sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

O mundo do Turismo

Para sair do ano velho e com esperança no ano novo, fica aqui esta pérola do site familybreakfinder.co.uk
Um mapa do mundo com todos os "slogans" de turismo dos países que os têm.
Em 2017, viaje, divirta-se, declare o seu amor ao turismo

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Desconstruindo o "boom" do Turismo - parte II

Na 1ª parte, falámos da tendência de crescimento da atividade do Turismo, da indústria hoteleira em geral, como algo civilizacional. Já dizia Fritz Joussen, CEO do grupo TUI em fevereiro último: “nós não somos apenas um grande operador, isso era dantes, o nosso negócio é agora hotéis e cruzeiros. Cada vez mais assim será porque o Turismo é uma indústria em crescimento e nós seremos um grupo cada vez mais global e acutilante”. Estas palavras, vindas de um “insider” do ramo, dizem muito sobre o “zeitgeist”, o espírito dos tempos que correm.

A propósito, existem duas áreas em forte expansão: os cruzeiros oceânicos de curta e média duração são cada vez mais apelativos, não sendo alheio este “boom” à imagem de segurança antiterrorismo que uma embarcação proporciona devido ao controlo de acessos, em contraste com uma praia cheia de pessoas sem qualquer restrição de acesso. Só na Europa, 75 novas embarcações deverão entrar ao serviço na próxima década. Em 2017, espera-se um aumento de um milhão de passageiros em relação a 2016, a nível mundial, seja de 24 para 25 milhões. A outra, é o “bleisure”. Uma mistura de viagem teoricamente de “business” mas que tem uma forte componente de “leisure”. Esta é mais uma tendência a explodir em alta nos próximos tempos, uma realidade, cremos, imparável.


Em relação ao dito “boom”, vamos começar pela Europa. De Portugal já está tudo dito. A tendência é de expansão. Não acreditamos na repetição de crescimento anual da ordem dos 10% como um todo, mas seguramente teremos boas surpresas em novos mercados dentro do mercado nacional. O exemplo dos Açores vai merecer tópico próprio, mas teremos expansão um pouco por todo o lado, não só em Lisboa, Porto e Algarve. Se for assim, ainda bem. É uma importante fonte de emprego e rendimentos de que todos devem poder participar. Para quem beneficiou de um ano em cheio, manter o mesmo nível ou aumentar um pouco que seja, já será motivo para abrir a garrafa de espumante.

A Espanha continua imparável. Tem uma oferta espantosa, tem o continente e ilhas, tem uma diversidade invejável a todos os níveis o que confere possibilidades de experiências únicas. Foi, este ano, dos grandes beneficiários das perdas da Turquia, Egito e Tunísia. Tudo indica que assim continuará, com brutais ocupações tanto nas Baleares como nas Canárias (a abarrotar na Páscoa de 2017, segundo as primeiras projeções com base em reservas reais). É um mercado maduro e constante. Por muito que tentem travar a realidade, não há volta a dar: Madrid e Barcelona (sobretudo esta) continuarão a ser destinos de topo nesta Europa de cidades históricas. Há quem queira travar o “boom” de turistas em Barcelona. Há vinte anos atrás já se falava do assunto. Não travaram nem travarão. Se tomarem medidas radicais, acabarão por chorar para que os turistas regressem. A vida é assim. Se nas ilhas ainda se pode admitir esse debate devido às especificidades próprias de uma ilha, nos territórios continentais é mais complicado entrar nesse tipo de conversa.

O turismo francês sofreu muito com o terrorismo. Interessante como a sociedade da informação dos nossos dias tem um efeito muito rápido sobre os consumidores de viagens. Que o digam as plataformas de reservas online, as quais sofreram uma queda (global) impressionante de marcações nas horas que se seguiram à notícia do ataque a Paris. Em breve as reservas retornaram ao ritmo normal, mas não em França e muito menos em Paris (a hotelaria de 5 estrelas foi obrigada a reduzir preços entre 25 a 45%) e posteriormente em Nice. Aliás, neste último caso toda a Côte d`Azur sofreu quebras. O país está a tentar recuperar, mas é cedo para tal. Ainda nem sequer se podem calcular os prejuízos causados pelos eventos em causa, sobretudo na cidade luz. O mesmo se pode dizer sobre Bruxelas, na Bélgica. Eis outra cidade debaixo de fogo e em forte ameaça. Ainda hoje tenta recuperar o espaço perdido na cena turística europeia. Por seu turno, a Holanda continua a ser muito popular com mais de 14 milhões de turistas, maioritariamente europeus. Na última década cresceu mais de 40% e a tendência é de estabilização em alta, sendo que Amesterdão continua no seu eterno “boom” ao ponto do Presidente da Câmara sugerir outros locais para os turistas (?) devido a queixas dos residentes. Imagine alguém dizer aqui entre nós – seria algo para pegar fogo na opinião pública.

Em relação à Alemanha, uma nota especial: para os mais distraídos, este é um grande mercado emissor (outbound) por excelência. Ponto final. É uma verdade, mas não nos podemos esquecer que até este gigante europeu vive o seu “boom” tranquilo, com subidas constantes. Terá passado a fasquia dos 35 milhões de visitantes fora o fabuloso mercado interno, o qual se fortaleceu por conta dos cancelamentos no médio oriente. Já em 2015 tinha atingido o número impressionante de 433 milhões de dormidas. Sim, não há erro. Talvez feche 2016 com um aumento de 3%. Muitos germânicos preferiram as próprias praias dos mares do norte e do báltico do que optar por outros destinos. Ou fazer cruzeiros, muitos dos quais nos frios mares dos países nórdicos, algo que ajudou ao “boom” desse tipo de turismo. No total, são muitos milhões de turistas num país em que essa atividade passou a ser considerada de vital importância. Há quem esteja a adiar viagens para o estrangeiro também por causa da crise dos refugiados. Daí que muitos lugares turísticos estejam a conhecer uma inesperada expansão. Isto para não falar de “clusters” ou situações curiosas como os norte-americanos que retornam como turistas quando só lá tinham ido como tropas de ocupação, só para nomear um caso. Até ao recente atentado do mercado de Natal de Berlim, a capital conhecia também um fortíssimo crescimento de visitantes nacionais e estrangeiros. Ainda não há dados sobre as consequências imediatas do sucedido. Em relação aos vizinhos, como a Suíça e Áustria, acabam por beneficiar por isso mesmo, são vizinhos da Alemanha, são ótimos destinos para viagens de curto curso. O caso austríaco merece uma referência especial: o turismo de neve continua estável, mas há um “boom” do turismo cultural, relacionado especialmente com a musica clássica. Salzburg é um exemplo fabuloso: é das cidades europeias mais visitadas por turistas chineses, se é que não atingiu já o topo. Mais uma prova que há “muitos turismos”, ou seja, todas as experiências, todas as ofertas e possibilidades devem ser levadas em conta.

A Itália é outro caso emblemático. Um misto enorme dessa variedade de experiências com grandes diferenças do norte para o sul. Mais um país em pleno “boom” sendo que as causas impressionam: além do aumento de visitantes estrangeiros, mais de 33 milhões de nacionais terão feito viagens pela sua terra neste ano de 2016. O turista italiano decidiu “ajudar” a economia do próprio país, inundando todos os lugares com destaque para as belas praias ao longo do verão. Não podemos deixar de falar de Veneza, o exemplo clássico de “gentrification”, que perdeu dois terços dos residentes em cinco décadas por conta da completa reconfiguração da cidade à medida que a procura crescia desmesuradamente. Crescia e cresce – os recordes de visitantes são constantemente batidos. Vale a pena ficar de olho naquela realidade se queremos respostas à questão fundamental que rege todo e qualquer destino e que passa por se saber se há limites à expansão do mesmo, se há limite para o número de visitantes, alojamento, restauração, etc… a discussão sobre o assunto, interessante, pode-se acompanhar em #venexodus.

Mais a leste, segue a forte expansão na República Checa, pode-se já considerar Praga como um mercado “maduro”, mas outros pontos do país despertaram para os turistas. A Polónia tem uma forte presença alemã. A Eslováquia, sobretudo Bratislava, é outro destino a ter em conta. Na Croácia, temos um pequeno “boom” em pleno Adriático. A propósito, Zagreb vive uma grande expansão, tal como Belgrado na Sérvia, sendo este último uma surpresa para muitos. Até a Bulgária com o seu mar Negro vive momentos de glória (melhor Verão de sempre), situação que parece se expandir em à Roménia. Em relação à Grécia, temia-se uma queda, também devido à crise dos refugiados, mas quedas pontuais nalgumas ilhas foram compensadas por subidas noutras ilhas gregas. Creta, por exemplo, dá mostras de não se ir abaixo. Rhodes, porém, foi muito afetada. Inclusivamente, importantes setores do mercado alemão substituíram, até ver, o destino Turquia pelo destino Grécia, o que foi importante para os locais. A Turquia foi, como sabemos, o grande perdedor. Depois de ataques terroristas e da “intentona” chegou a ter quedas de reservas da ordem de 60%, mas acabou por perder “apenas” um terço do turismo. Este “apenas” é muito irónico: imagine-se o que seria se tal ocorresse no Algarve? Desde logo a Turquia perdeu muito nos principais mercados emissores como é o caso da Alemanha. Praticamente ficou sem o turista Russo, deveras importante. Ainda assim cresceu num mercado…. o da Arábia Saudita!! A Turquia deve agora tentar recuperar, mas as feridas podem levar muito tempo a curar para desespero dos grandes operadores que estavam acostumados com receitas em euros e despesas em liras turcas, situação que explicava o forte “boom” anterior a esta crise. Cabe aqui uma chamada de atenção: os mercados do médio oriente devem continuar expostos a fortes tensões políticas pelo que qualquer arremedo de recuperação poderá revelar-se incipiente.
Em relação a outros mercados do velho continente, deve-se falar do bom desempenho das chamadas repúblicas Bálticas ou mesmo da cidade Russa de S. Petersburgo. Grande surpresa está a ser Lviv, na Ucrânia. As capitais nórdicas continuam a ser bem procuradas, são mercados estáveis. Destaque aqui para a Islândia, país agora mais “barato” em tempos de pós-crise financeira. Há um grande “boom”, aqui sim, com crescimento em 2016 entre 25 a 30% - um espanto.  Terminando com as ilhas britânicas, deve-se dizer que os mercados das Irlandas, Escócia e Gales continuam em bom desempenho, tal como Londres, capital do Reino Unido. Aqui a grande expetativa para o futuro próximo tem a ver com os efeitos do “Brexit”, uma verdadeira incógnita. Para já, uma boa notícia para o espaço da Libra Esterlina: Londres viu um aumento de turistas vindos do extremo-oriente e dos EAU na ordem de 25% na comparação do 4º trimestre de 2016 com igual período de 2015 – isto quer dizer movimento em alta nas lojas e “shoppings” bem como na excelente hotelaria londrina. Lembremo-nos ainda da oferta em expansão na cidade. São mais 38 hotéis de topo em projeto e/ou construção, totalizando 8.500 novas camas. Até agora, o “Brexit” não foi mau para o turismo inglês. Veremos como será mais para a frente…

Em geral, podemos falar de uma expansão quase generalizada do turismo europeu com alguns locais a “explodirem” em alta. Os capitais “inteligentes” estão atentos a estas realidades, não brincam em serviço. Só em termos de dinheiros asiáticos, tivemos recentemente 1,6 mil milhões de euros em investimentos na hotelaria europeia. Será viável? Será uma “bolha”? O futuro o dirá. Uma coisa é certa, o mundo das viagens está em alta, tanto o “baratinho” como o médio ou as viagens de luxo.

No norte de África, nem tudo são más notícias: Marrocos está a começar a viver o seu próprio “boom” graças a uma relativa paz social em contraste com outros mercados da região. A confiança é grande e a construção de novas unidades é uma certeza para os próximos quatro anos – são 52 novos projetos em carteira. Abaixo do Sahara, Cabo Verde vai “explodir” em alta muito por conta de grupos internacionais como o caso do grupo RIU (ligado à TUI). São Tomé e Príncipe, Nigéria, Ruanda (sim), África do Sul, Tanzânia, Quénia – tome nota destes nomes, vão dar que falar. Só nos próximos dois anos devem abrir na África subsaariana mais de dez mil novas camas turísticas.
O Dubai continua a ser o grande fenómeno contemporâneo, não param de abrir unidades, nomeadamente de luxo. Já passou este ano o número de cem mil quartos de Hotel, quase todos de luxo. Será sustentável? Essa é a grande questão para o futuro próximo.

O grande “boom” continua a ser na Ásia e Ásia/Pacífico: a Índia começa a ser um caso sério não só no “inbound” como no “outbond”, enquanto mercados maduros como as fabulosas Maldivas (mais de 8% de subida) ou mesmo o Sri Lanka ou a Tailândia continuam com perspetivas muitíssimo boas. Mas o destaque vai para o Laos, Camboja, Vietname – nomes emergentes no setor do Turismo. Aqui está mais um “boom” a ter em conta, enquanto a Indonésia comemora um aumento de 16% de receitas em 2016 (números provisórios). Recorde-se que a ilha de Bali sofreu há uns anos um revés igual ao da Turquia, devido ao terrível atentado numa discoteca cheia de jovens Australianos. Hoje, está tudo ultrapassado, sendo um mercado em alta. Isto prova que os mercados afetados pelo Terror recuperam bem, embora possa levar algum tempo. Mas essa recuperação é mais viável se os atentados forem um ato isolado e não se repetirem com uma certa frequência. Destaque também para o bom desempenho lá longe na Oceânia, tanto nas pequenas ilhas como na enorme Austrália. Neste último caso, quem lidera o “boom” é o mercado Chinês. Aliás, a China é a grande responsável pelo sucesso destes mercados. Foram mais 18% de turistas chineses no exterior do país este ano, crescimento muito superior ao do PIB chinês. Ainda assim, somando outros mercados da região, dá cerca de 10% de aumento de turistas a passear no estrangeiro. Havendo recursos, as pessoas viajam: aquilo que era um ícone do mundo ocidental transforma-se num ícone global. Ninguém deve, assim, sentir-se apanhado de surpresa pelo sucesso do Turismo.

Uma palavra final para as Américas: o Canadá é muito visitado, sobretudo por turistas internos e do mesmo continente, com destaque para os vizinhos a sul. Por falar em Estados Unidos, apesar do enorme aumento da oferta hoteleira (que não vai parar nos próximos anos), não se pode falar em “boom”. É um mercado maduro, tem um turismo interno como nenhum outro, o que é normal em qualquer país de dimensão “continental”, o qual cresce em “tandem” com o crescimento do PIB. Seja como for, sem ser um crescimento explosivo, é positivo, tanto o PIB geral como o do setor de viagens. Os EUA são responsáveis pela forte procura no setor de cruzeiros, mas isto não é novidade alguma. O México, República Dominicana, as Caraíbas em geral estão em bom plano, sendo que o novo “boom” da região virá de Cuba. Crescerá 10% e tem muita margem para crescer ainda mais, sobretudo se “as portas” se abrirem em força para lá da capital, Havana. Na América central e do sul, queremos destacar a Colômbia pós-guerra civil que vai agora ter outra “explosão”, a do Turismo. Também o Perú parece preparado para fortes altas, sendo o Chile outro destaque. O Brasil é apontado como uma grande possibilidade de sucesso no longo prazo, mas, de momento, sofre uma terrível crise económica e social que inibe qualquer hipótese de crescimento no setor, ao ponto de existirem ofertas de última hora para o “reveillon” no nordeste em que um casal paga a viagem de uma pessoa e ganha duas viagens. A crise é um desespero, mas melhores tempos virão ainda que isso demore. A OCDE fala de “boom” em lugares como África do Sul, Índia, Brasil nos próximos 15 anos, mas é preciso ter em conta certas especificidades. Muitas vezes neste mercado, tal como noutros, é fácil adivinhar o futuro, difícil é saber quando é que esse futuro chega. O “timing” não é desprezível quando se trata de perspetivar os próximos tempos.


Certo é que a confiança está em alta: só os nove maiores grupos hoteleiros internacionais são responsáveis por mais de 2.500 novos projetos hoteleiros, totalizando mais de 550 mil novos quartos. Globalmente são muitos mais. Se estamos em presença de investimentos com sentido perante as boas perspetivas ou, pelo contrário, se será apenas mais uma de muitas bolhas de investimento… o futuro o dirá. Acreditamos mais num misto de ambos conforme as circunstâncias e os locais onde tudo isto acontece.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Desconstruindo o "boom" do Turismo - parte I

Um dos temas que mais marcou o mundo do turismo e viagens no ano que está a chegar ao fim e que vai continuar a marcar agenda no novo ano é o do “boom” do negócio ou, melhor dizendo do “travel market” nas suas diversas vertentes, sejam os transportes, o alojamento, as diversões, comes e bebes, etc.. Neste texto vamos designar o “bolo” do “travel market” usando genericamente a palavra “turismo”.
Este assunto tem sido abordado nos diversos “media”, desde os clássicos aos inovadores, causa polémica devido às consequências económicas ou socio-ambientais do mesmo, recorde-se o tópico que fizemos sobre outra polémica, a da “gentrification”, a qual, em muitos casos, surge associada ao “boom” de turistas em certas cidades. Enfim, dá azo a grandes debates, mas sobretudo é um fator de melhoria da Economia em muitos locais, situação que pode levar a novas “bolhas” de investimento caso se torne um fenómeno extremo. Como já vimos no passado, não falta “miopia de capital” para levar certo tipo de investimentos ao extremo. O fim da festa já todos conhecemos da pior maneira.

A primeira questão é: existe mesmo um “boom” de turismo ou trata-se de uma ilusão? Esta pergunta não tem resposta imediata. É preciso esperar uns anos para tirar conclusões sobre o que realmente se passou em períodos anteriores. A História não se compadece com conclusões precipitadas. Por outro lado, se não é um “boom” é algo que faz parte do “novo normal” de que tanto se fala? Afinal de contas, como dissemos no mesmo tópico dedicado à gentrificação, já há quase vinte anos lá no famoso Congresso da WTTC em Vilamoura, falava-se à boca cheia de crescimento anual do turismo (em certos mercados) da ordem de 10 a 15% ao ano ou, na pior hipótese, de 5 a 10% ao ano. Mais uma vez se prova que é preciso esperar para ver até que se possa escrever a História. Provou-se que nem oito nem oitenta.

Sobre Portugal, tem-se falado em “boom” generalizado. Na verdade é conveniente lembrar que nós partimos de uma base muito baixa. Começando por Lisboa: sempre foi uma cidade com alguns visitantes. E tanto mais quando surge a Portela. Mas esses muitos visitantes não chegavam para elevá-la a cidade de “turismo de massas”. A cidade levou muitos anos a crescer moderadamente para o turismo ao contrário de outras capitais europeias. É difícil de compreender esse atraso na medida em que a cidade tinha fatores de atração fabulosos. Bom preço ou relação qualidade/preço nas várias vertentes. Tinha um grau de tipicidade / autenticidade já raros na Europa. Excelente clima e bom fator humano. Talvez não tivesse aquilo que faltava: ser a primeira escolha de muitos viajantes. Tempos houve em que escolher entre visitar Lisboa ou Madrid, ou Barcelona ou Paris ou Roma não era sequer assunto. Poucos escolhiam Lisboa. Ainda por cima, voar da Europa “civilizada” para Portugal nos tempos pré-low cost não era nada em conta. Aliás, se falarmos dos preços dos voos intercontinentais a situação ainda é mais grave. Isto significa que muitos viajantes podem ter tido a vontade conhecer Lisboa mas terão optado por outras capitais. Esta situação repete-se quando se fala do Porto (de forma mais gritante), que não teve quase nunca um número de viajantes digno da cidade que é, repetindo-se a situação em muitos outros pontos de Portugal. Para piorar o cenário, a rede interna de comunicações rodoviárias e ferroviárias estava muito longe de se tornar apelativa para qualquer turista que tivesse pouco tempo para conhecer o maior número possível de lugares. Por exemplo, Évora ainda beneficiava dos turistas que outrora iam a Lisboa, mas a maioria teria mais interesse em Fátima ou Sintra. Não era fácil este Portugal dos atrasos estruturais.
Daí que os primeiros fenómenos a que podemos chamar “boom” tenham ocorrido no Algarve. Vale a pena recordar que esta era uma região quase isolada do país e da rica Europa. Tinha uma vivência e tradições muito suas. Um mundo à parte, autêntica mistura de culturas antigas. Só que… era terra de boa comida e excelente clima, quase todo o ano. Eventualmente ganha um Aeroporto internacional que fez toda a diferença como hoje sabemos.

No mundo do pós-guerra mundial, o otimismo levou tempo a regressar mas finalmente voltou com força. As sociedades mudaram para melhor. O viajar, a descoberta do mundo enraíza-se na cultura Ocidental, ao mesmo tempo que surgem as férias pagas para a maioria dos trabalhadores. Enraíza-se a cultura de férias de sol e mar. Deve-se ressaltar que quase todos os grandes destinos deste género no planeta foram “descobertos” pelos filhos de uma certa contracultura “hippie”, mochileiros, “freaks”, sendo que só depois chegou o dinheiro, os investimentos, a cultura de massas. Já tinha sido assim em Torremolinos, foi assim também em parte do Algarve. Recuperando a ideia inicial, esta região já tinha passado por vários “booms” (antes de muitos outros locais), à medida que surgiram novas ofertas de alojamento, voos “charter” (fundamental neste contexto) e novas propostas de entretenimento e experiências.

Este mercado nunca foi fácil. Há uma enorme concorrência no chamado turismo de sol e mar. Existem locais que não sendo tão apelativos, são mais em conta. Mesmo com pior relação entre qualidade e preço, acabam por ser mais baratos. Outrora, era este Algarve menos concorrencial devido ao preço dos voos, embora “barato” internamente. Por outro lado, o Algarve viveu sempre de vários “totolotos” como a instabilidade político-militar no médio oriente, a guerra da antiga Jugoslávia, novamente a instabilidade e o terrorismo no médio oriente e norte de África. Isto para dizer que aqueles que associam o atual “boom” aos problemas no médio oriente estão parcialmente equivocados.
Por exemplo, pode-se explicar os aumentos de Lisboa e do Porto à conta da crise do médio oriente? Não, não e não. Estes mercados já estavam a despontar à medida que a oferta de voos crescia velozmente. Basta ver a participação das LCC (low-cost carriers) no aumento de passageiros desembarcados no Humberto Delgado e no Sá-Carneiro.
Pode-se explicar o aumento no Algarve à conta da mesma crise? Não, mas…
… os problemas da Tunísia, Egito e da Turquia (sobretudo este destino) foram apenas mais um “totoloto” que contribui para os números espetaculares do Algarve, mas não são condição para eles. A diferença é só uma: em vez de “boom” falar-se-ia de “mini-boom”. Em vez de aumentos da ordem de 8 a 10% em número de visitantes, teríamos seguramente aumentos de apenas 4 a 6%, o que já é muito bom atendendo ao facto de estarmos a crescer anteriormente. Tivemos maiores dificuldades entre 2009 e 2012 mas a partir daí deu-se uma inversão positiva, retomando-se a senda do crescimento. Repetimos: 2016 acaba por ser excecional por somar dois fatores positivos, o crescimento natural “casou-se” com fatores externos anómalos. Nesse sentido, a hotelaria regional deve fechar o ano entre 17 e 18 milhões de dormidas num total claramente superior a 4 milhões de visitantes. Isto para não falarmos dos visitantes e das dormidas que não surgem nas estatísticas oficiais pelas razões que todos conhecem – camas paralelas ou oficiais “off the record”. Em suma, os bons números serão seguramente bem melhores, batendo-se recordes históricos.


Voltando à pergunta inicial: é “boom” ou ilusão?
Nem uma coisa nem outra, cremos. Não há ilusão nenhuma, os turistas estão aí em força numa tendência de longo prazo de aumento de visitantes e dormidas, de busca por novas experiências. Também não se trata de “boom” porque isso só o seria se se tratasse de um fenómeno de exceção e não de regra. Se fosse um episódio regional ou nacional e não global como é, ao ponto de se registarem variações positivas na maioria ampla dos mercados, dos destinos (como veremos na 2ª parte), independentemente da sua vocação como destino. Como temos dito, esta tendência estava há muito prevista graças a inúmeros fatores, a destacar:

- Forte aumento do rendimento disponível global; temos hoje mais de 7 mil milhões de pessoas num planeta cada vez mais “pequeno”, sendo que hoje existem seres humanos que têm condições para viajar como nunca antes na história. Imagine-se como será, em 2050, quando atingirmos os 10 mil milhões de habitantes na Terra. Atendendo ao facto do PIB global estar em crescimento (há décadas), podemos acreditar que teremos um forte aumento global de turistas, superior em % ao aumento populacional. Existem “opinion makers” que apontam para o seguinte quadro: se o PIB global crescer 4% ao ano, os turistas podem crescer anualmente entre 5 a 8% ao ano. Voltamos a ressalvar que o crescimento não é constante, há períodos de perdas, mas este tipo de análise não se refere ao curto prazo, não estamos a falar de 3 a 5 anos apenas, mas sim de tendências de longo prazo.

-Facilidade em viajar no país e para o estrangeiro; este é um fator primordial nesta análise. Não adianta haver mais pessoas e mais dinheiro (que é apenas base de tudo isto) se não existir uma facilidade de deslocação. Eis a decisiva contribuição para o sucesso contemporâneo desta atividade económica (tal como de muitas outras também). Viajar deixou de ser luxo de certas elites ou encantamento das chamadas classes médias. Camadas socioeconómicas que nunca o poderiam fazer, tiveram acesso a viajar não só pela melhoria do rendimento disponível como também pelo embaratecimento da viagem, da deslocação propriamente dita. Começa logo pelo desenvolvimento das infraestruturas, associado ao desenvolvimento tecnológico dos meios de transporte. Em todo o lado surgiram mais e melhores rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Meios de transporte mais rápidos, eficientes e com superior tecnologia e eficiência energética. Exemplos práticos: custa tanto hoje um voo intercontinental como custava há vinte anos ou custa tanto hoje um voo intraeuropeu como custava há trinta anos. Por via da inflação, esses voos são hoje mais baratos em paridade de poder de compra. Isto foi e continua a ser primordial sobretudo se insistirmos em falar de “boom”.

-Internet; a facilidade de reservar tudo, desde voos, cruzeiros, alojamentos, restaurantes, atividades, etc… tudo online! Parece incrível como ainda hoje existem agentes económicos que não dão o devido valor a esta realidade, a qual está só a “gatinhar”. Senhoras e senhores, ainda não viram nada. O mundo está cada vez mais ligado apesar de tantos obstáculos. As “viagens já viajadas” (Google maps, street view, fotos, vídeos, opiniões) não foram, afinal, fator de inibição à descoberta de novos lugares – pelo contrário, tornaram-se um símbolo apelativo ainda mais pujante. Não nos esquecemos nunca de uma turista Moscovita no último verão que confessou ter sonhado durante anos com uma viagem para ver “in loco” o que estava nas fotos do seu “smartphone” – nada mais, nada menos do que a zona da praia da Marinha, Benagil e arredores. Agora é só multiplicar este exemplo por milhões! Além disso, a partilha de informação, a busca pelo melhor preço ou relação qualidade/preço ou pela superior qualidade estão facilitadas. Sendo assim, além da viagem clássica, planeada com antecedência, temos ainda o fator de consumo por impulso que gera viagens de última hora, escapadinhas de fim-de-semana, “city breaks”, entre outras, ampliando assim os gastos em viagens e lazer.

-Nova abordagem do conceito oferta-procura; sempre foi uma verdade universal: o aumento da procura leva ao aumento da oferta. Como exemplo: se muitos habitantes de Londres queriam tirar férias em Albufeira, a solução era aumentar o número de voos entre Londres e Faro e construir hotéis na zona em causa. Simples assim. Acontece, porém, que o turismo tem hoje fenómenos muito próprios. Nestes tempos de facilidade de comunicação verifica-se claramente que o aumento da oferta também leva ao aumento da procura. Estamos a falar de Hotelaria, não de uma fábrica de pneus. A abertura de novas rotas aéreas criou novas oportunidades regionais e ampliou outras já existentes. O aumento de oferta de camas colabora para os ditos “booms”. Assim como a oferta variada de F&B e outras experiências. Outrora, isto poderia desafiar a lógica mas nos novos tempos a realidade é outra. A razão pela qual a soma de ofertas de hotelaria e similares atrai mais procura é simples: essa oferta acrescida serve de estabilizador de preços mesmo nos períodos da chamada época alta. Sem esse acréscimo, os preços (dormida, comida, etc…) seriam proibitivos para alguns viajantes, os quais “fugiriam” seguramente para outras paragens. Este fator não é nada desprezível, cada vez é mais importante.

-Apetência civilizacional para tirar férias e viajar; nenhum dos fatores acima, isoladamente ou em conjunto seria suficiente para justificar a realidade que estamos a experimentar. Viajar é algo que começa por ser uma decisão pessoal, um sonho de consumo, enfim uma fuga à rotina, uma autocompensação para quem trabalhou todo um ano e que merece “esquecer” tudo assumindo uma experiência nova. Ou mesmo a experiência do chamado “gap year” para conhecer o mundo. Para não falar daqueles (muitos) que se tornam fiéis a um destino adorado, ao ponto de lá retornarem todos os anos ou mesmo todos os semestres. E nem vamos dar exemplos do passado longínquo, dos viajantes da antiga Grécia, ou da criação dos primeiros agentes de viagens no Reino Unido do século XIX. Falando apenas das últimas décadas, temos, então, a generalização do turismo por via de melhores condições laborais das chamadas “massas”, em contraste com aquilo que era atividade para elites. Desenvolve-se uma cultura de viagens que se enraíza não só no mundo anglo-saxónico, mas também na quase generalidade da Europa Ocidental. Curiosamente até no mundo da “cortina de ferro” existe uma cultura de férias, embora de circulação restrita dentro do país ou do dito bloco de países. Aos poucos, o Japão e Taiwan (Formosa) começam a entrar em cena, devido ao acelerado crescimento, tornando-se quase tão importantes como o turista Australiano e Neozelandês (outro exemplo das raízes anglo-saxónicas). Mais tarde, aparece em forte o Latino-Americano (embora mais elitista), o sul-Coreano, enfim, a R.P. da China. É verdade que são ainda muitos os casos em que as viagens, sobretudo internacionais, não são para todos os cidadãos do país A ou B, mas aqui o ponto é o título deste parágrafo: há uma verdadeira apetência civilizacional para tirar férias (em contraste com a ideia de trabalhar mais e mais), usando essas férias para viajar (sempre condicionadas ao nível do rendimento disponível). É algo transversal às diversas civilizações, com maior ou menor relevo.
Dito isto, não se pode negar que existem algumas delas com maior apetência para viagens e turismo. Seja como for, a globalização do comércio e dos negócios trouxe também uma ideia, uma visão global de padrões de consumo e bem-estar, sendo que os que não podem alcançar esses padrões, aspiram a chegar aos mesmos num futuro mais ou menos próximo. Nem que isso leve o tempo de uma ou mais gerações.

Por outro lado, nos mercados há muito consolidados, existe uma transversalidade geracional dessa apetência para viajar, para ser turista, para conhecer o mundo. Vamos pegar aqui no exemplo dos EUA: nem toda a gente viaja para o exterior, optando por viagens internas. Mas aqueles que já viajavam para o estrangeiro continuam a fazê-lo. As gerações dos chamados “baby boomers” (nascidos entre 1946 e 1964) fizeram parte da primeira grande vaga de turismo de massas. O bom da história é que continuam a viajar, seja para novas experiências, seja para revisitar, redescobrir locais já conhecidos. Já não têm medo de gastar em viagens pois já não creem num futuro amargo e numa velhice sem dinheiro. Por outro lado, temos a Geração X (conhecida como geração perdida) que, apesar de não ter ainda as mesmas garantias de manutenção de padrões de consumo e bem-estar, viaja e faz férias tão ou mais avidamente que a geração anterior, provavelmente por se tratar de uma geração de empreendedores confiantes de que o mundo passa por convulsões mas caminha para dias melhores. Para completar esta transversalidade geracional (sem irmos mais longe nesta fase), um destaque especial para a geração seguinte, os chamados “millennials” (conhecida por geração eu), nascidos entre o início dos anos oitenta e finais dos anos noventa. São, pois, pessoas que têm agora entre os vinte e os trinta e tal anos de idade. Se se pode falar de “boom” de turismo, podemos agradecer à soma das gerações referidas com destaque para a extraordinária apetência desta última para viajar. Vale destacar a importância desta geração para o turismo de massas: é a primeira geração de turistas globais “en masse” – antes os turistas eram fundamentalmente do mundo “rico”, enquanto a partir dos “millennials” já se pode dizer que o mundo é uma ostra. É a primeira geração “digital”, verdadeiramente urbana e com enorme consciência cívica e comunitária local e global. São narcisistas, sim, mas mais interessados no seu ciclo de afetos do que nas instituições clássicas. A carreira não é tudo para esta geração, a qual prefere também “viver” – uma prerrogativa para ser consumidor ávido de viagens e experiências. Por terem começado carreiras nos tempos recentes da “grande recessão”, aprenderam a ser mais comedidos no grau de exigência profissional sem perder o otimismo sobre o futuro. São hoje uma espécie de farol do “value for money”, conceito determinante nestes tempos de viagens a baixo custo. Mais do que voos “low-cost”, há uma cultura “low-cost” nas mais jovens gerações, a qual marca estes tempos de forte expansão do “travel market” global.


Nesta 1ª parte abordámos os “porquês” da forte expansão desta querida atividade económica. Em breve voltaremos para falar de “onde” tal se manifesta!

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Alojamento Local - negócio ou outra coisa qualquer?

O chamado “Alojamento local”, forma simplificada de descrever a oferta turística não classificada já passou por muitas alterações legislativas. O objetivo de simplificar procedimentos é nobre e é correto. De lamentar, apenas o facto de o legislador não ser rápido e eficaz. Legisla sobre realidades com anos de atraso. Afinal de contas, é ou não verdade que as leis sociológicas precedem o direito positivo?

Sabemos bem sobre o que falamos. Alojamento local nas suas diversas vertentes existe há décadas, não só, mas sobretudo no Algarve. A explosão em Lisboa e Porto, entre outras localidades é ainda uma “criança” em comparação com o Algarve. Só que essa onda vertiginosa, ao chegar às grandes cidades, torna-se tema de telejornais. A parolice à portuguesa do costume não podia deixar de atacar com força.

Este texto surge a propósito do Acórdão da Relação de Lisboa que deu razão a uma Assembleia de Condóminos que queria impedir um dos proprietários do prédio em causa de abrir o seu estabelecimento de alojamento local. Na verdade, a decisão estava tomada em outra instância, mas o proprietário avançou com uma providência cautelar para parar essa proibição, situação que foi derrubada pelo Tribunal da Relação. Atenção, que esta decisão ainda não transitou em julgado. Vale a pena recordar que o Tribunal da Relação do Porto havia decidido em contrário num caso semelhante. Começamos a desconfiar que este assunto pode avançar de modo a ir parar ao Supremo. Seria até bom, do ponto de vista da Jurisprudência, que tal sucedesse, embora releve, mais uma vez, como o legislador é fraco. Vejamos porquê.

O Decreto-Lei 128/2014 (alterado ligeiramente pelo 63/2015) atualizou a legislação anterior, sobretudo com o intuito de agilizar processos de licenciamento, incorporando na Lei novas realidades e formas de alojamento com destaque para os Hostels. Por isso é que neste espaço nos rimos da celeridade de suas Exas. Situações que foram contempladas na legislação já eram realidade há mais de dez anos. Hostels já existiam no Algarve “de facto” cerca de dez anos antes da nova Lei. Até em Lisboa existiam, embora ainda numa fase embrionária. Seja como for, a legislação saiu e não é negativa, antes pelo contrário, começa a alinhar o “de jure” com o “de facto”, o que é sempre de aplaudir. E se houver correções a fazer, serão feitas sem prejuízo do espírito da Lei. Isso é o que importa.

Mas o legislador não se revela fraco somente pelos atrasos que vimos acima. Na anterior legislação da AL, unidades de alojamento a turistas, quando instaladas, por exemplo, num apartamento em propriedade horizontal (um prédio), poderiam ser legalizadas desde que a Assembleia de Condóminos o permitisse. Inclusive, um dos documentos a apresentar na Câmara Municipal era a Ata da Assembleia do Condomínio onde isso fosse decidido e, recorde-se, por unanimidade. A questão é óbvia: sendo o prédio habitacional, nenhuma fração pode ser transformada em atividade comercial sem o consentimento dos restantes proprietários. É o que está no Código Civil e é nisso que se baseia a Relação de Lisboa no seu Acórdão. É por isso que o legislador é fraco. Deixou cair uma prerrogativa correta da anterior legislação. Correta porque não entrava em rota de colisão com o Código Civil. Se o Decreto 128/2014 tivesse deixado cair essa exigência ao mesmo tempo que a Assembleia da República alterasse esse artigo do Código Civil, estaria tudo certo. Não o fazendo, abriu um “buraco” legal que será agora resolvido na Justiça de uma maneira ou de outra, a não ser que o atual Governo faça rapidamente uma revisão da Lei do AL, para corrigir essa falta.

Os críticos desta decisão da Relação de Lisboa afirmam que não deveria ser evocado o dito artigo do Código Civil, porque, segundo alguns, o aluguer a turistas não é comércio, é somente turismo numa habitação que nunca deixou de ter fins habitacionais.
Nada mais falso. Neste blog somos amplamente favoráveis a todas as formas de alojamento, desde o parque de campismo até ao Resort super luxuoso. Sem dúvida. Mas todos devem cumprir a legislação. É falso comparar alhos com bugalhos. Sempre foi legítimo e não carece de autorização dos vizinhos arrendamento de uma entidade privada a outra entidade privada sem fins comerciais, como é o caso do tradicional arrendamento urbano para habitação permanente. A velha relação do sr. João, senhorio do sr. José, inquilino. Ou alugar um quarto a estudantes durante um ano letivo.
Isso não pode ser comparado ao aluguer de pernoitas a turistas. Essa é, sim, uma atividade comercial. Voltamos a nos basear na Lei: todo o aluguer de quartos ou outro tipo de unidade de alojamento por período inferior a 30 dias é considerado aluguer turístico e isso é uma atividade comercial, sujeita a licenciamento próprio, sujeita a impostos como o IVA (embora haja regime de isenção para pequeno volume de negócio como em qualquer outra atividade) ou o IRS/IRC conforme se trate de pessoa singular ou empresa. A própria Lei do AL fala em estabelecimentos de Alojamento local. É uma atividade comercial, ponto final. O TRL decidiu bem.

As pessoas singulares não podem invocar a comparação do aluguer a turistas com o arrendamento urbano. O Estado já fez a distinção. Ou não? Vejam bem a declaração anual de IRS. Vejam lá se o anexo para rendimentos da atividade de exploração de estabelecimento de aluguer a turistas não é o B? O mesmo de outras atividades comerciais ou de serviços. É, não é? Acontece que o outro tipo de receita aqui descrita, o de arrendamento habitacional de pessoa singular para pessoa singular não vai para o mesmo anexo. Porque será? Porque essa, caros amigos, não é considerada atividade comercial e por isso também não necessita de autorização da Assembleia de Condóminos. Simples e fácil de entender.

Querer enquadrar qualquer atividade de exploração turística num “limbo” não passa de uma tentativa “chico-esperta” de fintar a Lei e as obrigações. No fundo, todos temos o Airbnb dentro de nós. Essa plataforma foi pensada origalmente para uma “partilha social”, mas já começou como atividade comercial. Quem reserva por ela tem de pagar o alojamento, não é grátis. Então, já temos atividade comercial com tudo o que isso implica.

Tudo bem, abra a sua casa a turistas sem cobrar: nesse caso, não há dinheiro envolvido, não há comércio, não há turismo, são todos amigos, não precisa de pedir nada aos vizinhos, é só paz e amor.
Ah, mas assim não ganho a vida – pois é, bom mesmo seria ganhar a vida, meter o dinheiro ao bolso e não ter responsabilidades, impostos, seguros, contribuições, taxas. Quem de nós não gostaria que assim fosse? Mas como não é, todos têm de respeitar os direitos e os deveres inerentes a qualquer atividade.


Sabemos que muitos ficarão amuados com este “post”. Temos pena. O nosso objetivo aqui não é angariar “claques” que nos batam palmas. Nem seguir rebanhos ou matilhas. Este blog não lança confusão. Este blog está muito à frente. Este blog presta esclarecimentos, dá informações importantes sobre turismo. Este blog tira dúvidas, não cria dúvidas.

domingo, 4 de dezembro de 2016

Algarve - melhor destino de praia da Europa

A 23ª edição do World Travel Awards decorreu nas fabulosas Maldivas e com muita felicidade para Portugal, que arrecada mais 4 prémios mundiais entre outros prémios setoriais.

A Madeira venceu de novo na categoria de melhor destino insular, mas o nosso destaque vai para mais uma vitória do Vila Vita Parc como melhor Resort de luxo com respeito ambiental e do Conrad Algarve, pela 5ª vez consecutiva como melhor Resort luxuoso de lazer. Esta unidade é também o melhor “Luxury Resort & Spa” da Europa.
Antes de avançar, destaque para a Etihad como líder das companhias aéreas e da TUI como melhor operador turístico.

Mas, se falarmos em termos europeus, os prémios são muitos, o que mostra que estamos todos de parabéns nestes autênticos Óscares do Turismo Internacional. Desde logo parabéns ao Turismo de Portugal que é considerado, pelo 3º ano consecutivo, o melhor “Tourist board”.

Destacamos: Algarve – melhor destino europeu de praia. Finalmente o prémio que tanto almejávamos. Um troféu que nos deixa cheios de orgulho da nossa terra, da nossa orla costeira e de todas as belezas naturais. Parabéns a todos nós. Detalhe importante: as Maldivas ganham o prémio mundial, mas o que importa é que o Algarve (como um todo) era o único destino europeu entre os nomeados para esta categoria. Isto significa que a vitória continental estava assegurada e que estamos no “top 10” mundial da categoria. Muito bom.

Há mais: o Vila Joya ganha o troféu de melhor Boutique Hotel da Europa. O Vila Vita ganha (de novo) na categoria de melhor “Hotel Villas” através da sua marca Private Villas at Vila Vita Parc.
O Epic Sana Algarve é agora o melhor do velho continente na categoria “Meetings, Incentives, Conferences and Exhibitions Hotel”, destronando aquele que já se acostumara a vencer, ou seja, o Radisson Royal de Moscovo.
Parabéns ainda ao Monte Santo Resort que vence na categoria de melhor “Romantic Resort” da Europa, a exemplo do que já havia ocorrido no ano passado.

Há mais prémios portugueses na Europa e no mundo, bem como outros prémios algarvios na secção “Portugal”. É só ver tudo aqui e ter paciência para explorar a galeria de prémios. Vale a pena: https://www.worldtravelawards.com/winners/2016/world

Novamente os parabéns aos vencedores. Esperamos por ainda mais prémios nas próximas edições. Os profissionais envolvidos bem o merecem.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Novas da Aviação

Ora viva. Tínhamos prometido aos amigos do nosso blogue informações quentes sobre a aviação alemã (e europeia em geral) para meados de Novembro. Demorou um pouco mais, mas valeu a pena esperar. Antes, porém, uma nota importante.

Enquanto a Ryanair não nos brinda com passagens aéreas grátis (daqui a uns anos sim, mas alguém acredita em almoços grátis?), algo que nos faz rir, temos uma preocupante e prolongada greve dos pilotos da Lufthansa, que nos faz chorar. Só não é mais grave porque já começou o inverno IATA e o turismo das nossas zonas principais já não é tão afetado. A empresa “filha” Eurowings já tinha passado por uma onda grevista, agora é a empresa “mãe”. Os pilotos pararam até sábado, deram uma trégua ontem e hoje, sendo que está prevista a retoma da greve amanhã para alguns voos e depois de amanhã para todos, incluindo os de longo curso. Até ao momento mais de dois mil e setecentos voos foram cancelados afetando mais de 300.000 passageiros – isto são números provisórios. Os pilotos querem até 22% de aumentos salariais, alegando que a empresa tem apresentado lucros nos últimos anos ao mesmo tempo que a massa salarial real não sobe desde 2012. Dizemos nós: mais um exemplo do que pode suceder, em termos de recursos humanos, em toda e qualquer área ligada ao turismo.
Já agora, recorde-se que quem for passageiro afetado tem direitos consagrados: remarcação da viagem na mesma ou noutra companhia aérea, pernoita ou “transfer” a ser providenciado pela companhia, ou em caso de atraso superior a 3 horas um “voucher” para alimentação de no mínimo 10 euros por pessoa e, entre outras situações, o direito a telefonar 2 vezes, ou mandar 2 faxes ou 2 e-mails para a família ou amigos. Em caso de caos num Aeroporto não é fácil fazer exercer estes direitos, razão pela qual muitos passageiros preferem cancelar a viagem perante um anúncio de greve. Um assunto que merece permanente atenção.

Muito bem: aquele capítulo relativo à Air Berlim (recorde-se o que escrevemos antes neste espaço) parece finalmente pronto a ser encerrado. Confirma-se a previsão feita por fontes bem colocadas a que este blogue teve acesso. Previa-se algum tipo de negócio que envolvesse a Etihad, lembre-se, a companhia de bandeira do Abu Dhabi. Confirmou-se agora essa situação.
Vai-se manter a divisão da frota original da AB. A Eurowings (grupo Lufthansa) fica com as aeronaves previstas, tornando-se a 3ª maior “low cost” europeia. O resto dá azo a uma “joint-venture” muito importante entre o que resta da AB, através da subsidiária Niki, a Tuifly e a própria Etihad, criando-se assim uma nova realidade na aviação orientada para as viagens de férias. Tudo isto foi aprovado pela Administração do Tui Group em Hannover. A sede desta nova realidade empresarial será em Viena, a rede vai incluir partidas de e para o triângulo Alemanha, Suíça e Áustria. Apesar de deter apenas 25% desta “joint-venture”, a Etihad será líder operacional da mesma.
Assim, um capítulo triste parece ter sido resolvido com vantagens mútuas. Para os destinos de sol e praia, esta parece ser uma novidade muito positiva já para os próximos tempos. Acreditamos que podemos crescer nos importantes mercados desse triângulo. Vale a pena recordar que, no Algarve, perdemos turistas da Suíça e da Áustria por falta de voos a preços competitivos. Nem todos querem passar por várias escalas ou viagens de comboio com o objetivo de ir de férias. As pessoas, hoje, querem soluções rápidas, eficazes e baratas para viajar, para obter alojamento, etc…

Por outro lado, a Etihad, que detém 49% da Alitalia, fartou-se dos prejuízos desta companhia clássica de bandeira. Vai impor uma reestruturação da empresa, corte nas rotas deficitárias e despedimento de mais de dois mil trabalhadores. Em 2014 – quando se deu o investimento inicial – havia a promessa de tornar a companhia lucrativa a partir de 2017. Não está a resultar. A Alitalia já foi a desgraça da aviação europeia, nos tempos em que perdia meio milhão de euros por dia. Não há Estado ou privado que aguente tais contas. A ver vamos se a TAP não segue este exemplo. Há indicações de que vamos evitar esse tipo de humilhação. A ver vamos.

Boas notícias para nós que queremos mais e melhor turismo vêm da Easyjet. Deve fechar o ano com mais de 500 milhões em lucros e vai reforçar as suas operações. Uma novidade interessante para o Algarve e para o Porto (principalmente) é o reforço das operações em França, com mais bases e mais aeronaves. Recorde-se que durante muito tempo quase não havia “low-cost” a partir de França (exceto Paris) para o Algarve. Várias companhias voam agora para Faro, sendo que a Easyjet teve um papel muito importante para ampliar o mercado francês. Acreditamos que isso é mais um sinal positivo para os próximos tempos. Na verdade, uma certeza positiva.
Também aguardamos novidades da Transavia, participada da Air France-KLM, que deverá reagir a estas movimentações em breve. Mais uma companhia que voa para Faro. Irá reforçar?


Para terminar: enquanto tudo isto se passa não podemos deixar de refletir sobre o aumento de voos e passageiros para o nosso país, ainda que se mantenha a sazonalidade do passado, cujos efeitos são atenuados pelo aumento de turistas nos meses mais apetecíveis. Isso implica um aumento da capacidade aeroportuária. Porto e Faro aguentam ainda aumentos significativos de movimentos, Lisboa nem por isso. Quando a capacidade se esgotar, vai aparecer o tal “mais um”. Segundo um especialista nos confidenciou, isso está na calha, mas há gente desconfiada: a nível operacional, Portela + Montijo coloca grandes dificuldades, incluindo a coordenação do espaço aéreo na zona de ambos os Aeroportos.

Sejamos otimistas se possivel for!

sábado, 5 de novembro de 2016

Parabéns Penina – 50 anos de vida e de vidas

Hoje escrevemos para assinalar meio século de história do Hotel Penina.
A história já foi contada, não vale a pena entrar por aí. Um Hotel que surgiu porque alguns visionários acreditaram no futuro, lá nos anos sessenta. Ainda mais quando estavam na calha outros investimentos congéneres. E o Aeroporto de Faro já era uma realidade. Aliás, só por aí se vê o que um novo Aeroporto pode fazer. O Penina veio para ficar. Por lá passou McCartney. Escreveu-se história com os controversos acordos de Alvor. Passaram 50 anos e muitas remodelações e inovações. O Turismo muda, as unidades hoteleiras adaptam-se. Os costumes mudam, os Hotéis também.

Agora, o futuro está em marcha debaixo da excelente gestão do grupo JJW Hotels & Resorts, que também é a entidade proprietária não só do Penina mas de outras unidades, como o caso do Dona Filipa no Vale do Lobo. Aproveitamos para exortar o sr. Al Jaber, grande homem de negócios neste sector para continuar a investir neste Algarve cheio de sol. Todo e qualquer grupo de forte expressão faz muita falta à Hotelaria Algarvia.
Muito bem. Passaram 50 anos. Que venham mais 50 anos de sucesso. Um grande abraço.


P.S. – A aviação comercial alemã continua com notícias quentes, algumas fumegantes. A meio de greves e reestruturações no setor, surgiu uma bomba. A Ryanair conseguiu entrar no maior aeroporto da europa continental, em Frankfurt-Main. A Frapor aceitou as condições da famosa “low-cost” Irlandesa, o que deixou a Lufthansa furiosa. Uma reação infantil surgiu num tweet da Lufthansa: “caros amigos da Ryanair, bem vindos ao gigantesco aeroporto de Frankfurt. Quando estiverem perdidos no meio do Aeroporto, deem um toque”. A Ryanair respondeu logo com forte ironia na mesma rede social: “parece-nos que vocês estão a precisar de férias. Venham voar connosco a partir de €9,99 - só ida”.
Faz lembrar as “bocas” entre a Ryanair e a Tap. Claro que isto é muito bom para a “low cost”. Voar de Frankfurt é muito melhor do que de Hahn, pequena vila, que fica a cerca de 120 quilómetros da grande cidade. Não é de admirar a “fúria” da Lufthansa.

O melhor desta história: a partir de Março de 2017 haverá então uma nova linha de Frankfurt para Faro, pois essa era a intenção da Ryanair, ou seja, reforçar os voos para o sul da Península Ibérica. Mais um passo positivo, mais uma razão para acreditar que 2017 pode ser mais um ano de recordes no turismo ou, pelo menos, tão bom como o ano corrente. Aguardamos mais novidades da aviação (muitas) ao longo deste mês.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

3,52% ao ano - ou o outro lado da "gentrification"

Antes de entrarmos no assunto de hoje, uma nota prévia para agradecer o carinho com que este novo espaço foi recebido, com várias mensagens privadas de apoio à sua continuação. Um abraço a toda a gente. Sobre o assunto em causa no tópico anterior, uma nota para referir a greve que afetou neste fim de semana a Germanwings / Eurowings e, por conseguinte, muitos turistas, embora seja feita fora da temporada alta. Não há acordo, outras greves serão convocadas. Continua a agitação do transporte aéreo do maior ponto de origem do grande turismo. Novidades virão em Novembro… vamos acompanhando.

Uma outra nota para a eleição para Presidente da Câmara de S. Paulo (Prefeito), logo à 1ª volta de João Doria, Jr., um bom amigo, também um amigo de Portugal, empresário de sucesso e homem do turismo e da comunicação social. Ganhou, como diriam os norte-americanos, com um “landslide”, ou seja, sem margem para discussão. São Paulo vai voltar a ser uma “cidade do mundo”. Ele foi, nos anos oitenta, Secretário Municipal de Turismo dessa impressionante cidade, tendo sido também presidente da Paulistur, empresa municipal do setor. A seguir, durante 2 anos, foi o presidente da Embratur, Instituto Brasileiro de Turismo, sendo responsável por inúmeras campanhas, inclusive para a recuperação da imagem do Rio de Janeiro perante o turista internacional. Desejamos o maior sucesso para o João Doria.


Vamos lá então ao que temos para hoje: não passam 15 dias sem que venha à baila neste Portugal dos pequeninos o assunto do momento: o excesso de turistas em Lisboa e, em menor escala, no Porto. Associado a esse pretenso excesso, o caos nos lugares públicos, restaurantes, monumentos, etc..etc….
Como é que é? Agora temos turistas a mais, é isso? Ainda há pouco, lembro-me de palavras e frases como “crise”, “os turistas gastam pouco, é só miséria”, “não há turismo de qualidade”, “eles não gastam nada”, só para citar algumas.

Bem, vamos lá analisar a questão, por outros pontos de vista.
Primeiro, choveram críticas à “gentrification” de Lisboa. Então vamos lá ver o que é isso, exatamente. Historicamente, e num sentido mais restrito do termo, a gentrificação refere-se a um processo no qual os centros urbanos conhecem um aumento populacional, o qual acaba por se instalar em bairros e zonas mais baratas, sendo que esse aumento da procura leva a um aumento do valor das propriedades, o que leva a que muitos do populares moradores dessas zonas, por não terem rendimentos compatíveis com o aumento do custo de vida nas mesmas, acabam por abandoná-las. Trata-se de um processo de substituição social, ou mesmo socioeconómico. Antigos residentes podem ser vítimas do processo, mas, geralmente, do ponto de vista urbano, os locais em causa, conheceram desenvolvimento imobiliário, nasceram novos negócios, têm mais “vida” e até menores taxas de crime. A palavra terá origem na socióloga britânica Ruth Glass, ao observar as transformações na Londres dos anos sessenta do século passado. Desse ponto de vista, até Lisboa, nessa época, foi testemunha de um fenómeno semelhante, embora ainda numa escala muito pequena. Os críticos deste fenómeno falam muitas vezes da descaracterização humana, económica, ambiental e cultural a que se assiste nos locais “gentrificados”. Por sua vez, estes críticos têm sido eles próprios criticados pelo facto de falarem mal só por fazerem parte do processo, como “vítimas” condenadas ao sub-urbanismo.
Hoje, já muitos falam deste conceito numa perspetiva mais ampla, mais geral. Neste caso, diz-se, os locais “gentrificados” podem ser vítimas do próprio sucesso. Se é verdade que os bairros podem beneficiar a vários níveis, como vimos, também há o risco de perda da tipicidade própria do local, o risco de caos ambiental (excesso de ruído, de trânsito), o risco de “overshooting” de certos negócios, o risco de higienização social, pois só os mais pujantes, economicamente falando, poderiam beneficiar do local e dos seus emergentes negócios, relegando todos os outros para a margem.

E quando se fala deste conceito a propósito do “boom” do turismo (vamos ter em breve um tópico só sobre esse “boom”, vai ser polémico), ouvimos as coisas mais absurdas e ao mesmo tempo ouvimos outras simplesmente brilhantes. Mas ouvimos e lemos também aquilo que não cabe numa discussão séria sobre o fenómeno e que é especialidade portuguesa: queixas e queixinhas de diversa índole, mostrando o quanto conseguimos ser tão pouco consensuais quando se trata de assuntos que afetam e vão afetar ainda mais a sociedade. E é disso que falava no início: não passam umas semanas sem que se ouça ou se leia “surriadas” de queixas e queixinhas nesse grande muro de lamentações que é a Net, a exemplo do que se passa nos “media” tradicionais.
Para nós, o interessante é que esse debate não se deu a propósito das migrações internas ou imigrações várias, mas sim a propósito do espantoso aumento do turismo e do turismo residencial. Mais interessante é que esse debate só ocorre por se tratar de Lisboa (e agora do Porto), quando este fenómeno, visto desse mesmo ponto de vista já ocorria no litoral algarvio e, diga-se, há muitos anos. Só que, tratando-se do Algarve, ninguém falou em “gentrification”, ao contrário, falava-se de “colonização inglesa” ou “isto é só bifes”. Ou “isto é um paraíso para camones”, etc…etc… e tal.

Muito bem, um dos textos mais interessantes sobre esse assunto bem caro aos lisboetas, surgiu em Junho no blog “Buala”, assinado por Ana Bigotte Vieira, Catarina Botelho, Joana Braga, António Brito Guterres, Leonor Duarte, Luísa Gago e Luís Mendes, artigo que convido a ler aqui:http://www.buala.org/pt/cidade/quem-vai-poder-morar-em-lisboa
Apesar de muito interessante, tem demasiadas das ditas “queixinhas”, lamentando-se a falta de políticas públicas e sugerindo até uma solução a la Barcelona, isto é, parar para pensar, suspender licenças, revogar legislação com o objetivo de “regular” algumas atividades que fervilham devido ao aumento significativo da atividade turística. O diagnóstico destes cidadãos mostra o lamento de um fenómeno de “gentrification” clássico. Devo dizer que a explosão do turismo apenas acelerou o processo que seria inevitável, embora mais lento. Não vale a pena entrar em queixas e lamentações. Com ou sem “boom” de turismo, podem crer, o fenómeno ocorreria, mas de uma forma tão mais lenta (ordenada?), que nem daria azo a grandes debates. A procura e os preços seriam sempre mais elevados ao longo do tempo e tornar-se-iam incomportáveis para os moradores “clássicos” dos mesmos bairros. Porquê?
Porque estamos num mercado global. Estamos, até ver, no espaço Schengen com enorme circulação de pessoas e capitais. Por um princípio de “arbitragem” de mercado, porque se o cidadão observa que Lisboa é mais barato do que Madrid ou Roma, vem para Lisboa, sendo a procura elevada até que os preços fiquem a níveis semelhantes. Isto vale para a compra de imóvel como vale para um quarto de Hotel. Os agentes económicos (nós todos) vivem em função da procura e da oferta. Estes fenómenos não podem ser apontados, na base, ao turismo e aos turistas. Devemos, sim, apontar o dedo à falta de políticas sérias de urbanismo e habitação. Ou não?
Como foi possível manter por meio século o “salazarengo” congelamento das rendas, uma das maiores distorções do mercado de que há memória neste país, que nem no PREC se viu?
E quando se fez a Expo-98 alguém se lembrou do problema da habitação no concelho? As novas habitações, na época, eram a pensar no turismo? A especulação imobiliária da época era a pensar nos turistas? Alguém protegeu a necessidade de habitação para os cidadãos que vivem e/ou trabalham na capital?
E a propósito do paralelo com outras cidades… que paralelo é esse? Cada cidade tem raízes muito próprias, não é uma grande ideia fazer certas comparações, porque as realidades históricas, sociais, culturais, económicas têm origens muito diferentes entre si.
Este artigo centra-se muito na “limitação” que poderia ser feita. Regular, regular, legislar, impedir. Isso não é correto. Porque é que um pai com um filho desempregado não pode abrir um alojamento local para que o filho possa trabalhar por conta própria? Pior ainda: se o vizinho de cima já fez isso, porque é que o vizinho de baixo não poderia fazer também? Em nome de que regulação? Nem sei se isso não seria um atentado à Constituição! Em nome de que moral ou ética se poderia assistir a estas diferenças? Faz sentido o vizinho de cima viver com dignidade enquanto o vizinho de baixo fica condenado a “estágios” do Centro de emprego? Sendo humilhado na sua vida? É isso que resolve algum problema? Outra coisa completamente diferente é a redução dos horários de estabelecimentos noturnos, como sucedeu no Bairro Alto. Isso salvaguarda um direito humano. Curiosamente, ao longo de anos, certos locais da cidade eram alvos de abuso. Antes ainda de chegar o turismo de massas. Pois é…

Aliás, tenham cuidado com aquilo que desejam, pois o universo pode se conjugar para a sua realização. Esta é a propósito do dito aumento bombástico do turismo. E se a tendência se invertesse, nem que fosse por uns dois ou três anos? Voltaríamos a falar de crise?

E se, ao contrário, o turismo continuar na senda atual? Vamos colocar restrições de vária índole? Então não se recordam das famosas “restrições quantitativas” nas Baleares. Era gente a mais nas ilhas, dizia-se. Resultado: o turismo alemão caiu a pique e os responsáveis regionais do turismo acabaram de joelhos na Alemanha a pedir aos operadores que voltassem em força. Enfim, histórias antigas mas sempre atuais. Hoje, já foi feito um debate, onde se chegou a um número de referência inicial sobre a capacidade de carga nessas ilhas do Mediterrâneo. Mais vale projetar o futuro tarde do que nunca.
Por isso gostamos da abordagem do texto do prof. João Seixas da Nova de Lisboa. Embora nem todas as suas dez teses sobre o centro histórico de Lisboa mereçam a nossa absoluta concordância, longe disso, penso que deve ser visto:  https://www.publico.pt/local/noticia/dez-teses-sobre-o-centro-historico-de-lisboa-1740575
Pelo menos, é uma tentativa estruturada de abordar o assunto e, cremos, um ponto de partida para um debate mais amplo. Debate, aliás, que terá de ser feito urgentemente, mas sem “parti pris” e envolvendo à partida todos os interessados no assunto, sem perdas de tempo com lamentações sobre o que não se fez no passado e quem são os culpados das omissões. Em vez disso, deverá ser feito um ponto de situação sério com projeções para o futuro. Neste texto do Público, já há uma consciência clara do que é hoje uma cidade e o desenvolvimento urbano. Do facto de que os turistas não se importam de estar rodeados de outros turistas. E do facto de turismo, hoje, ser sinónimo de experiências. O que o autor chama de “consumo emocional”, chamamos nós em Hotelaria de “experiências”. Mas o resultado final é o mesmo. Apesar de vivermos no mundo das tais “viagens já viajadas” (obrigado, profª Catarina Varão, lá atrás na formação da Ualg em 2010), as pessoas querem ver, ouvir, cheirar, saborear, sentir o mundo. A isso se chama “viver”, que ainda é a maior “rede social” que conhecemos.
Finalmente, o texto volta a alertar para fenómenos a que já nos referimos, de uma forma ou de outra, caracterizadores de “gentrification”, já identificados e bem conhecidos. Há ainda uma tentativa de lançar raízes para um debate, o qual, repito, já peca por ser tardio. Cabe acrescentar que a lógica lusitana de debater os assuntos não é compatível com um mundo moderno e rápida transformação. Urge rapidez e assertividade.
Queremos dizer com isto que há a mania de discutir, discutir os temas, promover reflexões intermináveis onde pouco de útil se consegue extrair e quando finalmente se consegue desenvolver um consenso para pôr em prática a resolução de um assunto, já é tarde de mais: os pressupostos que levaram à reflexão, ao debate, quiçá ao “happy ending” de certa questão, transformam-se, modificam-se ao ponto de tornar obsoleta a resolução consensual (ou não) do problema. Na história de Portugal não faltam exemplos. Na praxis política contemporânea sobejam exemplos. Culpados? Nós, a sociedade que somos. Não existem “outros” culpados.
Por isso é que é necessário estar à frente e começar onde os outros param.

Desde logo uma questão: se os turistas já são muitos hoje e as consequências estão à vista, o que acontecerá quando o número for o dobro do atual?
Sim, basta um crescimento anual do número de turistas na ordem de 3,52% nos próximos vinte anos para se atingir o dobro dos atuais.
Repetimos: basta um crescimento anual do número de turistas na ordem de 3,52% nos próximos vinte anos para se atingir o dobro dos atuais. E a verdade é que isso é teoricamente possível.
Claro que o crescimento nunca é constante. Ainda somos do tempo do famoso Congresso da WTTC em Vilamoura lá nos idos de 1997 (ou 1998?) em que se preconizavam crescimentos anuais de movimento de turistas da ordem dos 10 a 15% ao ano. Na pior hipótese, dizia-se, mais de 5% ao ano. Claro que eram tempos de euforia. As economias desenvolvidas estavam em forte crescimento. Era o paradigma da Nova Economia, a euforia do pós-guerra fria, a revolução das comunicações e da Internet. A erupção dos voos baratos, o desenvolvimento das sociedades emergentes. Tudo se discutia ao mesmo tempo. Os “gurus” acreditavam mesmo no fim da história e num crescimento sem limites. Com isso, o turismo global seria dos principais beneficiários. Seguramente iria explodir em alta.
Claro que a história não segue uma linha reta. Nos últimos vinte anos vimos os eventos mais inesperados, assistimos a uma brutal crise financeira (grande recessão) e a outras recessões (duas a três conforme o local) que a todos afetaram. Vimos guerras regionais e crises locais. Assistimos ao nascimento de novos problemas. Acontece que nos vinte anos anteriores mais ou menos o mesmo já havia ocorrido. Alguém tem dúvidas que nos próximos vinte anos vamos assistir a crises e recessões? A novas guerras e revoluções? Nós não temos.

Mas, tal como os eventos negativos não impediram o desenvolvimento e o crescimento global do turismo (não é um ou dois anos de crise que mudam o cenário) em nenhum momento, continuamos a acreditar que a humanidade vai prevalecer. Vai ser ainda mais forte e mais desenvolvida. A população mundial continuará a crescer em número e em rendimento disponível. Hoje, há mais milhões e milhões de seres humanos que viajam, em comparação com esses tempos. Salvo algum apocalipse planetário, temos todas as razões para acreditar que daqui a vinte anos teremos muitos outros milhões a viajar. Teremos novas e melhores formas de comunicação. Maior eficiência energética nos meios de transporte. Mais e melhor acesso a todos os lugares. É verdade que nem todos os seres humanos beneficiam do progresso, o que é lamentável. Mas também é verdade que aumenta o número dos que veem a qualidade de vida melhorar. E o turismo é parte integrante dessa história.
Portanto, como é que se faz? Que reação perante a possibilidade do dobro dos turistas em Lisboa, no Porto, em todo o lado? Ainda por cima num curto espaço de tempo!! Vinte, trinta anos. É muito tempo, mas também pode ser pouco perante a inércia e a incapacidade de reação, de adaptação a essa realidade.
E então? E se crescer mesmo 3,52% ao ano? Que fazer perante as consequências práticas?
E não vale a pena sermos nostálgicos do tempo em que não havia filas nos pastéis de Belém. Esses tempos ficam só na memória de quem os viveu. Lisboa não pode debater estes temas no pressuposto da “legislação”, da “restrição”. Na prática, isso não dá em nada. Barcelona não parou de crescer no turismo, Lisboa não vai parar também. E ainda por cima, hoje já não é aquela cidade florida e tranquila dos tempos da publicidade da gloriosa TWA. Hoje é uma capital do espaço europeu, enfim, uma cidade do mundo. Vamos ter nos próximos dias um exemplo “que vem do futuro”. Milhares de participantes na Web Summit. Isto é só um exemplo do que pode ser a capital. Preparem-se para o que der e vier.

Por outro lado valerá a pena ser nostálgico? Isto a propósito da perda daquilo que era típico, tradicional: é claro que todos têm saudades dos tempos em que o peixe fresco sabia a peixe fresco. Do galo caseiro e dos torresmos da “morte do porco”. De tantas coisas. Mas será que existe mesmo algo típico?
Continuando no exemplo da gastronomia: muitos pratos típicos levam batatas, quando há centenas de anos seriam confecionados com castanhas. Hoje, um berbigão ou uma conquilha são quase luxo, outrora seriam “restos” para dar aos indigentes e aos escravos. E não é só por cá. Querem comida típica Italiana em locais turísticos de Itália? Não há assim tanto. É mais fácil ir a um Restaurante Italiano nas Américas, explorado por uma família imigrada no século XIX.
Na verdade, teremos mais do mesmo no futuro. O conceito de típico, de tradicional, mudará com o tempo, consoante os moradores das localidades. Isso também é parte da “gentrification”. Mas também da globalização. Em Hotelaria, preferimos chamar a isso “fusão”.
Depois há a cultura de descriminação: quer dizer, se uma cidade estiver inundada de Restaurantes de conhecidas cadeias norte-americanas, tudo bem, mas se estiver inundada de “pizzerias” e “kebabs”, tudo mal?
Se um inglês abre um bar com pequeno-almoço da sua terra, tudo bem, se um alemão abre uma padaria à moda da sua aldeia com pão escuro, tudo bem, mas se um Cambodjano abrir uma casa com “comida estranha”, tudo mal?
Não se pode combater o futuro. O típico somos nós que o fazemos, tem a ver com adaptação e evolução. O tradicional de hoje será outra coisa amanhã.
O turista sabe isso muito bem. Quando viaja, ele não somente sabe que vai encontrar outros turistas, como também sabe que vai encontrar diversidades. E isso faz parte da cultura das experiências.

Outra questão: e se daqui a vinte anos Lisboa atingir mesmo o dobro dos turistas? Como vai ser a questão do Aeroporto? Como sempre, a solução é a manta de retalhos: Portela +1.
Chegaram à conclusão, mão não o admitem, que o novo e grandioso Aeroporto de Lisboa deveria ser o que estava projetado antes. Esse, sim, era um projeto a pensar no longo prazo. Tecnicamente excelente, segundo os especialistas. Esse é que deveria ter sido o verdadeiro Aeroporto Humberto Delgado. Não avançando a obra, temos de ficar pela mediocridade do Portela+1. Adiar o inevitável por mais alguns anos. Com um Aeroporto de enormes dimensões, poderíamos ambicionar a crescer mais, não só na Grande Lisboa, mas noutras regiões adjacentes. Um eixo Europa-África-América. Mais aviões de linha e “low-cost”. Mais transporte de carga. Acesso aos “super-jumbos”.
Quem sabe se a questão do transporte aéreo não se vai tornar ainda um problema que impeça o crescimento numérico dos turistas em Lisboa e na maior parte do país? Talvez ainda Beja venha a ser útil. Muitas questões a debater, mas sempre com uma nova mentalidade sob pena de continuarmos no futuro a triste história do passado.

Terminando: não há que ter medo da afluência do turismo, nas suas vertentes. Só dá medo se não souberem dar as mãos para resolverem os problemas atuais e futuros. Se não souberem deixar para trás condicionalismos mentais e preconceitos ideológicos. Nunca é tarde para mudar. Sobretudo quem tem tanto para fazer.

De resto, senhoras e senhores, parece-nos que em matéria de Turismo ainda não viram nada…

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

A doença da Air Berlin e a "revolta da Bounty" na TUIfly

Já com algum atraso, do qual pedimos desculpa, publicamos agora o tópico inaugural que esperamos ser do maior interesse, porque trata de um assunto que por estes dias “incomodou” Hoteleiros em toda a Europa, especialmente no segmento “sol e praia”.

Não estava previsto ser este o primeiro tema de análise, mas os acontecimentos precipitaram-se. E quando se trata de transporte aéreo de turistas que visitam os nossos principais destinos e cuja permanência média tende a ser elevada, o tema é do maior interesse e atualidade. Pelo menos, estamos em crer que assim é. Estas notícias são a base de uma reflexão mais ampla, como adiante veremos.

Vamos por partes para termos uma visão global: desde logo, na semana anterior, chegava a uma conclusão óbvia uma novela triste da aviação alemã e europeia. A Air Berlin, companhia aérea problemática (prejuízos operacionais em 9 dos últimos 10 anos), anunciava uma reestruturação para resolver de vez os seus graves problemas. Uma empresa que cresceu, engordou, absorveu concorrência, mas que nunca soube lidar com as mudanças no setor. Uma empresa que, investiu, adquiriu concorrentes para ocupar espaço vital da concorrência (recorde-se a aquisição da maioria de capital da austríaca Air Nikki), apostou em mais destinos, inclusive intercontinentais e em diversas bases.

Nada deu certo. A segunda maior companhia germânica acumulava prejuízos. Não derrubou a liderança da Lufthansa, nem entendeu o novo paradigma das “low-costs” que invadiram o mercado. Sim, não é só a TUI e a Condor ou a incontornável Ryanair. Ainda há AirBaltic, Austrian-Airlines, Blue1, BMI Baby, Lot, Dauair, Helvetic, Intersky, SkyEurope, SmartWings, Transavia, VLM, Brussels Airlines and Wizz Air, entre várias outras. A Air Berlin ampliava bases, estava em todo o lado, não só em Berlin e Düsseldorf. Tentava controlar Palma de Maiorca e outros pontos importantes. Mas no fundo não era por aí. Não conseguia vender passagens a preços de concorrência, foi perdendo terreno sem reagir a sério. Ponto final.
Só desde 2006 (ano de entrada em Bolsa) perde um total acumulado de mil e duzentos milhões de euros. Nem a entrada da Ethiad (companhia de bandeira do Abu Dhabi) no capital da empresa (29% do total) ajudou: a parceria estratégica não mudou o estado das coisas. Um dia será feita a história deste fracasso, não nos cabe fazê-la em cima do acontecimento. Mas não podemos negar que a falta de adaptação aos novos tempos foi gritante. Veja-se como a Lufthansa há muito já havia mudado o seu paradigma com a introdução da marca Germanwings e, agora, com outra abrangência, Eurowings, modelo que até a nossa Tapzinha parece querer adotar.

Agora explodiu a bomba: a empresa vai “emagrecer” e para apenas metade do que era. Dos 144 aviões passa para 75 aeronaves. Vai concentrar operações em Berlim e Düsseldorf e focar-se nos segmentos de passageiros “premium”. Até 1.200 dos 8.600 postos de trabalho serão eliminados. Até o lugar do CEO, Stefan Pichler está em perigo. Demorou a apresentar um plano de saneamento que agradasse à “sócia” Ethiad. Quarenta aeronaves vão para a Lutfhansa (para a Eurowings, na realidade). Um esquema de arrendamento das mesmas está em estudo, ou mesmo a venda. Sendo assim, a Eurowings passa a ser a terceira maior “low-cost” da Europa. À atenção do mercado algarvio: isto é excelente se aumentar a oferta de voos sem acréscimo de custos, o que dependerá da restante concorrência.
Além disso, outras 14 aeronaves e ainda as da subsidiária Niki passam a ser operadas pela TUIfly, sabendo-se que quase todas as rotas com origem noutras cidades que não as duas mencionadas acima passam a ser parte da oferta das citadas companhias. A ideia é voltar aos lucros em 2018. O futuro dirá se é esta a solução definitiva. Também não são claros alguns aspetos burocráticos do negócio com a Eurowings e a TUIfly. Para já, as reservas confirmadas serão asseguradas, pelas aeronaves e respetivas tripulações.

Ora, esta série de eventos rápidos não passou despercebida aos funcionários da TUIfly. Tendo em memória a famosa deslocalização de serviços, como por exemplo, grande parte da manutenção efetuada na base central de Hannover passou a ser feita em Bucareste, com perda de postos de trabalho na Alemanha, o “staff” da TUIfly teme que estas mudanças no panorama da aviação comercial “espirrem” para cima dos próprios. Fala-se até que a TUIfly poderá, devido às mudanças na Air Berlin, ter em vista negócios com a Ethiad. A juntar a isto, já há algum tempo que estavam latentes reivindicações salariais no seio das tripulações da companhia, também maiores bónus de desempenho, mais compensações por horas extras, etc…
Na impossibilidade de uma greve rápida como protesto (faz falta um pré-aviso), a fórmula encontrada foi algo já testado em muitos lugares: uma estranha e coletiva série de baixas médicas, sobretudo no pessoal de cabine e pilotos, situação que levou ao cancelamento de quase todos os voos logo na última sexta-feira. No sábado não foi muito diferente. Centenas de voos cancelados logo no início das miniférias de Outono no importante estado da Renânia-Vestefália. Podemos adiantar que no Algarve, várias unidades Hoteleiras foram afetadas com evidente incómodo. Isto é válido para unidades debaixo de exploração pela TUI alemã ou que têm com a mesma importantes contratos de “allotment”. Neste domingo estavam quase todos “curados” das ditas doenças e os voos já estavam a ser retomados e a situação a começar a ser normalizada. Incrivelmente, a imagem da TUIfly acabaria por ser gravemente afetada, não tanto pela situação, semelhante a qualquer greve do setor, mas pela precipitada reação de um responsável da empresa, o qual declarou a intenção de não compensar os passageiros pelo transtorno, palavras que levaram a um quase tumulto no setor, já que isso seria uma grave violação da legislação em vigor em toda a EU.
Seja como for, mais um conflito interno de uma empresa a se desenrolar às custas do sofrimento do turista. Os sindicatos rejeitam a ideia de um protesto silencioso. A Administração fala em greve selvagem. Sabe-se que a falta de informação da companhia sobre a criação de última hora de voos especiais (já com aviões da Air Berlim) direcionados às férias de Outono terão sido a gota de água que fez transbordar o copo. Nem sequer havia ou há certezas de que Hannover continuará a ser o centro operacional da TUIfly. Mais novidades são esperadas, mas apenas para meados de novembro.

Na verdade trata-se de uma pequena revolta da Bounty dos tempos modernos. Na impossibilidade de empurrar o capitão pela borda fora, as tripulações usaram a única hipótese legal de protesto rápido. E não é difícil justificar uma baixa médica (física e/ou psicológica) no âmbito dessa stressante profissão. Esta fórmula não é inédita. O que muitos não sabem é que, mesmo em unidades hoteleiras, tal já foi feito, individualmente ou em grupo.

A lição ou lições a tirar desta situação: desde logo a falta de transparência no seio destas empresas. Companhias que estejam de alguma forma ligadas ao setor turístico não devem, de modo nenhum, deixar de comunicar melhor as transformações, seja aos funcionários, seja aos clientes. Há uma grande relação de proximidade comercial e até de algum “afeto” pessoal por parte dos passageiros da companhia A ou B ou dos hóspedes do hotel A ou B. Se há setor onde se pode falar em fidelização é neste. As pessoas sentem (por vezes de forma abusiva) que o avião, o quarto, o veículo, o restaurante lhes pertencem. Isso ocorre também pela afinidade que os funcionários das empresas ajudam a criar graças à simpatia e ao nom serviço. Cria-se uma situação de empatia.
Por outro lado há essa situação de revolta surda: em meio de um “boom” na atividade turística (vem aí em breve um tópico sobre esse assunto), as empresas não tiveram visão para antecipar o mesmo. Com isto, criou-se uma enorme pressão sobre o pessoal da aviação sem as devidas compensações, sendo elas ou a melhoria salarial ou bónus especial. Nem tão pouco se ampliou o quadro do pessoal, a não ser por quadros sazonais sem a formação apropriadas para adaptação às empresas. Se isso é válido em momentos de crise e foi inevitável na sequência das crises pós-2008, não faz o menor sentido quando a situação inverte. E desde 2012 existiam sinais claros de uma melhoria da situação. Isto aplica-se também aos transportes terrestres, mas também à Hotelaria clássica e à Restauração. De repente, a maioria dos empresários viu-se sem pessoal de cozinha, de limpeza, entre outros, à altura da nova realidade.
Para piorar este cenário, muitos profissionais haviam “migrado” em busca de trabalho, mas mais importante ainda, bons profissionais com provas dadas saíram das empresas, não por falta de trabalho, mas por melhores condições em geral. Foi assim na aviação e em todos os setores. É o mercado a funcionar. O mesmo mercado que fez contrair, piorar as condições em tempos de crise, funciona também ao contrário. A procura aumentou verdadeiramente com todas as consequências que daí advêm.

Esta situação é transversal a quase toda a Hotelaria Europeia, similares e serviços conexos. Que isto sirva de reflexão. Só se poderá oferecer um bom serviço, sustentar ótima relação qualidade/preço e ser concorrencial, se existirem condições plenas para isso. E quem quiser consolidar a sua imagem de marca, de modo a poder navegar e sobreviver em tempos menos bonançosos, já sabe o que tem a fazer: qualidade, modernização, ponta tecnológica, sustentabilidade, responsabilidade social.

Cada um tire as suas próprias conclusões.