segunda-feira, 31 de outubro de 2016

3,52% ao ano - ou o outro lado da "gentrification"

Antes de entrarmos no assunto de hoje, uma nota prévia para agradecer o carinho com que este novo espaço foi recebido, com várias mensagens privadas de apoio à sua continuação. Um abraço a toda a gente. Sobre o assunto em causa no tópico anterior, uma nota para referir a greve que afetou neste fim de semana a Germanwings / Eurowings e, por conseguinte, muitos turistas, embora seja feita fora da temporada alta. Não há acordo, outras greves serão convocadas. Continua a agitação do transporte aéreo do maior ponto de origem do grande turismo. Novidades virão em Novembro… vamos acompanhando.

Uma outra nota para a eleição para Presidente da Câmara de S. Paulo (Prefeito), logo à 1ª volta de João Doria, Jr., um bom amigo, também um amigo de Portugal, empresário de sucesso e homem do turismo e da comunicação social. Ganhou, como diriam os norte-americanos, com um “landslide”, ou seja, sem margem para discussão. São Paulo vai voltar a ser uma “cidade do mundo”. Ele foi, nos anos oitenta, Secretário Municipal de Turismo dessa impressionante cidade, tendo sido também presidente da Paulistur, empresa municipal do setor. A seguir, durante 2 anos, foi o presidente da Embratur, Instituto Brasileiro de Turismo, sendo responsável por inúmeras campanhas, inclusive para a recuperação da imagem do Rio de Janeiro perante o turista internacional. Desejamos o maior sucesso para o João Doria.


Vamos lá então ao que temos para hoje: não passam 15 dias sem que venha à baila neste Portugal dos pequeninos o assunto do momento: o excesso de turistas em Lisboa e, em menor escala, no Porto. Associado a esse pretenso excesso, o caos nos lugares públicos, restaurantes, monumentos, etc..etc….
Como é que é? Agora temos turistas a mais, é isso? Ainda há pouco, lembro-me de palavras e frases como “crise”, “os turistas gastam pouco, é só miséria”, “não há turismo de qualidade”, “eles não gastam nada”, só para citar algumas.

Bem, vamos lá analisar a questão, por outros pontos de vista.
Primeiro, choveram críticas à “gentrification” de Lisboa. Então vamos lá ver o que é isso, exatamente. Historicamente, e num sentido mais restrito do termo, a gentrificação refere-se a um processo no qual os centros urbanos conhecem um aumento populacional, o qual acaba por se instalar em bairros e zonas mais baratas, sendo que esse aumento da procura leva a um aumento do valor das propriedades, o que leva a que muitos do populares moradores dessas zonas, por não terem rendimentos compatíveis com o aumento do custo de vida nas mesmas, acabam por abandoná-las. Trata-se de um processo de substituição social, ou mesmo socioeconómico. Antigos residentes podem ser vítimas do processo, mas, geralmente, do ponto de vista urbano, os locais em causa, conheceram desenvolvimento imobiliário, nasceram novos negócios, têm mais “vida” e até menores taxas de crime. A palavra terá origem na socióloga britânica Ruth Glass, ao observar as transformações na Londres dos anos sessenta do século passado. Desse ponto de vista, até Lisboa, nessa época, foi testemunha de um fenómeno semelhante, embora ainda numa escala muito pequena. Os críticos deste fenómeno falam muitas vezes da descaracterização humana, económica, ambiental e cultural a que se assiste nos locais “gentrificados”. Por sua vez, estes críticos têm sido eles próprios criticados pelo facto de falarem mal só por fazerem parte do processo, como “vítimas” condenadas ao sub-urbanismo.
Hoje, já muitos falam deste conceito numa perspetiva mais ampla, mais geral. Neste caso, diz-se, os locais “gentrificados” podem ser vítimas do próprio sucesso. Se é verdade que os bairros podem beneficiar a vários níveis, como vimos, também há o risco de perda da tipicidade própria do local, o risco de caos ambiental (excesso de ruído, de trânsito), o risco de “overshooting” de certos negócios, o risco de higienização social, pois só os mais pujantes, economicamente falando, poderiam beneficiar do local e dos seus emergentes negócios, relegando todos os outros para a margem.

E quando se fala deste conceito a propósito do “boom” do turismo (vamos ter em breve um tópico só sobre esse “boom”, vai ser polémico), ouvimos as coisas mais absurdas e ao mesmo tempo ouvimos outras simplesmente brilhantes. Mas ouvimos e lemos também aquilo que não cabe numa discussão séria sobre o fenómeno e que é especialidade portuguesa: queixas e queixinhas de diversa índole, mostrando o quanto conseguimos ser tão pouco consensuais quando se trata de assuntos que afetam e vão afetar ainda mais a sociedade. E é disso que falava no início: não passam umas semanas sem que se ouça ou se leia “surriadas” de queixas e queixinhas nesse grande muro de lamentações que é a Net, a exemplo do que se passa nos “media” tradicionais.
Para nós, o interessante é que esse debate não se deu a propósito das migrações internas ou imigrações várias, mas sim a propósito do espantoso aumento do turismo e do turismo residencial. Mais interessante é que esse debate só ocorre por se tratar de Lisboa (e agora do Porto), quando este fenómeno, visto desse mesmo ponto de vista já ocorria no litoral algarvio e, diga-se, há muitos anos. Só que, tratando-se do Algarve, ninguém falou em “gentrification”, ao contrário, falava-se de “colonização inglesa” ou “isto é só bifes”. Ou “isto é um paraíso para camones”, etc…etc… e tal.

Muito bem, um dos textos mais interessantes sobre esse assunto bem caro aos lisboetas, surgiu em Junho no blog “Buala”, assinado por Ana Bigotte Vieira, Catarina Botelho, Joana Braga, António Brito Guterres, Leonor Duarte, Luísa Gago e Luís Mendes, artigo que convido a ler aqui:http://www.buala.org/pt/cidade/quem-vai-poder-morar-em-lisboa
Apesar de muito interessante, tem demasiadas das ditas “queixinhas”, lamentando-se a falta de políticas públicas e sugerindo até uma solução a la Barcelona, isto é, parar para pensar, suspender licenças, revogar legislação com o objetivo de “regular” algumas atividades que fervilham devido ao aumento significativo da atividade turística. O diagnóstico destes cidadãos mostra o lamento de um fenómeno de “gentrification” clássico. Devo dizer que a explosão do turismo apenas acelerou o processo que seria inevitável, embora mais lento. Não vale a pena entrar em queixas e lamentações. Com ou sem “boom” de turismo, podem crer, o fenómeno ocorreria, mas de uma forma tão mais lenta (ordenada?), que nem daria azo a grandes debates. A procura e os preços seriam sempre mais elevados ao longo do tempo e tornar-se-iam incomportáveis para os moradores “clássicos” dos mesmos bairros. Porquê?
Porque estamos num mercado global. Estamos, até ver, no espaço Schengen com enorme circulação de pessoas e capitais. Por um princípio de “arbitragem” de mercado, porque se o cidadão observa que Lisboa é mais barato do que Madrid ou Roma, vem para Lisboa, sendo a procura elevada até que os preços fiquem a níveis semelhantes. Isto vale para a compra de imóvel como vale para um quarto de Hotel. Os agentes económicos (nós todos) vivem em função da procura e da oferta. Estes fenómenos não podem ser apontados, na base, ao turismo e aos turistas. Devemos, sim, apontar o dedo à falta de políticas sérias de urbanismo e habitação. Ou não?
Como foi possível manter por meio século o “salazarengo” congelamento das rendas, uma das maiores distorções do mercado de que há memória neste país, que nem no PREC se viu?
E quando se fez a Expo-98 alguém se lembrou do problema da habitação no concelho? As novas habitações, na época, eram a pensar no turismo? A especulação imobiliária da época era a pensar nos turistas? Alguém protegeu a necessidade de habitação para os cidadãos que vivem e/ou trabalham na capital?
E a propósito do paralelo com outras cidades… que paralelo é esse? Cada cidade tem raízes muito próprias, não é uma grande ideia fazer certas comparações, porque as realidades históricas, sociais, culturais, económicas têm origens muito diferentes entre si.
Este artigo centra-se muito na “limitação” que poderia ser feita. Regular, regular, legislar, impedir. Isso não é correto. Porque é que um pai com um filho desempregado não pode abrir um alojamento local para que o filho possa trabalhar por conta própria? Pior ainda: se o vizinho de cima já fez isso, porque é que o vizinho de baixo não poderia fazer também? Em nome de que regulação? Nem sei se isso não seria um atentado à Constituição! Em nome de que moral ou ética se poderia assistir a estas diferenças? Faz sentido o vizinho de cima viver com dignidade enquanto o vizinho de baixo fica condenado a “estágios” do Centro de emprego? Sendo humilhado na sua vida? É isso que resolve algum problema? Outra coisa completamente diferente é a redução dos horários de estabelecimentos noturnos, como sucedeu no Bairro Alto. Isso salvaguarda um direito humano. Curiosamente, ao longo de anos, certos locais da cidade eram alvos de abuso. Antes ainda de chegar o turismo de massas. Pois é…

Aliás, tenham cuidado com aquilo que desejam, pois o universo pode se conjugar para a sua realização. Esta é a propósito do dito aumento bombástico do turismo. E se a tendência se invertesse, nem que fosse por uns dois ou três anos? Voltaríamos a falar de crise?

E se, ao contrário, o turismo continuar na senda atual? Vamos colocar restrições de vária índole? Então não se recordam das famosas “restrições quantitativas” nas Baleares. Era gente a mais nas ilhas, dizia-se. Resultado: o turismo alemão caiu a pique e os responsáveis regionais do turismo acabaram de joelhos na Alemanha a pedir aos operadores que voltassem em força. Enfim, histórias antigas mas sempre atuais. Hoje, já foi feito um debate, onde se chegou a um número de referência inicial sobre a capacidade de carga nessas ilhas do Mediterrâneo. Mais vale projetar o futuro tarde do que nunca.
Por isso gostamos da abordagem do texto do prof. João Seixas da Nova de Lisboa. Embora nem todas as suas dez teses sobre o centro histórico de Lisboa mereçam a nossa absoluta concordância, longe disso, penso que deve ser visto:  https://www.publico.pt/local/noticia/dez-teses-sobre-o-centro-historico-de-lisboa-1740575
Pelo menos, é uma tentativa estruturada de abordar o assunto e, cremos, um ponto de partida para um debate mais amplo. Debate, aliás, que terá de ser feito urgentemente, mas sem “parti pris” e envolvendo à partida todos os interessados no assunto, sem perdas de tempo com lamentações sobre o que não se fez no passado e quem são os culpados das omissões. Em vez disso, deverá ser feito um ponto de situação sério com projeções para o futuro. Neste texto do Público, já há uma consciência clara do que é hoje uma cidade e o desenvolvimento urbano. Do facto de que os turistas não se importam de estar rodeados de outros turistas. E do facto de turismo, hoje, ser sinónimo de experiências. O que o autor chama de “consumo emocional”, chamamos nós em Hotelaria de “experiências”. Mas o resultado final é o mesmo. Apesar de vivermos no mundo das tais “viagens já viajadas” (obrigado, profª Catarina Varão, lá atrás na formação da Ualg em 2010), as pessoas querem ver, ouvir, cheirar, saborear, sentir o mundo. A isso se chama “viver”, que ainda é a maior “rede social” que conhecemos.
Finalmente, o texto volta a alertar para fenómenos a que já nos referimos, de uma forma ou de outra, caracterizadores de “gentrification”, já identificados e bem conhecidos. Há ainda uma tentativa de lançar raízes para um debate, o qual, repito, já peca por ser tardio. Cabe acrescentar que a lógica lusitana de debater os assuntos não é compatível com um mundo moderno e rápida transformação. Urge rapidez e assertividade.
Queremos dizer com isto que há a mania de discutir, discutir os temas, promover reflexões intermináveis onde pouco de útil se consegue extrair e quando finalmente se consegue desenvolver um consenso para pôr em prática a resolução de um assunto, já é tarde de mais: os pressupostos que levaram à reflexão, ao debate, quiçá ao “happy ending” de certa questão, transformam-se, modificam-se ao ponto de tornar obsoleta a resolução consensual (ou não) do problema. Na história de Portugal não faltam exemplos. Na praxis política contemporânea sobejam exemplos. Culpados? Nós, a sociedade que somos. Não existem “outros” culpados.
Por isso é que é necessário estar à frente e começar onde os outros param.

Desde logo uma questão: se os turistas já são muitos hoje e as consequências estão à vista, o que acontecerá quando o número for o dobro do atual?
Sim, basta um crescimento anual do número de turistas na ordem de 3,52% nos próximos vinte anos para se atingir o dobro dos atuais.
Repetimos: basta um crescimento anual do número de turistas na ordem de 3,52% nos próximos vinte anos para se atingir o dobro dos atuais. E a verdade é que isso é teoricamente possível.
Claro que o crescimento nunca é constante. Ainda somos do tempo do famoso Congresso da WTTC em Vilamoura lá nos idos de 1997 (ou 1998?) em que se preconizavam crescimentos anuais de movimento de turistas da ordem dos 10 a 15% ao ano. Na pior hipótese, dizia-se, mais de 5% ao ano. Claro que eram tempos de euforia. As economias desenvolvidas estavam em forte crescimento. Era o paradigma da Nova Economia, a euforia do pós-guerra fria, a revolução das comunicações e da Internet. A erupção dos voos baratos, o desenvolvimento das sociedades emergentes. Tudo se discutia ao mesmo tempo. Os “gurus” acreditavam mesmo no fim da história e num crescimento sem limites. Com isso, o turismo global seria dos principais beneficiários. Seguramente iria explodir em alta.
Claro que a história não segue uma linha reta. Nos últimos vinte anos vimos os eventos mais inesperados, assistimos a uma brutal crise financeira (grande recessão) e a outras recessões (duas a três conforme o local) que a todos afetaram. Vimos guerras regionais e crises locais. Assistimos ao nascimento de novos problemas. Acontece que nos vinte anos anteriores mais ou menos o mesmo já havia ocorrido. Alguém tem dúvidas que nos próximos vinte anos vamos assistir a crises e recessões? A novas guerras e revoluções? Nós não temos.

Mas, tal como os eventos negativos não impediram o desenvolvimento e o crescimento global do turismo (não é um ou dois anos de crise que mudam o cenário) em nenhum momento, continuamos a acreditar que a humanidade vai prevalecer. Vai ser ainda mais forte e mais desenvolvida. A população mundial continuará a crescer em número e em rendimento disponível. Hoje, há mais milhões e milhões de seres humanos que viajam, em comparação com esses tempos. Salvo algum apocalipse planetário, temos todas as razões para acreditar que daqui a vinte anos teremos muitos outros milhões a viajar. Teremos novas e melhores formas de comunicação. Maior eficiência energética nos meios de transporte. Mais e melhor acesso a todos os lugares. É verdade que nem todos os seres humanos beneficiam do progresso, o que é lamentável. Mas também é verdade que aumenta o número dos que veem a qualidade de vida melhorar. E o turismo é parte integrante dessa história.
Portanto, como é que se faz? Que reação perante a possibilidade do dobro dos turistas em Lisboa, no Porto, em todo o lado? Ainda por cima num curto espaço de tempo!! Vinte, trinta anos. É muito tempo, mas também pode ser pouco perante a inércia e a incapacidade de reação, de adaptação a essa realidade.
E então? E se crescer mesmo 3,52% ao ano? Que fazer perante as consequências práticas?
E não vale a pena sermos nostálgicos do tempo em que não havia filas nos pastéis de Belém. Esses tempos ficam só na memória de quem os viveu. Lisboa não pode debater estes temas no pressuposto da “legislação”, da “restrição”. Na prática, isso não dá em nada. Barcelona não parou de crescer no turismo, Lisboa não vai parar também. E ainda por cima, hoje já não é aquela cidade florida e tranquila dos tempos da publicidade da gloriosa TWA. Hoje é uma capital do espaço europeu, enfim, uma cidade do mundo. Vamos ter nos próximos dias um exemplo “que vem do futuro”. Milhares de participantes na Web Summit. Isto é só um exemplo do que pode ser a capital. Preparem-se para o que der e vier.

Por outro lado valerá a pena ser nostálgico? Isto a propósito da perda daquilo que era típico, tradicional: é claro que todos têm saudades dos tempos em que o peixe fresco sabia a peixe fresco. Do galo caseiro e dos torresmos da “morte do porco”. De tantas coisas. Mas será que existe mesmo algo típico?
Continuando no exemplo da gastronomia: muitos pratos típicos levam batatas, quando há centenas de anos seriam confecionados com castanhas. Hoje, um berbigão ou uma conquilha são quase luxo, outrora seriam “restos” para dar aos indigentes e aos escravos. E não é só por cá. Querem comida típica Italiana em locais turísticos de Itália? Não há assim tanto. É mais fácil ir a um Restaurante Italiano nas Américas, explorado por uma família imigrada no século XIX.
Na verdade, teremos mais do mesmo no futuro. O conceito de típico, de tradicional, mudará com o tempo, consoante os moradores das localidades. Isso também é parte da “gentrification”. Mas também da globalização. Em Hotelaria, preferimos chamar a isso “fusão”.
Depois há a cultura de descriminação: quer dizer, se uma cidade estiver inundada de Restaurantes de conhecidas cadeias norte-americanas, tudo bem, mas se estiver inundada de “pizzerias” e “kebabs”, tudo mal?
Se um inglês abre um bar com pequeno-almoço da sua terra, tudo bem, se um alemão abre uma padaria à moda da sua aldeia com pão escuro, tudo bem, mas se um Cambodjano abrir uma casa com “comida estranha”, tudo mal?
Não se pode combater o futuro. O típico somos nós que o fazemos, tem a ver com adaptação e evolução. O tradicional de hoje será outra coisa amanhã.
O turista sabe isso muito bem. Quando viaja, ele não somente sabe que vai encontrar outros turistas, como também sabe que vai encontrar diversidades. E isso faz parte da cultura das experiências.

Outra questão: e se daqui a vinte anos Lisboa atingir mesmo o dobro dos turistas? Como vai ser a questão do Aeroporto? Como sempre, a solução é a manta de retalhos: Portela +1.
Chegaram à conclusão, mão não o admitem, que o novo e grandioso Aeroporto de Lisboa deveria ser o que estava projetado antes. Esse, sim, era um projeto a pensar no longo prazo. Tecnicamente excelente, segundo os especialistas. Esse é que deveria ter sido o verdadeiro Aeroporto Humberto Delgado. Não avançando a obra, temos de ficar pela mediocridade do Portela+1. Adiar o inevitável por mais alguns anos. Com um Aeroporto de enormes dimensões, poderíamos ambicionar a crescer mais, não só na Grande Lisboa, mas noutras regiões adjacentes. Um eixo Europa-África-América. Mais aviões de linha e “low-cost”. Mais transporte de carga. Acesso aos “super-jumbos”.
Quem sabe se a questão do transporte aéreo não se vai tornar ainda um problema que impeça o crescimento numérico dos turistas em Lisboa e na maior parte do país? Talvez ainda Beja venha a ser útil. Muitas questões a debater, mas sempre com uma nova mentalidade sob pena de continuarmos no futuro a triste história do passado.

Terminando: não há que ter medo da afluência do turismo, nas suas vertentes. Só dá medo se não souberem dar as mãos para resolverem os problemas atuais e futuros. Se não souberem deixar para trás condicionalismos mentais e preconceitos ideológicos. Nunca é tarde para mudar. Sobretudo quem tem tanto para fazer.

De resto, senhoras e senhores, parece-nos que em matéria de Turismo ainda não viram nada…

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

A doença da Air Berlin e a "revolta da Bounty" na TUIfly

Já com algum atraso, do qual pedimos desculpa, publicamos agora o tópico inaugural que esperamos ser do maior interesse, porque trata de um assunto que por estes dias “incomodou” Hoteleiros em toda a Europa, especialmente no segmento “sol e praia”.

Não estava previsto ser este o primeiro tema de análise, mas os acontecimentos precipitaram-se. E quando se trata de transporte aéreo de turistas que visitam os nossos principais destinos e cuja permanência média tende a ser elevada, o tema é do maior interesse e atualidade. Pelo menos, estamos em crer que assim é. Estas notícias são a base de uma reflexão mais ampla, como adiante veremos.

Vamos por partes para termos uma visão global: desde logo, na semana anterior, chegava a uma conclusão óbvia uma novela triste da aviação alemã e europeia. A Air Berlin, companhia aérea problemática (prejuízos operacionais em 9 dos últimos 10 anos), anunciava uma reestruturação para resolver de vez os seus graves problemas. Uma empresa que cresceu, engordou, absorveu concorrência, mas que nunca soube lidar com as mudanças no setor. Uma empresa que, investiu, adquiriu concorrentes para ocupar espaço vital da concorrência (recorde-se a aquisição da maioria de capital da austríaca Air Nikki), apostou em mais destinos, inclusive intercontinentais e em diversas bases.

Nada deu certo. A segunda maior companhia germânica acumulava prejuízos. Não derrubou a liderança da Lufthansa, nem entendeu o novo paradigma das “low-costs” que invadiram o mercado. Sim, não é só a TUI e a Condor ou a incontornável Ryanair. Ainda há AirBaltic, Austrian-Airlines, Blue1, BMI Baby, Lot, Dauair, Helvetic, Intersky, SkyEurope, SmartWings, Transavia, VLM, Brussels Airlines and Wizz Air, entre várias outras. A Air Berlin ampliava bases, estava em todo o lado, não só em Berlin e Düsseldorf. Tentava controlar Palma de Maiorca e outros pontos importantes. Mas no fundo não era por aí. Não conseguia vender passagens a preços de concorrência, foi perdendo terreno sem reagir a sério. Ponto final.
Só desde 2006 (ano de entrada em Bolsa) perde um total acumulado de mil e duzentos milhões de euros. Nem a entrada da Ethiad (companhia de bandeira do Abu Dhabi) no capital da empresa (29% do total) ajudou: a parceria estratégica não mudou o estado das coisas. Um dia será feita a história deste fracasso, não nos cabe fazê-la em cima do acontecimento. Mas não podemos negar que a falta de adaptação aos novos tempos foi gritante. Veja-se como a Lufthansa há muito já havia mudado o seu paradigma com a introdução da marca Germanwings e, agora, com outra abrangência, Eurowings, modelo que até a nossa Tapzinha parece querer adotar.

Agora explodiu a bomba: a empresa vai “emagrecer” e para apenas metade do que era. Dos 144 aviões passa para 75 aeronaves. Vai concentrar operações em Berlim e Düsseldorf e focar-se nos segmentos de passageiros “premium”. Até 1.200 dos 8.600 postos de trabalho serão eliminados. Até o lugar do CEO, Stefan Pichler está em perigo. Demorou a apresentar um plano de saneamento que agradasse à “sócia” Ethiad. Quarenta aeronaves vão para a Lutfhansa (para a Eurowings, na realidade). Um esquema de arrendamento das mesmas está em estudo, ou mesmo a venda. Sendo assim, a Eurowings passa a ser a terceira maior “low-cost” da Europa. À atenção do mercado algarvio: isto é excelente se aumentar a oferta de voos sem acréscimo de custos, o que dependerá da restante concorrência.
Além disso, outras 14 aeronaves e ainda as da subsidiária Niki passam a ser operadas pela TUIfly, sabendo-se que quase todas as rotas com origem noutras cidades que não as duas mencionadas acima passam a ser parte da oferta das citadas companhias. A ideia é voltar aos lucros em 2018. O futuro dirá se é esta a solução definitiva. Também não são claros alguns aspetos burocráticos do negócio com a Eurowings e a TUIfly. Para já, as reservas confirmadas serão asseguradas, pelas aeronaves e respetivas tripulações.

Ora, esta série de eventos rápidos não passou despercebida aos funcionários da TUIfly. Tendo em memória a famosa deslocalização de serviços, como por exemplo, grande parte da manutenção efetuada na base central de Hannover passou a ser feita em Bucareste, com perda de postos de trabalho na Alemanha, o “staff” da TUIfly teme que estas mudanças no panorama da aviação comercial “espirrem” para cima dos próprios. Fala-se até que a TUIfly poderá, devido às mudanças na Air Berlin, ter em vista negócios com a Ethiad. A juntar a isto, já há algum tempo que estavam latentes reivindicações salariais no seio das tripulações da companhia, também maiores bónus de desempenho, mais compensações por horas extras, etc…
Na impossibilidade de uma greve rápida como protesto (faz falta um pré-aviso), a fórmula encontrada foi algo já testado em muitos lugares: uma estranha e coletiva série de baixas médicas, sobretudo no pessoal de cabine e pilotos, situação que levou ao cancelamento de quase todos os voos logo na última sexta-feira. No sábado não foi muito diferente. Centenas de voos cancelados logo no início das miniférias de Outono no importante estado da Renânia-Vestefália. Podemos adiantar que no Algarve, várias unidades Hoteleiras foram afetadas com evidente incómodo. Isto é válido para unidades debaixo de exploração pela TUI alemã ou que têm com a mesma importantes contratos de “allotment”. Neste domingo estavam quase todos “curados” das ditas doenças e os voos já estavam a ser retomados e a situação a começar a ser normalizada. Incrivelmente, a imagem da TUIfly acabaria por ser gravemente afetada, não tanto pela situação, semelhante a qualquer greve do setor, mas pela precipitada reação de um responsável da empresa, o qual declarou a intenção de não compensar os passageiros pelo transtorno, palavras que levaram a um quase tumulto no setor, já que isso seria uma grave violação da legislação em vigor em toda a EU.
Seja como for, mais um conflito interno de uma empresa a se desenrolar às custas do sofrimento do turista. Os sindicatos rejeitam a ideia de um protesto silencioso. A Administração fala em greve selvagem. Sabe-se que a falta de informação da companhia sobre a criação de última hora de voos especiais (já com aviões da Air Berlim) direcionados às férias de Outono terão sido a gota de água que fez transbordar o copo. Nem sequer havia ou há certezas de que Hannover continuará a ser o centro operacional da TUIfly. Mais novidades são esperadas, mas apenas para meados de novembro.

Na verdade trata-se de uma pequena revolta da Bounty dos tempos modernos. Na impossibilidade de empurrar o capitão pela borda fora, as tripulações usaram a única hipótese legal de protesto rápido. E não é difícil justificar uma baixa médica (física e/ou psicológica) no âmbito dessa stressante profissão. Esta fórmula não é inédita. O que muitos não sabem é que, mesmo em unidades hoteleiras, tal já foi feito, individualmente ou em grupo.

A lição ou lições a tirar desta situação: desde logo a falta de transparência no seio destas empresas. Companhias que estejam de alguma forma ligadas ao setor turístico não devem, de modo nenhum, deixar de comunicar melhor as transformações, seja aos funcionários, seja aos clientes. Há uma grande relação de proximidade comercial e até de algum “afeto” pessoal por parte dos passageiros da companhia A ou B ou dos hóspedes do hotel A ou B. Se há setor onde se pode falar em fidelização é neste. As pessoas sentem (por vezes de forma abusiva) que o avião, o quarto, o veículo, o restaurante lhes pertencem. Isso ocorre também pela afinidade que os funcionários das empresas ajudam a criar graças à simpatia e ao nom serviço. Cria-se uma situação de empatia.
Por outro lado há essa situação de revolta surda: em meio de um “boom” na atividade turística (vem aí em breve um tópico sobre esse assunto), as empresas não tiveram visão para antecipar o mesmo. Com isto, criou-se uma enorme pressão sobre o pessoal da aviação sem as devidas compensações, sendo elas ou a melhoria salarial ou bónus especial. Nem tão pouco se ampliou o quadro do pessoal, a não ser por quadros sazonais sem a formação apropriadas para adaptação às empresas. Se isso é válido em momentos de crise e foi inevitável na sequência das crises pós-2008, não faz o menor sentido quando a situação inverte. E desde 2012 existiam sinais claros de uma melhoria da situação. Isto aplica-se também aos transportes terrestres, mas também à Hotelaria clássica e à Restauração. De repente, a maioria dos empresários viu-se sem pessoal de cozinha, de limpeza, entre outros, à altura da nova realidade.
Para piorar este cenário, muitos profissionais haviam “migrado” em busca de trabalho, mas mais importante ainda, bons profissionais com provas dadas saíram das empresas, não por falta de trabalho, mas por melhores condições em geral. Foi assim na aviação e em todos os setores. É o mercado a funcionar. O mesmo mercado que fez contrair, piorar as condições em tempos de crise, funciona também ao contrário. A procura aumentou verdadeiramente com todas as consequências que daí advêm.

Esta situação é transversal a quase toda a Hotelaria Europeia, similares e serviços conexos. Que isto sirva de reflexão. Só se poderá oferecer um bom serviço, sustentar ótima relação qualidade/preço e ser concorrencial, se existirem condições plenas para isso. E quem quiser consolidar a sua imagem de marca, de modo a poder navegar e sobreviver em tempos menos bonançosos, já sabe o que tem a fazer: qualidade, modernização, ponta tecnológica, sustentabilidade, responsabilidade social.

Cada um tire as suas próprias conclusões.