande perdedor. Depois de ataques
terroristas e da “intentona” chegou a ter quedas de reservas da ordem de 60%,
mas acabou por perder “apenas” um terço do turismo. Este “apenas” é muito
irónico: imagine-se o que seria se tal ocorresse no Algarve? Desde logo a
Turquia perdeu muito nos principais mercados emissores como é o caso da
Alemanha. Praticamente ficou sem o turista Russo, deveras importante. Ainda
assim cresceu num mercado…. o da Arábia Saudita!! A Turquia deve agora tentar
recuperar, mas as feridas podem levar muito tempo a curar para desespero dos
grandes operadores que estavam acostumados com receitas em euros e despesas em
liras turcas, situação que explicava o forte “boom” anterior a esta crise. Cabe
aqui uma chamada de atenção: os mercados do médio oriente devem continuar
expostos a fortes tensões políticas pelo que qualquer arremedo de recuperação
poderá revelar-se incipiente.
Em relação a outros mercados do velho continente, deve-se
falar do bom desempenho das chamadas repúblicas Bálticas ou mesmo da cidade
Russa de S. Petersburgo. Grande surpresa está a ser Lviv, na Ucrânia. As
capitais nórdicas continuam a ser bem procuradas, são mercados estáveis.
Destaque aqui para a Islândia, país agora mais “barato” em tempos de pós-crise financeira.
Há um grande “boom”, aqui sim, com crescimento em 2016 entre 25 a 30% - um
espanto. Terminando com as ilhas
britânicas, deve-se dizer que os mercados das Irlandas, Escócia e Gales
continuam em bom desempenho, tal como Londres, capital do Reino Unido. Aqui a
grande expetativa para o futuro próximo tem a ver com os efeitos do “Brexit”,
uma verdadeira incógnita. Para já, uma boa notícia para o espaço da Libra
Esterlina: Londres viu um aumento de turistas vindos do extremo-oriente e dos
EAU na ordem de 25% na comparação do 4º trimestre de 2016 com igual período de
2015 – isto quer dizer movimento em alta nas lojas e “shoppings” bem como na
excelente hotelaria londrina. Lembremo-nos ainda da oferta em expansão na
cidade. São mais 38 hotéis de topo em projeto e/ou construção, totalizando
8.500 novas camas. Até agora, o “Brexit” não foi mau para o turismo inglês.
Veremos como será mais para a frente…
Em geral, podemos falar de uma expansão quase generalizada
do turismo europeu com alguns locais a “explodirem” em alta. Os capitais
“inteligentes” estão atentos a estas realidades, não brincam em serviço. Só em
termos de dinheiros asiáticos, tivemos recentemente 1,6 mil milhões de euros em
investimentos na hotelaria europeia. Será viável? Será uma “bolha”? O futuro o
dirá. Uma coisa é certa, o mundo das viagens está em alta, tanto o “baratinho”
como o médio ou as viagens de luxo.
No norte de África, nem tudo são más notícias: Marrocos está
a começar a viver o seu próprio “boom” graças a uma relativa paz social em
contraste com outros mercados da região. A confiança é grande e a construção de
novas unidades é uma certeza para os próximos quatro anos – são 52 novos
projetos em carteira. Abaixo do Sahara, Cabo Verde vai “explodir” em alta muito
por conta de grupos internacionais como o caso do grupo RIU (ligado à TUI). São
Tomé e Príncipe, Nigéria, Ruanda (sim), África do Sul, Tanzânia, Quénia – tome
nota destes nomes, vão dar que falar. Só nos próximos dois anos devem abrir na
África subsaariana mais de dez mil novas camas turísticas.
O Dubai continua a ser o grande fenómeno contemporâneo, não
param de abrir unidades, nomeadamente de luxo. Já passou este ano o número de
cem mil quartos de Hotel, quase todos de luxo. Será sustentável? Essa é a
grande questão para o futuro próximo.
O grande “boom” continua a ser na Ásia e Ásia/Pacífico: a
Índia começa a ser um caso sério não só no “inbound” como no “outbond”,
enquanto mercados maduros como as fabulosas Maldivas (mais de 8% de subida) ou
mesmo o Sri Lanka ou a Tailândia continuam com perspetivas muitíssimo boas. Mas
o destaque vai para o Laos, Camboja, Vietname – nomes emergentes no setor do
Turismo. Aqui está mais um “boom” a ter em conta, enquanto a Indonésia comemora
um aumento de 16% de receitas em 2016 (números provisórios). Recorde-se que a
ilha de Bali sofreu há uns anos um revés igual ao da Turquia, devido ao
terrível atentado numa discoteca cheia de jovens Australianos. Hoje, está tudo
ultrapassado, sendo um mercado em alta. Isto prova que os mercados afetados
pelo Terror recuperam bem, embora possa levar algum tempo. Mas essa recuperação
é mais viável se os atentados forem um ato isolado e não se repetirem com uma
certa frequência. Destaque também para o bom desempenho lá longe na Oceânia,
tanto nas pequenas ilhas como na enorme Austrália. Neste último caso, quem
lidera o “boom” é o mercado Chinês. Aliás, a China é a grande responsável pelo
sucesso destes mercados. Foram mais 18% de turistas chineses no exterior do país
este ano, crescimento muito superior ao do PIB chinês. Ainda assim, somando
outros mercados da região, dá cerca de 10% de aumento de turistas a passear no
estrangeiro. Havendo recursos, as pessoas viajam: aquilo que era um ícone do
mundo ocidental transforma-se num ícone global. Ninguém deve, assim, sentir-se
apanhado de surpresa pelo sucesso do Turismo.
Uma palavra final para as Américas: o Canadá é muito
visitado, sobretudo por turistas internos e do mesmo continente, com destaque
para os vizinhos a sul. Por falar em Estados Unidos, apesar do enorme aumento
da oferta hoteleira (que não vai parar nos próximos anos), não se pode falar em
“boom”. É um mercado maduro, tem um turismo interno como nenhum outro, o que é
normal em qualquer país de dimensão “continental”, o qual cresce em “tandem”
com o crescimento do PIB. Seja como for, sem ser um crescimento explosivo, é
positivo, tanto o PIB geral como o do setor de viagens. Os EUA são responsáveis
pela forte procura no setor de cruzeiros, mas isto não é novidade alguma. O
México, República Dominicana, as Caraíbas em geral estão em bom plano, sendo
que o novo “boom” da região virá de Cuba. Crescerá 10% e tem muita margem para
crescer ainda mais, sobretudo se “as portas” se abrirem em força para lá da
capital, Havana. Na América central e do sul, queremos destacar a Colômbia
pós-guerra civil que vai agora ter outra “explosão”, a do Turismo. Também o
Perú parece preparado para fortes altas, sendo o Chile outro destaque. O Brasil
é apontado como uma grande possibilidade de sucesso no longo prazo, mas, de
momento, sofre uma terrível crise económica e social que inibe qualquer
hipótese de crescimento no setor, ao ponto de existirem ofertas de última hora
para o “reveillon” no nordeste em que um casal paga a viagem de uma pessoa e
ganha duas viagens. A crise é um desespero, mas melhores tempos virão ainda que
isso demore. A OCDE fala de “boom” em lugares como África do Sul, Índia, Brasil
nos próximos 15 anos, mas é preciso ter em conta certas especificidades. Muitas
vezes neste mercado, tal como noutros, é fácil adivinhar o futuro, difícil é
saber quando é que esse futuro chega. O “timing” não é desprezível quando se
trata de perspetivar os próximos tempos.
Certo é que a confiança está em alta: só os nove maiores
grupos hoteleiros internacionais são responsáveis por mais de 2.500 novos
projetos hoteleiros, totalizando mais de 550 mil novos quartos. Globalmente são
muitos mais. Se estamos em presença de investimentos com sentido perante as
boas perspetivas ou, pelo contrário, se será apenas mais uma de muitas bolhas
de investimento… o futuro o dirá. Acreditamos mais num misto de ambos conforme
as circunstâncias e os locais onde tudo isto acontece.
terça-feira, 20 de dezembro de 2016
Desconstruindo o "boom" do Turismo - parte I
Um dos temas que mais marcou o mundo do turismo e viagens no
ano que está a chegar ao fim e que vai continuar a marcar agenda no novo ano é
o do “boom” do negócio ou, melhor dizendo do “travel market” nas suas diversas
vertentes, sejam os transportes, o alojamento, as diversões, comes e bebes,
etc.. Neste texto vamos designar o “bolo” do “travel market” usando
genericamente a palavra “turismo”.
Este assunto tem sido abordado nos diversos “media”, desde
os clássicos aos inovadores, causa polémica devido às consequências económicas
ou socio-ambientais do mesmo, recorde-se o tópico que fizemos sobre outra
polémica, a da “gentrification”, a qual, em muitos casos, surge associada ao
“boom” de turistas em certas cidades. Enfim, dá azo a grandes debates, mas sobretudo
é um fator de melhoria da Economia em muitos locais, situação que pode levar a
novas “bolhas” de investimento caso se torne um fenómeno extremo. Como já vimos
no passado, não falta “miopia de capital” para levar certo tipo de
investimentos ao extremo. O fim da festa já todos conhecemos da pior maneira.
A primeira questão é: existe mesmo um “boom” de turismo ou
trata-se de uma ilusão? Esta pergunta não tem resposta imediata. É preciso
esperar uns anos para tirar conclusões sobre o que realmente se passou em
períodos anteriores. A História não se compadece com conclusões precipitadas.
Por outro lado, se não é um “boom” é algo que faz parte do “novo normal” de que
tanto se fala? Afinal de contas, como dissemos no mesmo tópico dedicado à
gentrificação, já há quase vinte anos lá no famoso Congresso da WTTC em
Vilamoura, falava-se à boca cheia de crescimento anual do turismo (em certos
mercados) da ordem de 10 a 15% ao ano ou, na pior hipótese, de 5 a 10% ao ano.
Mais uma vez se prova que é preciso esperar para ver até que se possa escrever
a História. Provou-se que nem oito nem oitenta.
Sobre Portugal, tem-se falado em “boom” generalizado. Na
verdade é conveniente lembrar que nós partimos de uma base muito baixa.
Começando por Lisboa: sempre foi uma cidade com alguns visitantes. E tanto mais
quando surge a Portela. Mas esses muitos visitantes não chegavam para elevá-la
a cidade de “turismo de massas”. A cidade levou muitos anos a crescer
moderadamente para o turismo ao contrário de outras capitais europeias. É
difícil de compreender esse atraso na medida em que a cidade tinha fatores de
atração fabulosos. Bom preço ou relação qualidade/preço nas várias vertentes.
Tinha um grau de tipicidade / autenticidade já raros na Europa. Excelente clima
e bom fator humano. Talvez não tivesse aquilo que faltava: ser a primeira
escolha de muitos viajantes. Tempos houve em que escolher entre visitar Lisboa
ou Madrid, ou Barcelona ou Paris ou Roma não era sequer assunto. Poucos
escolhiam Lisboa. Ainda por cima, voar da Europa “civilizada” para Portugal nos
tempos pré-low cost não era nada em conta. Aliás, se falarmos dos preços dos
voos intercontinentais a situação ainda é mais grave. Isto significa que muitos
viajantes podem ter tido a vontade conhecer Lisboa mas terão optado por outras
capitais. Esta situação repete-se quando se fala do Porto (de forma mais
gritante), que não teve quase nunca um número de viajantes digno da cidade que
é, repetindo-se a situação em muitos outros pontos de Portugal. Para piorar o
cenário, a rede interna de comunicações rodoviárias e ferroviárias estava muito
longe de se tornar apelativa para qualquer turista que tivesse pouco tempo para
conhecer o maior número possível de lugares. Por exemplo, Évora ainda
beneficiava dos turistas que outrora iam a Lisboa, mas a maioria teria mais
interesse em Fátima ou Sintra. Não era fácil este Portugal dos atrasos
estruturais.
Daí que os primeiros fenómenos a que podemos chamar “boom”
tenham ocorrido no Algarve. Vale a pena recordar que esta era uma região quase isolada
do país e da rica Europa. Tinha uma vivência e tradições muito suas. Um mundo à
parte, autêntica mistura de culturas antigas. Só que… era terra de boa comida e
excelente clima, quase todo o ano. Eventualmente ganha um Aeroporto
internacional que fez toda a diferença como hoje sabemos.
No mundo do pós-guerra mundial, o otimismo levou tempo a
regressar mas finalmente voltou com força. As sociedades mudaram para melhor. O
viajar, a descoberta do mundo enraíza-se na cultura Ocidental, ao mesmo tempo
que surgem as férias pagas para a maioria dos trabalhadores. Enraíza-se a
cultura de férias de sol e mar. Deve-se ressaltar que quase todos os grandes
destinos deste género no planeta foram “descobertos” pelos filhos de uma certa contracultura
“hippie”, mochileiros, “freaks”, sendo que só depois chegou o dinheiro, os
investimentos, a cultura de massas. Já tinha sido assim em Torremolinos, foi
assim também em parte do Algarve. Recuperando a ideia inicial, esta região já
tinha passado por vários “booms” (antes de muitos outros locais), à medida que
surgiram novas ofertas de alojamento, voos “charter” (fundamental neste
contexto) e novas propostas de entretenimento e experiências.
Este mercado nunca foi fácil. Há uma enorme concorrência no
chamado turismo de sol e mar. Existem locais que não sendo tão apelativos, são
mais em conta. Mesmo com pior relação entre qualidade e preço, acabam por ser
mais baratos. Outrora, era este Algarve menos concorrencial devido ao preço dos
voos, embora “barato” internamente. Por outro lado, o Algarve viveu sempre de
vários “totolotos” como a instabilidade político-militar no médio oriente, a
guerra da antiga Jugoslávia, novamente a instabilidade e o terrorismo no médio
oriente e norte de África. Isto para dizer que aqueles que associam o atual
“boom” aos problemas no médio oriente estão parcialmente equivocados.
Por exemplo, pode-se explicar os aumentos de Lisboa e do
Porto à conta da crise do médio oriente? Não, não e não. Estes mercados já
estavam a despontar à medida que a oferta de voos crescia velozmente. Basta ver
a participação das LCC (low-cost carriers) no aumento de passageiros
desembarcados no Humberto Delgado e no Sá-Carneiro.
Pode-se explicar o aumento no Algarve à conta da mesma
crise? Não, mas…
… os problemas da Tunísia, Egito e da Turquia (sobretudo
este destino) foram apenas mais um “totoloto” que contribui para os números
espetaculares do Algarve, mas não são condição para eles. A diferença é só uma:
em vez de “boom” falar-se-ia de “mini-boom”. Em vez de aumentos da ordem de 8 a
10% em número de visitantes, teríamos seguramente aumentos de apenas 4 a 6%, o
que já é muito bom atendendo ao facto de estarmos a crescer anteriormente.
Tivemos maiores dificuldades entre 2009 e 2012 mas a partir daí deu-se uma
inversão positiva, retomando-se a senda do crescimento. Repetimos: 2016 acaba
por ser excecional por somar dois fatores positivos, o crescimento natural
“casou-se” com fatores externos anómalos. Nesse sentido, a hotelaria regional
deve fechar o ano entre 17 e 18 milhões de dormidas num total claramente
superior a 4 milhões de visitantes. Isto para não falarmos dos visitantes e das
dormidas que não surgem nas estatísticas oficiais pelas razões que todos
conhecem – camas paralelas ou oficiais “off the record”. Em suma, os bons
números serão seguramente bem melhores, batendo-se recordes históricos.
Voltando à pergunta inicial: é “boom” ou ilusão?
Nem uma coisa nem outra, cremos. Não há ilusão nenhuma, os
turistas estão aí em força numa tendência de longo prazo de aumento de
visitantes e dormidas, de busca por novas experiências. Também não se trata de
“boom” porque isso só o seria se se tratasse de um fenómeno de exceção e não de
regra. Se fosse um episódio regional ou nacional e não global como é, ao ponto
de se registarem variações positivas na maioria ampla dos mercados, dos
destinos (como veremos na 2ª parte), independentemente da sua vocação como
destino. Como temos dito, esta tendência estava há muito prevista graças a
inúmeros fatores, a destacar:
- Forte aumento do rendimento disponível global; temos hoje
mais de 7 mil milhões de pessoas num planeta cada vez mais “pequeno”, sendo que
hoje existem seres humanos que têm condições para viajar como nunca antes na
história. Imagine-se como será, em 2050, quando atingirmos os 10 mil milhões de
habitantes na Terra. Atendendo ao facto do PIB global estar em crescimento (há
décadas), podemos acreditar que teremos um forte aumento global de turistas,
superior em % ao aumento populacional. Existem “opinion makers” que apontam
para o seguinte quadro: se o PIB global crescer 4% ao ano, os turistas podem
crescer anualmente entre 5 a 8% ao ano. Voltamos a ressalvar que o crescimento
não é constante, há períodos de perdas, mas este tipo de análise não se refere
ao curto prazo, não estamos a falar de 3 a 5 anos apenas, mas sim de tendências
de longo prazo.
-Facilidade em viajar no país e para o estrangeiro; este é
um fator primordial nesta análise. Não adianta haver mais pessoas e mais
dinheiro (que é apenas base de tudo isto) se não existir uma facilidade de deslocação.
Eis a decisiva contribuição para o sucesso contemporâneo desta atividade
económica (tal como de muitas outras também). Viajar deixou de ser luxo de
certas elites ou encantamento das chamadas classes médias. Camadas socioeconómicas
que nunca o poderiam fazer, tiveram acesso a viajar não só pela melhoria do
rendimento disponível como também pelo embaratecimento da viagem, da deslocação
propriamente dita. Começa logo pelo desenvolvimento das infraestruturas,
associado ao desenvolvimento tecnológico dos meios de transporte. Em todo o
lado surgiram mais e melhores rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Meios
de transporte mais rápidos, eficientes e com superior tecnologia e eficiência
energética. Exemplos práticos: custa tanto hoje um voo intercontinental como
custava há vinte anos ou custa tanto hoje um voo intraeuropeu como custava há
trinta anos. Por via da inflação, esses voos são hoje mais baratos em paridade
de poder de compra. Isto foi e continua a ser primordial sobretudo se
insistirmos em falar de “boom”.
-Internet; a facilidade de reservar tudo, desde voos,
cruzeiros, alojamentos, restaurantes, atividades, etc… tudo online! Parece
incrível como ainda hoje existem agentes económicos que não dão o devido valor
a esta realidade, a qual está só a “gatinhar”. Senhoras e senhores, ainda não
viram nada. O mundo está cada vez mais ligado apesar de tantos obstáculos. As
“viagens já viajadas” (Google maps, street view, fotos, vídeos, opiniões) não
foram, afinal, fator de inibição à descoberta de novos lugares – pelo
contrário, tornaram-se um símbolo apelativo ainda mais pujante. Não nos
esquecemos nunca de uma turista Moscovita no último verão que confessou ter
sonhado durante anos com uma viagem para ver “in loco” o que estava nas fotos
do seu “smartphone” – nada mais, nada menos do que a zona da praia da Marinha,
Benagil e arredores. Agora é só multiplicar este exemplo por milhões! Além
disso, a partilha de informação, a busca pelo melhor preço ou relação qualidade/preço
ou pela superior qualidade estão facilitadas. Sendo assim, além da viagem
clássica, planeada com antecedência, temos ainda o fator de consumo por impulso
que gera viagens de última hora, escapadinhas de fim-de-semana, “city breaks”,
entre outras, ampliando assim os gastos em viagens e lazer.
-Nova abordagem do conceito oferta-procura; sempre foi uma
verdade universal: o aumento da procura leva ao aumento da oferta. Como
exemplo: se muitos habitantes de Londres queriam tirar férias em Albufeira, a
solução era aumentar o número de voos entre Londres e Faro e construir hotéis
na zona em causa. Simples assim. Acontece, porém, que o turismo tem hoje fenómenos
muito próprios. Nestes tempos de facilidade de comunicação verifica-se
claramente que o aumento da oferta também leva ao aumento da procura. Estamos a
falar de Hotelaria, não de uma fábrica de pneus. A abertura de novas rotas
aéreas criou novas oportunidades regionais e ampliou outras já existentes. O
aumento de oferta de camas colabora para os ditos “booms”. Assim como a oferta
variada de F&B e outras experiências. Outrora, isto poderia desafiar a
lógica mas nos novos tempos a realidade é outra. A razão pela qual a soma de
ofertas de hotelaria e similares atrai mais procura é simples: essa oferta
acrescida serve de estabilizador de preços mesmo nos períodos da chamada
época alta. Sem esse acréscimo, os preços (dormida, comida, etc…) seriam
proibitivos para alguns viajantes, os quais “fugiriam” seguramente para outras
paragens. Este fator não é nada desprezível, cada vez é mais importante.
-Apetência civilizacional para tirar férias e viajar; nenhum
dos fatores acima, isoladamente ou em conjunto seria suficiente para justificar
a realidade que estamos a experimentar. Viajar é algo que começa por ser uma
decisão pessoal, um sonho de consumo, enfim uma fuga à rotina, uma
autocompensação para quem trabalhou todo um ano e que merece “esquecer” tudo
assumindo uma experiência nova. Ou mesmo a experiência do chamado “gap year”
para conhecer o mundo. Para não falar daqueles (muitos) que se tornam fiéis a
um destino adorado, ao ponto de lá retornarem todos os anos ou mesmo todos os
semestres. E nem vamos dar exemplos do passado longínquo, dos viajantes da
antiga Grécia, ou da criação dos primeiros agentes de viagens no Reino Unido do
século XIX. Falando apenas das últimas décadas, temos, então, a generalização
do turismo por via de melhores condições laborais das chamadas “massas”, em
contraste com aquilo que era atividade para elites. Desenvolve-se uma cultura
de viagens que se enraíza não só no mundo anglo-saxónico, mas também na quase
generalidade da Europa Ocidental. Curiosamente até no mundo da “cortina de
ferro” existe uma cultura de férias, embora de circulação restrita dentro do
país ou do dito bloco de países. Aos poucos, o Japão e Taiwan (Formosa) começam
a entrar em cena, devido ao acelerado crescimento, tornando-se quase tão
importantes como o turista Australiano e Neozelandês (outro exemplo das raízes anglo-saxónicas).
Mais tarde, aparece em forte o Latino-Americano (embora mais elitista), o
sul-Coreano, enfim, a R.P. da China. É verdade que são ainda muitos os casos em
que as viagens, sobretudo internacionais, não são para todos os cidadãos do
país A ou B, mas aqui o ponto é o título deste parágrafo: há uma verdadeira
apetência civilizacional para tirar férias (em contraste com a ideia de
trabalhar mais e mais), usando essas férias para viajar (sempre condicionadas
ao nível do rendimento disponível). É algo transversal às diversas civilizações,
com maior ou menor relevo.
Dito isto, não se pode negar que existem algumas delas com
maior apetência para viagens e turismo. Seja como for, a globalização do
comércio e dos negócios trouxe também uma ideia, uma visão global de padrões de
consumo e bem-estar, sendo que os que não podem alcançar esses padrões, aspiram
a chegar aos mesmos num futuro mais ou menos próximo. Nem que isso leve o tempo
de uma ou mais gerações.
Por outro lado, nos mercados há muito consolidados, existe
uma transversalidade geracional dessa apetência para viajar, para ser turista,
para conhecer o mundo. Vamos pegar aqui no exemplo dos EUA: nem toda a gente
viaja para o exterior, optando por viagens internas. Mas aqueles que já
viajavam para o estrangeiro continuam a fazê-lo. As gerações dos chamados “baby
boomers” (nascidos entre 1946 e 1964) fizeram parte da primeira grande vaga de
turismo de massas. O bom da história é que continuam a viajar, seja para novas
experiências, seja para revisitar, redescobrir locais já conhecidos. Já não têm
medo de gastar em viagens pois já não creem num futuro amargo e numa velhice
sem dinheiro. Por outro lado, temos a Geração X (conhecida como geração
perdida) que, apesar de não ter ainda as mesmas garantias de manutenção de
padrões de consumo e bem-estar, viaja e faz férias tão ou mais avidamente que a
geração anterior, provavelmente por se tratar de uma geração de empreendedores
confiantes de que o mundo passa por convulsões mas caminha para dias melhores.
Para completar esta transversalidade geracional (sem irmos mais longe nesta
fase), um destaque especial para a geração seguinte, os chamados “millennials”
(conhecida por geração eu), nascidos entre o início dos anos oitenta e finais dos anos
noventa. São, pois, pessoas que têm agora entre os vinte e os trinta e tal anos de idade. Se se pode falar de “boom” de turismo, podemos agradecer à soma
das gerações referidas com destaque para a extraordinária apetência desta
última para viajar. Vale destacar a importância desta geração para o
turismo de massas: é a primeira geração de turistas globais “en masse” – antes
os turistas eram fundamentalmente do mundo “rico”, enquanto a partir dos
“millennials” já se pode dizer que o mundo é uma ostra. É a primeira geração “digital”,
verdadeiramente urbana e com enorme consciência cívica e comunitária local e
global. São narcisistas, sim, mas mais interessados no seu ciclo de afetos do
que nas instituições clássicas. A carreira não é tudo para esta geração, a qual prefere
também “viver” – uma prerrogativa para ser consumidor ávido de viagens e
experiências. Por terem começado carreiras nos tempos recentes da “grande
recessão”, aprenderam a ser mais comedidos no grau de exigência profissional
sem perder o otimismo sobre o futuro. São hoje uma espécie de farol do “value
for money”, conceito determinante nestes tempos de viagens a baixo custo. Mais
do que voos “low-cost”, há uma cultura “low-cost” nas mais jovens gerações, a
qual marca estes tempos de forte expansão do “travel market” global.
Nesta 1ª parte abordámos os “porquês” da forte expansão desta querida atividade económica. Em breve voltaremos para falar de “onde” tal se manifesta!
quarta-feira, 7 de dezembro de 2016
Alojamento Local - negócio ou outra coisa qualquer?
O chamado “Alojamento local”, forma simplificada de
descrever a oferta turística não classificada já passou por muitas alterações
legislativas. O objetivo de simplificar procedimentos é nobre e é correto. De lamentar,
apenas o facto de o legislador não ser rápido e eficaz. Legisla sobre
realidades com anos de atraso. Afinal de contas, é ou não verdade que as leis
sociológicas precedem o direito positivo?
Sabemos bem sobre o que falamos. Alojamento local nas suas
diversas vertentes existe há décadas, não só, mas sobretudo no Algarve. A
explosão em Lisboa e Porto, entre outras localidades é ainda uma “criança” em
comparação com o Algarve. Só que essa onda vertiginosa, ao chegar às grandes
cidades, torna-se tema de telejornais. A parolice à portuguesa do costume não podia
deixar de atacar com força.
Este texto surge a propósito do Acórdão da Relação de Lisboa
que deu razão a uma Assembleia de Condóminos que queria impedir um dos proprietários
do prédio em causa de abrir o seu estabelecimento de alojamento local. Na
verdade, a decisão estava tomada em outra instância, mas o proprietário avançou
com uma providência cautelar para parar essa proibição, situação que foi
derrubada pelo Tribunal da Relação. Atenção, que esta decisão ainda não
transitou em julgado. Vale a pena recordar que o Tribunal da Relação do Porto
havia decidido em contrário num caso semelhante. Começamos a desconfiar que
este assunto pode avançar de modo a ir parar ao Supremo. Seria até bom, do
ponto de vista da Jurisprudência, que tal sucedesse, embora releve, mais uma
vez, como o legislador é fraco. Vejamos porquê.
O Decreto-Lei 128/2014 (alterado ligeiramente pelo 63/2015)
atualizou a legislação anterior, sobretudo com o intuito de agilizar processos
de licenciamento, incorporando na Lei novas realidades e formas de alojamento
com destaque para os Hostels. Por isso é que neste espaço nos rimos da
celeridade de suas Exas. Situações que foram contempladas na legislação já eram
realidade há mais de dez anos. Hostels já existiam no Algarve “de facto” cerca
de dez anos antes da nova Lei. Até em Lisboa existiam, embora ainda numa fase
embrionária. Seja como for, a legislação saiu e não é negativa, antes pelo
contrário, começa a alinhar o “de jure” com o “de facto”, o que é sempre de
aplaudir. E se houver correções a fazer, serão feitas sem prejuízo do espírito
da Lei. Isso é o que importa.
Mas o legislador não se revela fraco somente pelos atrasos
que vimos acima. Na anterior legislação da AL, unidades de alojamento a
turistas, quando instaladas, por exemplo, num apartamento em propriedade
horizontal (um prédio), poderiam ser legalizadas desde que a Assembleia de
Condóminos o permitisse. Inclusive, um dos documentos a apresentar na Câmara
Municipal era a Ata da Assembleia do Condomínio onde isso fosse decidido e,
recorde-se, por unanimidade. A questão é óbvia: sendo o prédio habitacional,
nenhuma fração pode ser transformada em atividade comercial sem o consentimento
dos restantes proprietários. É o que está no Código Civil e é nisso que se
baseia a Relação de Lisboa no seu Acórdão. É por isso que o legislador é fraco.
Deixou cair uma prerrogativa correta da anterior legislação. Correta porque não
entrava em rota de colisão com o Código Civil. Se o Decreto 128/2014 tivesse
deixado cair essa exigência ao mesmo tempo que a Assembleia da República
alterasse esse artigo do Código Civil, estaria tudo certo. Não o fazendo, abriu
um “buraco” legal que será agora resolvido na Justiça de uma maneira ou de outra,
a não ser que o atual Governo faça rapidamente uma revisão da Lei do AL, para
corrigir essa falta.
Os críticos desta decisão da Relação de Lisboa afirmam que
não deveria ser evocado o dito artigo do Código Civil, porque, segundo alguns,
o aluguer a turistas não é comércio, é somente turismo numa habitação que nunca
deixou de ter fins habitacionais.
Nada mais falso. Neste blog somos amplamente favoráveis a
todas as formas de alojamento, desde o parque de campismo até ao Resort super
luxuoso. Sem dúvida. Mas todos devem cumprir a legislação. É falso comparar
alhos com bugalhos. Sempre foi legítimo e não carece de autorização dos
vizinhos arrendamento de uma entidade privada a outra entidade privada sem fins
comerciais, como é o caso do tradicional arrendamento urbano para habitação
permanente. A velha relação do sr. João, senhorio do sr. José, inquilino. Ou
alugar um quarto a estudantes durante um ano letivo.
Isso não pode ser comparado ao aluguer de pernoitas a turistas.
Essa é, sim, uma atividade comercial. Voltamos a nos basear na Lei: todo o
aluguer de quartos ou outro tipo de unidade de alojamento por período inferior
a 30 dias é considerado aluguer turístico e isso é uma atividade comercial,
sujeita a licenciamento próprio, sujeita a impostos como o IVA (embora haja
regime de isenção para pequeno volume de negócio como em qualquer outra
atividade) ou o IRS/IRC conforme se trate de pessoa singular ou empresa. A
própria Lei do AL fala em estabelecimentos
de Alojamento local. É uma atividade comercial, ponto final. O TRL decidiu
bem.
As pessoas singulares não podem invocar a comparação do
aluguer a turistas com o arrendamento urbano. O Estado já fez a distinção. Ou
não? Vejam bem a declaração anual de IRS. Vejam lá se o anexo para rendimentos
da atividade de exploração de estabelecimento de aluguer a turistas não é o B? O
mesmo de outras atividades comerciais ou de serviços. É, não é? Acontece que o
outro tipo de receita aqui descrita, o de arrendamento habitacional de pessoa
singular para pessoa singular não vai para o mesmo anexo. Porque será? Porque
essa, caros amigos, não é considerada atividade comercial e por isso também não
necessita de autorização da Assembleia de Condóminos. Simples e fácil de
entender.
Querer enquadrar qualquer atividade de exploração turística num
“limbo” não passa de uma tentativa “chico-esperta” de fintar a Lei e as obrigações.
No fundo, todos temos o Airbnb dentro de nós. Essa plataforma foi pensada origalmente
para uma “partilha social”, mas já começou como atividade comercial. Quem
reserva por ela tem de pagar o alojamento, não é grátis. Então, já temos
atividade comercial com tudo o que isso implica.
Tudo bem, abra a sua casa a turistas sem cobrar: nesse caso,
não há dinheiro envolvido, não há comércio, não há turismo, são todos amigos,
não precisa de pedir nada aos vizinhos, é só paz e amor.
Ah, mas assim não ganho a vida – pois é, bom mesmo seria
ganhar a vida, meter o dinheiro ao bolso e não ter responsabilidades, impostos,
seguros, contribuições, taxas. Quem de nós não gostaria que assim fosse? Mas
como não é, todos têm de respeitar os direitos e os deveres inerentes a
qualquer atividade.
Sabemos que muitos ficarão amuados com este “post”. Temos
pena. O nosso objetivo aqui não é angariar “claques” que nos batam palmas. Nem
seguir rebanhos ou matilhas. Este blog não lança confusão. Este blog está muito
à frente. Este blog presta esclarecimentos, dá informações importantes sobre
turismo. Este blog tira dúvidas, não cria dúvidas.
domingo, 4 de dezembro de 2016
Algarve - melhor destino de praia da Europa
A 23ª edição do World
Travel Awards decorreu nas fabulosas Maldivas e com muita felicidade para
Portugal, que arrecada mais 4 prémios mundiais entre outros prémios setoriais.
A Madeira venceu de novo na categoria de melhor destino
insular, mas o nosso destaque vai para mais uma vitória do Vila Vita Parc como melhor Resort de luxo com respeito ambiental e
do Conrad Algarve, pela 5ª vez
consecutiva como melhor Resort luxuoso de lazer. Esta unidade é também o melhor
“Luxury Resort & Spa” da Europa.
Antes de avançar, destaque para a Etihad como líder das
companhias aéreas e da TUI como melhor operador turístico.
Mas, se falarmos em termos europeus, os prémios são
muitos, o que mostra que estamos todos de parabéns nestes autênticos Óscares do
Turismo Internacional. Desde logo parabéns ao Turismo de Portugal que é considerado,
pelo 3º ano consecutivo, o melhor “Tourist board”.
Destacamos: Algarve
– melhor destino europeu de praia. Finalmente o prémio que tanto almejávamos. Um
troféu que nos deixa cheios de orgulho da nossa terra, da nossa orla costeira e
de todas as belezas naturais. Parabéns a todos nós. Detalhe
importante: as Maldivas ganham o prémio mundial, mas o que importa é que o
Algarve (como um todo) era o único destino europeu entre os nomeados para esta
categoria. Isto significa que a vitória continental estava assegurada e que estamos
no “top 10” mundial da categoria. Muito bom.
Há mais: o Vila Joya
ganha o troféu de melhor Boutique Hotel da Europa. O Vila Vita ganha (de novo) na categoria de melhor “Hotel Villas”
através da sua marca Private Villas at Vila Vita Parc.
O Epic Sana Algarve
é agora o melhor do velho continente na categoria “Meetings, Incentives, Conferences and Exhibitions Hotel”, destronando aquele que
já se acostumara a vencer, ou seja, o Radisson Royal de Moscovo.
Parabéns
ainda ao Monte Santo Resort que
vence na categoria de melhor “Romantic Resort” da Europa, a exemplo do que já
havia ocorrido no ano passado.
Há
mais prémios portugueses na Europa e no mundo, bem como outros prémios
algarvios na secção “Portugal”. É só ver tudo aqui e ter paciência para
explorar a galeria de prémios. Vale a pena: https://www.worldtravelawards.com/winners/2016/world
Novamente
os parabéns aos vencedores. Esperamos por ainda mais prémios nas próximas
edições. Os profissionais envolvidos bem o merecem.
segunda-feira, 28 de novembro de 2016
Novas da Aviação
Ora viva. Tínhamos prometido aos amigos do nosso blogue
informações quentes sobre a aviação alemã (e europeia em geral) para meados de
Novembro. Demorou um pouco mais, mas valeu a pena esperar. Antes, porém, uma
nota importante.
Enquanto a Ryanair não nos brinda com passagens aéreas
grátis (daqui a uns anos sim, mas alguém acredita em almoços grátis?), algo que
nos faz rir, temos uma preocupante e prolongada greve dos pilotos da Lufthansa,
que nos faz chorar. Só não é mais grave porque já começou o inverno IATA e o
turismo das nossas zonas principais já não é tão afetado. A empresa “filha”
Eurowings já tinha passado por uma onda grevista, agora é a empresa “mãe”. Os
pilotos pararam até sábado, deram uma trégua ontem e hoje, sendo que está
prevista a retoma da greve amanhã para alguns voos e depois de amanhã para
todos, incluindo os de longo curso. Até ao momento mais de dois mil e
setecentos voos foram cancelados afetando mais de 300.000 passageiros – isto
são números provisórios. Os pilotos querem até 22% de aumentos salariais,
alegando que a empresa tem apresentado lucros nos últimos anos ao mesmo tempo
que a massa salarial real não sobe desde 2012. Dizemos nós: mais um exemplo do
que pode suceder, em termos de recursos humanos, em toda e qualquer área ligada
ao turismo.
Já agora, recorde-se que quem for passageiro afetado tem direitos
consagrados: remarcação da viagem na mesma ou noutra companhia aérea, pernoita
ou “transfer” a ser providenciado pela companhia, ou em caso de atraso superior
a 3 horas um “voucher” para alimentação de no mínimo 10 euros por pessoa e,
entre outras situações, o direito a telefonar 2 vezes, ou mandar 2 faxes ou 2
e-mails para a família ou amigos. Em caso de caos num Aeroporto não é fácil fazer
exercer estes direitos, razão pela qual muitos passageiros preferem cancelar a
viagem perante um anúncio de greve. Um assunto que merece permanente atenção.
Muito bem: aquele capítulo relativo à Air Berlim (recorde-se
o que escrevemos antes neste espaço) parece finalmente pronto a ser encerrado.
Confirma-se a previsão feita por fontes bem colocadas a que este blogue teve acesso.
Previa-se algum tipo de negócio que envolvesse a Etihad, lembre-se, a companhia
de bandeira do Abu Dhabi. Confirmou-se agora essa situação.
Vai-se manter a divisão da frota original da AB. A Eurowings
(grupo Lufthansa) fica com as aeronaves previstas, tornando-se a 3ª maior “low
cost” europeia. O resto dá azo a uma “joint-venture” muito importante entre o
que resta da AB, através da subsidiária Niki, a Tuifly e a própria Etihad,
criando-se assim uma nova realidade na aviação orientada para as viagens de
férias. Tudo isto foi aprovado pela Administração do Tui Group em Hannover. A
sede desta nova realidade empresarial será em Viena, a rede vai incluir
partidas de e para o triângulo Alemanha, Suíça e Áustria. Apesar de deter
apenas 25% desta “joint-venture”, a Etihad será líder operacional da mesma.
Assim, um capítulo triste parece ter sido resolvido com
vantagens mútuas. Para os destinos de sol e praia, esta parece ser uma novidade
muito positiva já para os próximos tempos. Acreditamos que podemos crescer nos
importantes mercados desse triângulo. Vale a pena recordar que, no Algarve,
perdemos turistas da Suíça e da Áustria por falta de voos a preços
competitivos. Nem todos querem passar por várias escalas ou viagens de comboio
com o objetivo de ir de férias. As pessoas, hoje, querem soluções rápidas,
eficazes e baratas para viajar, para obter alojamento, etc…
Por outro lado, a Etihad, que detém 49% da Alitalia,
fartou-se dos prejuízos desta companhia clássica de bandeira. Vai impor uma
reestruturação da empresa, corte nas rotas deficitárias e despedimento de mais
de dois mil trabalhadores. Em 2014 – quando se deu o investimento inicial –
havia a promessa de tornar a companhia lucrativa a partir de 2017. Não está a
resultar. A Alitalia já foi a desgraça da aviação europeia, nos tempos em que
perdia meio milhão de euros por dia. Não há Estado ou privado que aguente tais
contas. A ver vamos se a TAP não segue este exemplo. Há indicações de que vamos
evitar esse tipo de humilhação. A ver vamos.
Boas notícias para nós que queremos mais e melhor turismo
vêm da Easyjet. Deve fechar o ano com mais de 500 milhões em lucros e vai
reforçar as suas operações. Uma novidade interessante para o Algarve e para o
Porto (principalmente) é o reforço das operações em França, com mais bases e
mais aeronaves. Recorde-se que durante muito tempo quase não havia “low-cost” a
partir de França (exceto Paris) para o Algarve. Várias companhias voam agora
para Faro, sendo que a Easyjet teve um papel muito importante para ampliar o
mercado francês. Acreditamos que isso é mais um sinal positivo para os próximos
tempos. Na verdade, uma certeza positiva.
Também aguardamos novidades da Transavia, participada da Air
France-KLM, que deverá reagir a estas movimentações em breve. Mais uma
companhia que voa para Faro. Irá reforçar?
Para terminar: enquanto tudo isto se passa não podemos
deixar de refletir sobre o aumento de voos e passageiros para o nosso país,
ainda que se mantenha a sazonalidade do passado, cujos efeitos são atenuados
pelo aumento de turistas nos meses mais apetecíveis. Isso implica um aumento da
capacidade aeroportuária. Porto e Faro aguentam ainda aumentos significativos
de movimentos, Lisboa nem por isso. Quando a capacidade se esgotar, vai
aparecer o tal “mais um”. Segundo um especialista nos confidenciou, isso está na
calha, mas há gente desconfiada: a nível operacional, Portela + Montijo coloca
grandes dificuldades, incluindo a coordenação do espaço aéreo na zona de ambos
os Aeroportos.
Sejamos otimistas se possivel for!
sábado, 5 de novembro de 2016
Parabéns Penina – 50 anos de vida e de vidas
Hoje escrevemos para assinalar meio século de história do
Hotel Penina.
A história já foi contada, não vale a pena entrar por aí. Um
Hotel que surgiu porque alguns visionários acreditaram no futuro, lá nos anos
sessenta. Ainda mais quando estavam na calha outros investimentos congéneres. E
o Aeroporto de Faro já era uma realidade. Aliás, só por aí se vê o que um novo
Aeroporto pode fazer. O Penina veio para ficar. Por lá passou McCartney.
Escreveu-se história com os controversos acordos de Alvor. Passaram 50 anos e
muitas remodelações e inovações. O Turismo muda, as unidades hoteleiras
adaptam-se. Os costumes mudam, os Hotéis também.
Convido a espreitar o Penina, aqui: www.penina.com/news/penina-hotel-golf-resort-celebrates-50th-anniversary
Agora, o futuro está em marcha debaixo da excelente gestão
do grupo JJW Hotels & Resorts, que também é a entidade proprietária não só
do Penina mas de outras unidades, como o caso do Dona Filipa no Vale do Lobo.
Aproveitamos para exortar o sr. Al Jaber, grande homem de negócios neste sector
para continuar a investir neste Algarve cheio de sol. Todo e qualquer grupo de
forte expressão faz muita falta à Hotelaria Algarvia.
Muito bem. Passaram 50 anos. Que venham mais 50 anos de
sucesso. Um grande abraço.
P.S. – A aviação comercial alemã continua com notícias
quentes, algumas fumegantes. A meio de greves e reestruturações no setor,
surgiu uma bomba. A Ryanair conseguiu entrar no maior aeroporto da europa
continental, em Frankfurt-Main. A Frapor aceitou as condições da famosa “low-cost”
Irlandesa, o que deixou a Lufthansa furiosa. Uma reação infantil surgiu num
tweet da Lufthansa: “caros amigos da Ryanair, bem vindos ao gigantesco
aeroporto de Frankfurt. Quando estiverem perdidos no meio do Aeroporto, deem um
toque”. A Ryanair respondeu logo com forte ironia na mesma rede social: “parece-nos
que vocês estão a precisar de férias. Venham voar connosco a partir de €9,99 - só
ida”.
Faz lembrar as “bocas” entre a Ryanair e a Tap. Claro que
isto é muito bom para a “low cost”. Voar de Frankfurt é muito melhor do que de
Hahn, pequena vila, que fica a cerca de 120 quilómetros da grande cidade. Não é
de admirar a “fúria” da Lufthansa.
O melhor desta história: a partir de Março de 2017 haverá
então uma nova linha de Frankfurt para Faro, pois essa era a intenção da
Ryanair, ou seja, reforçar os voos para o sul da Península Ibérica. Mais um
passo positivo, mais uma razão para acreditar que 2017 pode ser mais um ano de
recordes no turismo ou, pelo menos, tão bom como o ano corrente. Aguardamos
mais novidades da aviação (muitas) ao longo deste mês.
segunda-feira, 31 de outubro de 2016
3,52% ao ano - ou o outro lado da "gentrification"
Antes
de entrarmos no assunto de hoje, uma nota prévia para agradecer o carinho com
que este novo espaço foi recebido, com várias mensagens privadas de apoio à sua
continuação. Um abraço a toda a gente. Sobre o assunto em causa no tópico
anterior, uma nota para referir a greve que afetou neste fim de semana a Germanwings / Eurowings e,
por conseguinte, muitos turistas, embora seja feita fora da temporada alta. Não
há acordo, outras greves serão convocadas. Continua a agitação do transporte
aéreo do maior ponto de origem do grande turismo. Novidades virão em Novembro…
vamos acompanhando.
Uma
outra nota para a eleição para Presidente da Câmara de S. Paulo (Prefeito),
logo à 1ª volta de João Doria, Jr., um bom amigo, também um amigo de Portugal,
empresário de sucesso e homem do turismo e da comunicação social. Ganhou, como
diriam os norte-americanos, com um “landslide”, ou seja, sem margem para
discussão. São Paulo vai voltar a ser uma “cidade do mundo”. Ele foi, nos anos
oitenta, Secretário Municipal de Turismo dessa impressionante cidade, tendo
sido também presidente da Paulistur, empresa municipal do setor. A seguir,
durante 2 anos, foi o presidente da Embratur, Instituto Brasileiro de Turismo,
sendo responsável por inúmeras campanhas, inclusive para a recuperação da
imagem do Rio de Janeiro perante o turista internacional. Desejamos o maior
sucesso para o João Doria.
Vamos
lá então ao que temos para hoje: não passam 15 dias sem que venha à baila neste
Portugal dos pequeninos o assunto do momento: o excesso de turistas em Lisboa
e, em menor escala, no Porto. Associado a esse pretenso excesso, o caos nos
lugares públicos, restaurantes, monumentos, etc..etc….
Como é
que é? Agora temos turistas a mais, é isso? Ainda há pouco, lembro-me de
palavras e frases como “crise”, “os turistas gastam pouco, é só miséria”, “não
há turismo de qualidade”, “eles não gastam nada”, só para citar algumas.
Bem,
vamos lá analisar a questão, por outros pontos de vista.
Primeiro,
choveram críticas à “gentrification” de Lisboa. Então vamos lá ver o que é
isso, exatamente. Historicamente, e num sentido mais restrito do termo, a
gentrificação refere-se a um processo no qual os centros urbanos conhecem um
aumento populacional, o qual acaba por se instalar em bairros e zonas mais
baratas, sendo que esse aumento da procura leva a um aumento do valor das
propriedades, o que leva a que muitos do populares moradores dessas zonas, por
não terem rendimentos compatíveis com o aumento do custo de vida nas mesmas,
acabam por abandoná-las. Trata-se de um processo de substituição social, ou
mesmo socioeconómico. Antigos residentes podem ser vítimas do processo, mas,
geralmente, do ponto de vista urbano, os locais em causa, conheceram
desenvolvimento imobiliário, nasceram novos negócios, têm mais “vida” e até
menores taxas de crime. A palavra terá origem na socióloga britânica Ruth
Glass, ao observar as transformações na Londres dos anos sessenta do século
passado. Desse ponto de vista, até Lisboa, nessa época, foi testemunha de um
fenómeno semelhante, embora ainda numa escala muito pequena. Os críticos deste
fenómeno falam muitas vezes da descaracterização humana, económica, ambiental e
cultural a que se assiste nos locais “gentrificados”. Por sua vez, estes
críticos têm sido eles próprios criticados pelo facto de falarem mal só por
fazerem parte do processo, como “vítimas” condenadas ao sub-urbanismo.
Hoje,
já muitos falam deste conceito numa perspetiva mais ampla, mais geral. Neste
caso, diz-se, os locais “gentrificados” podem ser vítimas do próprio sucesso.
Se é verdade que os bairros podem beneficiar a vários níveis, como vimos,
também há o risco de perda da tipicidade própria do local, o risco de caos
ambiental (excesso de ruído, de trânsito), o risco de “overshooting” de certos
negócios, o risco de higienização social, pois só os mais pujantes,
economicamente falando, poderiam beneficiar do local e dos seus emergentes
negócios, relegando todos os outros para a margem.
E
quando se fala deste conceito a propósito do “boom” do turismo (vamos ter em
breve um tópico só sobre esse “boom”, vai ser polémico), ouvimos as coisas mais
absurdas e ao mesmo tempo ouvimos outras simplesmente brilhantes. Mas ouvimos e
lemos também aquilo que não cabe numa discussão séria sobre o fenómeno e que é
especialidade portuguesa: queixas e queixinhas de diversa índole, mostrando o
quanto conseguimos ser tão pouco consensuais quando se trata de assuntos que
afetam e vão afetar ainda mais a sociedade. E é disso que falava no início: não
passam umas semanas sem que se ouça ou se leia “surriadas” de queixas e
queixinhas nesse grande muro de lamentações que é a Net, a exemplo do que se
passa nos “media” tradicionais.
Para
nós, o interessante é que esse debate não se deu a propósito das migrações
internas ou imigrações várias, mas sim a propósito do espantoso aumento do turismo
e do turismo residencial. Mais interessante é que esse debate só ocorre por se
tratar de Lisboa (e agora do Porto), quando este fenómeno, visto desse mesmo
ponto de vista já ocorria no litoral algarvio e, diga-se, há muitos anos. Só
que, tratando-se do Algarve, ninguém falou em “gentrification”, ao contrário,
falava-se de “colonização inglesa” ou “isto é só bifes”. Ou “isto é um paraíso
para camones”, etc…etc… e tal.
Muito
bem, um dos textos mais interessantes sobre esse assunto bem caro aos
lisboetas, surgiu em Junho no blog “Buala”, assinado por Ana Bigotte Vieira, Catarina
Botelho, Joana Braga, António Brito Guterres, Leonor Duarte, Luísa Gago e Luís
Mendes, artigo que convido a ler aqui:http://www.buala.org/pt/cidade/quem-vai-poder-morar-em-lisboa
Apesar
de muito interessante, tem demasiadas das ditas “queixinhas”, lamentando-se a
falta de políticas públicas e sugerindo até uma solução a la Barcelona, isto é,
parar para pensar, suspender licenças, revogar legislação com o objetivo de
“regular” algumas atividades que fervilham devido ao aumento significativo da
atividade turística. O diagnóstico destes cidadãos mostra o lamento de um
fenómeno de “gentrification” clássico. Devo dizer que a explosão do turismo
apenas acelerou o processo que seria inevitável, embora mais lento. Não vale a
pena entrar em queixas e lamentações. Com ou sem “boom” de turismo, podem crer,
o fenómeno ocorreria, mas de uma forma tão mais lenta (ordenada?), que nem
daria azo a grandes debates. A procura e os preços seriam sempre mais elevados
ao longo do tempo e tornar-se-iam incomportáveis para os moradores “clássicos”
dos mesmos bairros. Porquê?
Porque
estamos num mercado global. Estamos, até ver, no espaço Schengen com enorme
circulação de pessoas e capitais. Por um princípio de “arbitragem” de mercado,
porque se o cidadão observa que Lisboa é mais barato do que Madrid ou Roma, vem
para Lisboa, sendo a procura elevada até que os preços fiquem a níveis
semelhantes. Isto vale para a compra de imóvel como vale para um quarto de
Hotel. Os agentes económicos (nós todos) vivem em função da procura e da
oferta. Estes fenómenos não podem ser apontados, na base, ao turismo e aos
turistas. Devemos, sim, apontar o dedo à falta de políticas sérias de urbanismo
e habitação. Ou não?
Como
foi possível manter por meio século o “salazarengo” congelamento das rendas,
uma das maiores distorções do mercado de que há memória neste país, que nem no
PREC se viu?
E
quando se fez a Expo-98 alguém se lembrou do problema da habitação no concelho?
As novas habitações, na época, eram a pensar no turismo? A especulação
imobiliária da época era a pensar nos turistas? Alguém protegeu a necessidade
de habitação para os cidadãos que vivem e/ou trabalham na capital?
E a
propósito do paralelo com outras cidades… que paralelo é esse? Cada cidade tem
raízes muito próprias, não é uma grande ideia fazer certas comparações, porque
as realidades históricas, sociais, culturais, económicas têm origens muito
diferentes entre si.
Este
artigo centra-se muito na “limitação” que poderia ser feita. Regular, regular,
legislar, impedir. Isso não é correto. Porque é que um pai com um filho
desempregado não pode abrir um alojamento local para que o filho possa
trabalhar por conta própria? Pior ainda: se o vizinho de cima já fez isso,
porque é que o vizinho de baixo não poderia fazer também? Em nome de que
regulação? Nem sei se isso não seria um atentado à Constituição! Em nome de que
moral ou ética se poderia assistir a estas diferenças? Faz sentido o vizinho de
cima viver com dignidade enquanto o vizinho de baixo fica condenado a
“estágios” do Centro de emprego? Sendo humilhado na sua vida? É isso que
resolve algum problema? Outra coisa completamente diferente é a redução dos
horários de estabelecimentos noturnos, como sucedeu no Bairro Alto. Isso
salvaguarda um direito humano. Curiosamente, ao longo de anos, certos locais da
cidade eram alvos de abuso. Antes ainda de chegar o turismo de massas. Pois é…
Aliás,
tenham cuidado com aquilo que desejam, pois o universo pode se conjugar para a
sua realização. Esta é a propósito do dito aumento bombástico do turismo. E se
a tendência se invertesse, nem que fosse por uns dois ou três anos? Voltaríamos
a falar de crise?
E se,
ao contrário, o turismo continuar na senda atual? Vamos colocar restrições de
vária índole? Então não se recordam das famosas “restrições quantitativas” nas
Baleares. Era gente a mais nas ilhas, dizia-se. Resultado: o turismo alemão
caiu a pique e os responsáveis regionais do turismo acabaram de joelhos na
Alemanha a pedir aos operadores que voltassem em força. Enfim, histórias
antigas mas sempre atuais. Hoje, já foi feito um debate, onde se chegou a um
número de referência inicial sobre a capacidade de carga nessas ilhas do
Mediterrâneo. Mais vale projetar o futuro tarde do que nunca.
Por
isso gostamos da abordagem do texto do prof. João Seixas da Nova de Lisboa.
Embora nem todas as suas dez teses sobre o centro histórico de Lisboa mereçam a
nossa absoluta concordância, longe disso, penso que deve ser visto: https://www.publico.pt/local/noticia/dez-teses-sobre-o-centro-historico-de-lisboa-1740575
Pelo
menos, é uma tentativa estruturada de abordar o assunto e, cremos, um ponto de
partida para um debate mais amplo. Debate, aliás, que terá de ser feito
urgentemente, mas sem “parti pris” e envolvendo à partida todos os interessados
no assunto, sem perdas de tempo com lamentações sobre o que não se fez no
passado e quem são os culpados das omissões. Em vez disso, deverá ser feito um
ponto de situação sério com projeções para o futuro. Neste texto do Público, já
há uma consciência clara do que é hoje uma cidade e o desenvolvimento urbano.
Do facto de que os turistas não se importam de estar rodeados de outros
turistas. E do facto de turismo, hoje, ser sinónimo de experiências. O que o
autor chama de “consumo emocional”, chamamos nós em Hotelaria de
“experiências”. Mas o resultado final é o mesmo. Apesar de vivermos no mundo
das tais “viagens já viajadas” (obrigado, profª Catarina Varão, lá atrás na
formação da Ualg em 2010), as pessoas querem ver, ouvir, cheirar, saborear,
sentir o mundo. A isso se chama “viver”, que ainda é a maior “rede social” que
conhecemos.
Finalmente,
o texto volta a alertar para fenómenos a que já nos referimos, de uma forma ou
de outra, caracterizadores de “gentrification”, já identificados e bem
conhecidos. Há ainda uma tentativa de lançar raízes para um debate, o qual,
repito, já peca por ser tardio. Cabe acrescentar que a lógica lusitana de
debater os assuntos não é compatível com um mundo moderno e rápida
transformação. Urge rapidez e assertividade.
Queremos
dizer com isto que há a mania de discutir, discutir os temas, promover
reflexões intermináveis onde pouco de útil se consegue extrair e quando
finalmente se consegue desenvolver um consenso para pôr em prática a resolução
de um assunto, já é tarde de mais: os pressupostos que levaram à reflexão, ao
debate, quiçá ao “happy ending” de certa questão, transformam-se, modificam-se
ao ponto de tornar obsoleta a resolução consensual (ou não) do problema. Na
história de Portugal não faltam exemplos. Na praxis política contemporânea sobejam exemplos. Culpados? Nós, a
sociedade que somos. Não existem “outros” culpados.
Por
isso é que é necessário estar à frente e começar onde os outros param.
Desde
logo uma questão: se os turistas já são muitos hoje e as consequências estão à
vista, o que acontecerá quando o número for o dobro do atual?
Sim,
basta um crescimento anual do número de turistas na ordem de 3,52% nos próximos
vinte anos para se atingir o dobro dos atuais.
Repetimos:
basta um crescimento anual do número de turistas na ordem de 3,52% nos próximos
vinte anos para se atingir o dobro dos atuais. E a verdade é que isso é
teoricamente possível.
Claro
que o crescimento nunca é constante. Ainda somos do tempo do famoso Congresso
da WTTC em Vilamoura lá nos idos de 1997 (ou 1998?) em que se preconizavam
crescimentos anuais de movimento de turistas da ordem dos 10 a 15% ao ano. Na
pior hipótese, dizia-se, mais de 5% ao ano. Claro que eram tempos de euforia.
As economias desenvolvidas estavam em forte crescimento. Era o paradigma da
Nova Economia, a euforia do pós-guerra fria, a revolução das comunicações e da
Internet. A erupção dos voos baratos, o desenvolvimento das sociedades
emergentes. Tudo se discutia ao mesmo tempo. Os “gurus” acreditavam mesmo no
fim da história e num crescimento sem limites. Com isso, o turismo global seria
dos principais beneficiários. Seguramente iria explodir em alta.
Claro
que a história não segue uma linha reta. Nos últimos vinte anos vimos os
eventos mais inesperados, assistimos a uma brutal crise financeira (grande
recessão) e a outras recessões (duas a três conforme o local) que a todos
afetaram. Vimos guerras regionais e crises locais. Assistimos ao nascimento de
novos problemas. Acontece que nos vinte anos anteriores mais ou menos o mesmo
já havia ocorrido. Alguém tem dúvidas que nos próximos vinte anos vamos
assistir a crises e recessões? A novas guerras e revoluções? Nós não temos.
Mas,
tal como os eventos negativos não impediram o desenvolvimento e o crescimento
global do turismo (não é um ou dois anos de crise que mudam o cenário) em
nenhum momento, continuamos a acreditar que a humanidade vai prevalecer. Vai
ser ainda mais forte e mais desenvolvida. A população mundial continuará a
crescer em número e em rendimento disponível. Hoje, há mais milhões e milhões
de seres humanos que viajam, em comparação com esses tempos. Salvo algum
apocalipse planetário, temos todas as razões para acreditar que daqui a vinte
anos teremos muitos outros milhões a viajar. Teremos novas e melhores formas de
comunicação. Maior eficiência energética nos meios de transporte. Mais e melhor
acesso a todos os lugares. É verdade que nem todos os seres humanos beneficiam
do progresso, o que é lamentável. Mas também é verdade que aumenta o número dos
que veem a qualidade de vida melhorar. E o turismo é parte integrante dessa
história.
Portanto,
como é que se faz? Que reação perante a possibilidade do dobro dos turistas em
Lisboa, no Porto, em todo o lado? Ainda por cima num curto espaço de tempo!!
Vinte, trinta anos. É muito tempo, mas também pode ser pouco perante a inércia
e a incapacidade de reação, de adaptação a essa realidade.
E
então? E se crescer mesmo 3,52% ao ano? Que fazer perante as consequências
práticas?
E não
vale a pena sermos nostálgicos do tempo em que não havia filas nos pastéis de
Belém. Esses tempos ficam só na memória de quem os viveu. Lisboa não pode
debater estes temas no pressuposto da “legislação”, da “restrição”. Na prática,
isso não dá em nada. Barcelona não parou de crescer no turismo, Lisboa não vai
parar também. E ainda por cima, hoje já não é aquela cidade florida e tranquila
dos tempos da publicidade da gloriosa TWA. Hoje é uma capital do espaço
europeu, enfim, uma cidade do mundo. Vamos ter nos próximos dias um exemplo
“que vem do futuro”. Milhares de participantes na Web Summit. Isto é só um
exemplo do que pode ser a capital. Preparem-se para o que der e vier.
Por
outro lado valerá a pena ser nostálgico? Isto a propósito da perda daquilo que
era típico, tradicional: é claro que todos têm saudades dos tempos em que o
peixe fresco sabia a peixe fresco. Do galo caseiro e dos torresmos da “morte do
porco”. De tantas coisas. Mas será que existe mesmo algo típico?
Continuando
no exemplo da gastronomia: muitos pratos típicos levam batatas, quando há
centenas de anos seriam confecionados com castanhas. Hoje, um berbigão ou uma
conquilha são quase luxo, outrora seriam “restos” para dar aos indigentes e
aos escravos. E não é só por cá. Querem comida típica Italiana em locais turísticos de Itália?
Não há assim tanto. É mais fácil ir a um Restaurante Italiano nas
Américas, explorado por uma família imigrada no século XIX.
Na
verdade, teremos mais do mesmo no futuro. O conceito de típico, de tradicional,
mudará com o tempo, consoante os moradores das localidades. Isso também é parte
da “gentrification”. Mas também da globalização. Em Hotelaria, preferimos
chamar a isso “fusão”.
Depois
há a cultura de descriminação: quer dizer, se uma cidade estiver inundada de
Restaurantes de conhecidas cadeias norte-americanas, tudo bem, mas se estiver
inundada de “pizzerias” e “kebabs”, tudo mal?
Se um
inglês abre um bar com pequeno-almoço da sua terra, tudo bem, se um alemão abre
uma padaria à moda da sua aldeia com pão escuro, tudo bem, mas se um Cambodjano
abrir uma casa com “comida estranha”, tudo mal?
Não
se pode combater o futuro. O típico somos nós que o fazemos, tem a ver com
adaptação e evolução. O tradicional de hoje será outra coisa amanhã.
O
turista sabe isso muito bem. Quando viaja, ele não somente sabe que vai
encontrar outros turistas, como também sabe que vai encontrar diversidades. E
isso faz parte da cultura das experiências.
Outra
questão: e se daqui a vinte anos Lisboa atingir mesmo o dobro dos turistas?
Como vai ser a questão do Aeroporto? Como sempre, a solução é a manta de
retalhos: Portela +1.
Chegaram
à conclusão, mão não o admitem, que o novo e grandioso Aeroporto de Lisboa
deveria ser o que estava projetado antes. Esse, sim, era um projeto a pensar no longo
prazo. Tecnicamente excelente, segundo os especialistas. Esse é que deveria ter
sido o verdadeiro Aeroporto Humberto Delgado. Não avançando a obra, temos de
ficar pela mediocridade do Portela+1. Adiar o inevitável por mais alguns anos. Com um Aeroporto de enormes dimensões,
poderíamos ambicionar a crescer mais, não só na Grande Lisboa, mas noutras
regiões adjacentes. Um eixo Europa-África-América. Mais aviões de linha e “low-cost”.
Mais transporte de carga. Acesso aos “super-jumbos”.
Quem
sabe se a questão do transporte aéreo não se vai tornar ainda um problema que
impeça o crescimento numérico dos turistas em Lisboa e na maior parte do país?
Talvez ainda Beja venha a ser útil. Muitas questões a debater, mas sempre com
uma nova mentalidade sob pena de continuarmos no futuro a triste história do
passado.
Terminando:
não há que ter medo da afluência do turismo, nas suas vertentes. Só dá medo se
não souberem dar as mãos para resolverem os problemas atuais e futuros. Se não
souberem deixar para trás condicionalismos mentais e preconceitos ideológicos.
Nunca é tarde para mudar. Sobretudo quem tem tanto para fazer.
De
resto, senhoras e senhores, parece-nos que em matéria de Turismo ainda não viram nada…
segunda-feira, 10 de outubro de 2016
A doença da Air Berlin e a "revolta da Bounty" na TUIfly
Já com algum atraso, do qual pedimos desculpa, publicamos
agora o tópico inaugural que esperamos ser do maior interesse, porque trata de
um assunto que por estes dias “incomodou” Hoteleiros em toda a Europa,
especialmente no segmento “sol e praia”.
Não estava previsto ser este o primeiro tema de análise, mas
os acontecimentos precipitaram-se. E quando se trata de transporte aéreo de
turistas que visitam os nossos principais destinos e cuja permanência média
tende a ser elevada, o tema é do maior interesse e atualidade. Pelo menos,
estamos em crer que assim é. Estas notícias são a base de uma reflexão mais
ampla, como adiante veremos.
Vamos por partes para termos uma visão global: desde logo,
na semana anterior, chegava a uma conclusão óbvia uma novela triste da aviação
alemã e europeia. A Air Berlin, companhia aérea problemática (prejuízos
operacionais em 9 dos últimos 10 anos), anunciava uma reestruturação para
resolver de vez os seus graves problemas. Uma empresa que cresceu, engordou,
absorveu concorrência, mas que nunca soube lidar com as mudanças no setor. Uma
empresa que, investiu, adquiriu concorrentes para ocupar espaço vital da
concorrência (recorde-se a aquisição da maioria de capital da austríaca Air
Nikki), apostou em mais destinos, inclusive intercontinentais e em diversas
bases.
Nada deu certo. A segunda maior companhia germânica
acumulava prejuízos. Não derrubou a liderança da Lufthansa, nem entendeu o novo
paradigma das “low-costs” que invadiram o mercado. Sim, não é só a TUI e a
Condor ou a incontornável Ryanair. Ainda há AirBaltic, Austrian-Airlines,
Blue1, BMI Baby, Lot, Dauair, Helvetic, Intersky, SkyEurope, SmartWings,
Transavia, VLM, Brussels Airlines and Wizz Air, entre várias outras. A Air
Berlin ampliava bases, estava em todo o lado, não só em Berlin e Düsseldorf.
Tentava controlar Palma de Maiorca e outros pontos importantes. Mas no fundo
não era por aí. Não conseguia vender passagens a preços de concorrência, foi
perdendo terreno sem reagir a sério. Ponto final.
Só desde 2006 (ano de entrada em Bolsa) perde um total
acumulado de mil e duzentos milhões de euros. Nem a entrada da Ethiad
(companhia de bandeira do Abu Dhabi) no capital da empresa (29% do total)
ajudou: a parceria estratégica não mudou o estado das coisas. Um dia será feita
a história deste fracasso, não nos cabe fazê-la em cima do acontecimento. Mas
não podemos negar que a falta de adaptação aos novos tempos foi gritante.
Veja-se como a Lufthansa há muito já havia mudado o seu paradigma com a
introdução da marca Germanwings e, agora, com outra abrangência, Eurowings,
modelo que até a nossa Tapzinha parece querer adotar.
Agora explodiu a bomba: a empresa vai “emagrecer” e para
apenas metade do que era. Dos 144 aviões passa para 75 aeronaves. Vai
concentrar operações em Berlim e Düsseldorf e focar-se nos segmentos de
passageiros “premium”. Até 1.200 dos 8.600 postos de trabalho serão eliminados.
Até o lugar do CEO, Stefan Pichler está em perigo. Demorou a apresentar um
plano de saneamento que agradasse à “sócia” Ethiad. Quarenta aeronaves vão para
a Lutfhansa (para a Eurowings, na realidade). Um esquema de arrendamento das
mesmas está em estudo, ou mesmo a venda. Sendo assim, a Eurowings passa a ser a
terceira maior “low-cost” da Europa. À atenção do mercado algarvio: isto é excelente
se aumentar a oferta de voos sem acréscimo de custos, o que dependerá da
restante concorrência.
Além disso, outras 14 aeronaves e ainda as da subsidiária Niki
passam a ser operadas pela TUIfly, sabendo-se que quase todas as rotas com
origem noutras cidades que não as duas mencionadas acima passam a ser parte da
oferta das citadas companhias. A ideia é voltar aos lucros em 2018. O futuro
dirá se é esta a solução definitiva. Também não são claros alguns aspetos
burocráticos do negócio com a Eurowings e a TUIfly. Para já, as reservas
confirmadas serão asseguradas, pelas aeronaves e respetivas tripulações.
Ora, esta série de eventos rápidos não passou despercebida
aos funcionários da TUIfly. Tendo em memória a famosa deslocalização de
serviços, como por exemplo, grande parte da manutenção efetuada na base central
de Hannover passou a ser feita em Bucareste, com perda de postos de trabalho na
Alemanha, o “staff” da TUIfly teme que estas mudanças no panorama da aviação
comercial “espirrem” para cima dos próprios. Fala-se até que a TUIfly poderá,
devido às mudanças na Air Berlin, ter em vista negócios com a Ethiad. A juntar
a isto, já há algum tempo que estavam latentes reivindicações salariais no seio
das tripulações da companhia, também maiores bónus de desempenho, mais
compensações por horas extras, etc…
Na impossibilidade de uma greve rápida como protesto (faz
falta um pré-aviso), a fórmula encontrada foi algo já testado em muitos
lugares: uma estranha e coletiva série de baixas médicas, sobretudo no pessoal
de cabine e pilotos, situação que levou ao cancelamento de quase todos os voos
logo na última sexta-feira. No sábado não foi muito diferente. Centenas de voos
cancelados logo no início das miniférias de Outono no importante estado da
Renânia-Vestefália. Podemos adiantar que no Algarve, várias unidades Hoteleiras
foram afetadas com evidente incómodo. Isto é válido para unidades debaixo de
exploração pela TUI alemã ou que têm com a mesma importantes contratos de
“allotment”. Neste domingo estavam quase todos “curados” das ditas doenças e os
voos já estavam a ser retomados e a situação a começar a ser normalizada.
Incrivelmente, a imagem da TUIfly acabaria por ser gravemente afetada, não tanto
pela situação, semelhante a qualquer greve do setor, mas pela precipitada
reação de um responsável da empresa, o qual declarou a intenção de não
compensar os passageiros pelo transtorno, palavras que levaram a um quase
tumulto no setor, já que isso seria uma grave violação da legislação em vigor
em toda a EU.
Seja como for, mais um conflito interno de uma empresa a se
desenrolar às custas do sofrimento do turista. Os sindicatos rejeitam a ideia
de um protesto silencioso. A Administração fala em greve selvagem. Sabe-se que
a falta de informação da companhia sobre a criação de última hora de voos
especiais (já com aviões da Air Berlim) direcionados às férias de Outono terão
sido a gota de água que fez transbordar o copo. Nem sequer havia ou há certezas
de que Hannover continuará a ser o centro operacional da TUIfly. Mais novidades
são esperadas, mas apenas para meados de novembro.
Na verdade trata-se de uma pequena revolta da Bounty dos
tempos modernos. Na impossibilidade de empurrar o capitão pela borda fora, as
tripulações usaram a única hipótese legal de protesto rápido. E não é difícil
justificar uma baixa médica (física e/ou psicológica) no âmbito dessa
stressante profissão. Esta fórmula não é inédita. O que muitos não sabem é que,
mesmo em unidades hoteleiras, tal já foi feito, individualmente ou em grupo.
A lição ou lições a tirar desta situação: desde logo a falta
de transparência no seio destas empresas. Companhias que estejam de alguma
forma ligadas ao setor turístico não devem, de modo nenhum, deixar de comunicar
melhor as transformações, seja aos funcionários, seja aos clientes. Há uma
grande relação de proximidade comercial e até de algum “afeto” pessoal por
parte dos passageiros da companhia A ou B ou dos hóspedes do hotel A ou B. Se
há setor onde se pode falar em fidelização é neste. As pessoas sentem (por
vezes de forma abusiva) que o avião, o quarto, o veículo, o restaurante lhes
pertencem. Isso ocorre também pela afinidade que os funcionários das empresas
ajudam a criar graças à simpatia e ao nom serviço. Cria-se uma situação de
empatia.
Por outro lado há essa situação de revolta surda: em meio de
um “boom” na atividade turística (vem aí em breve um tópico sobre esse
assunto), as empresas não tiveram visão para antecipar o mesmo. Com isto,
criou-se uma enorme pressão sobre o pessoal da aviação sem as devidas
compensações, sendo elas ou a melhoria salarial ou bónus especial. Nem tão
pouco se ampliou o quadro do pessoal, a não ser por quadros sazonais sem a
formação apropriadas para adaptação às empresas. Se isso é válido em momentos
de crise e foi inevitável na sequência das crises pós-2008, não faz o menor
sentido quando a situação inverte. E desde 2012 existiam sinais claros de uma
melhoria da situação. Isto aplica-se também aos transportes terrestres, mas
também à Hotelaria clássica e à Restauração. De repente, a maioria dos
empresários viu-se sem pessoal de cozinha, de limpeza, entre outros, à altura
da nova realidade.
Para piorar este cenário, muitos profissionais haviam “migrado”
em busca de trabalho, mas mais importante ainda, bons profissionais com provas
dadas saíram das empresas, não por falta de trabalho, mas por melhores
condições em geral. Foi assim na aviação e em todos os setores. É o mercado a
funcionar. O mesmo mercado que fez contrair, piorar as condições em tempos de
crise, funciona também ao contrário. A procura aumentou verdadeiramente com
todas as consequências que daí advêm.
Esta situação é transversal a quase toda a Hotelaria
Europeia, similares e serviços conexos. Que isto sirva de reflexão. Só se
poderá oferecer um bom serviço, sustentar ótima relação qualidade/preço e ser
concorrencial, se existirem condições plenas para isso. E quem quiser
consolidar a sua imagem de marca, de modo a poder navegar e sobreviver em
tempos menos bonançosos, já sabe o que tem a fazer: qualidade, modernização,
ponta tecnológica, sustentabilidade, responsabilidade social.
Cada um tire as suas próprias conclusões.
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