quinta-feira, 27 de abril de 2017

Crescer em segurança

Agora que o primeiro quadrimestre do ano está a chegar ao fim, começa a ficar claro que o ano turístico nacional poderá ser de crescimento maior do que o previsto. Não há dúvida que a grande “explosão de 2016” ocorreu com maior força a partir do 2º trimestre do ano, sendo que o crescimento se estendeu até ao último trimestre. O 1º trimestre de 2017 denota a continuação da tendência do ano anterior. Tudo leva a crer que haverá crescimento neste segundo trimestre, mesmo em comparação com o período homólogo do ano passado. A grande incógnita será o 3º trimestre (o tal que inclui o mês de Agosto) em comparação também com o período homólogo anterior. Não porque se registe qualquer quebra de reservas, antes pelo contrário, mas sobretudo porque poderão ser postas à prova realidades como o “pricing power” (aumento dos preços e gasto médio geral por turista), a capacidade de carga (como as cidades vão se adaptar ao aumento de unidades de alojamento, de similares de hotelaria, de serviços conexos e… de pessoas) ou mesmo a capacidade dos aeroportos nacionais em gerir o aumento dos voos e de passageiros em épocas de “peak season”. Sendo o terceiro trimestre (sempre com a sombra do mês de Agosto) fundamental para as contas finais de qualquer ano, melhor ou pior, teremos de esperar pelas estatísticas do dito trimestre para aferir sobre a capacidade de melhorar receitas e geração de lucros após impostos.

Como já foi dito neste vosso humilde espaço, é verdadeiramente positivo ter aumentos de turistas e, se possível, gasto médio por pessoa, na ordem de 8 – 12% ao ano no período de Novembro a Fevereiro. Ou, se quisermos ser mais otimistas, de Outubro a Maio. Isso já é uma grande vitória, ao atenuar efeitos sazonais perturbadores ao ponto de levarem ao encerramento sazonal de muitas unidades hoteleiras de diferentes categorias. Na verdade, após dois a três anos de forte crescimento nesses meses, já seria excelente a possibilidade de manutenção a esses níveis, se não for possível crescer mais.
A grande questão prende-se sempre com a realidade Junho – Setembro. Esses quatro meses são fundamentais para a estratégia comercial das unidades. Que não fiquem dúvidas, isto é válido não só para destinos de sol e praia, mas também para qualquer outro tipo de destino em Portugal e na maioria dos países europeus. Isto não é válido para destinos de montanha e neve, obviamente. A maioria dos cidadãos do hemisfério norte viajam entre Abril e Outubro, com destaque para trabalhadores no ativo, os quais têm, em média, maior poder de compra e propensão para consumir o “produto” turismo com todas as suas derivações. Por isso é que estamos ansiosos para ver o que se vai realmente passar nos próximos meses de Junho a Setembro, com destaque para Agosto. A capacidade de gerar maior volume de negócios nesses meses poderá dizer muito sobre aquilo que deverá ser a estratégia de curto prazo, leia-se, para os anos 2018-2020.

A propósito destes anos de crescimento global do turismo, com origem em meados de 2015, temos visto neste blogue como certos destinos de sucesso sofrem muito devido a fenómenos da esfera geopolítica, com destaque para a recorrência de incidentes de crime e terror. Não é, assim, motivo de admiração que a indústria hoteleira atualize constantemente os “rankings” de países e territórios considerados seguros para viagens e turismo.
Assim, vamos ver um pouco do “ranking” de segurança do “Travel and Tourism Competitiveness Report 2017”:

1. Finlândia
2. Emiratos Árabes Unidos
3. Islândia
4. Oman
5. Hong Kong
6. Singapura
7. Noruega
8. Suíça
9. Ruanda
10. Qatar
11. Portugal
12. Luxemburgo

Se está admirado com os resultados, não fique. A Finlândia é um sossego, tal como a Islândia e a Noruega. A Suécia já não aparece no topo, devido à perceção em relação aos refugiados do médio oriente. Os EAU, o Omã e o Qatar têm esquemas de segurança tais que nem os maiores fanáticos se atrevem a desenvolver ataques. Até ver. Hong Kong e Singapura são hoje locais muito seguros. O Ruanda é uma surpresa para muitos devido aos eventos da década de noventa do século passado. Recordamos aqui que este destino era uma das certezas para os próximos tempos num artigo deste blogue. O facto de ter vivido à época essa sangrenta guerra civil não significa mais nada hoje. É um exemplo para os países que vivem hoje tempos difíceis. As coisas podem sempre melhorar. Portugal está num honroso 11º lugar e, cremos, ainda vai subir mais nesta tabela. Eis mais uma das muitas razões que contribuem para o sucesso do nosso turismo. Esperemos que isto nunca mude. Por exemplo, a Alemanha não passa do 51º lugar nesta tabela. Como foi isso possível? A resposta já todos sabem…


Uma nota final para uma consequência prática daquele vergonhoso episódio a bordo do voo da United, onde o pobre passageiro foi arrastado como um criminoso, para dar lugar, devido a “overbooking”, imagine-se, a um membro da “cabin crew” da companhia. Como todo e qualquer pedido de desculpa, num caso desta natureza, é inútil para “limpar” a imagem da companhia aérea, toda e qualquer campanha publicitária é ineficaz, decidiu a UA fazer mega-descontos em voos dos EUA para a Europa. Só para dar um exemplo, dos EUA (vários aeroportos) a Paris pode ser tão barato como 390 euros, ida e volta. Dado que a concorrência não vai ficar parada, podemos ter aqui na Europa (meses de verão) um acréscimo de turistas norte-americanos. Curioso como uma péssima situação individual se pode transformar sem querer num benefício para outros.

terça-feira, 18 de abril de 2017

Após a Páscoa 2017 – algumas reflexões necessárias

A semana de Páscoa revelou excelentes números (provisórios) de Turismo um pouco por toda a Europa. A Espanha e a Grécia terão igualado ou superado as expetativas. A surpresa foi a revelação que nos chegou de Londres: à beira do longo fim de semana Pascal, os destinos mais baratos (aqui falamos de viagens de última hora) à venda no Reino Unido eram, em primeiro lugar, uma região da Bulgária (nenhuma surpresa) e, em segundo lugar, o Algarve. Neste caso, não se trataria de “toda” a região, mas dos destinos de litoral mais “consumidos” pelos britânicos ávidos por sol e praia, ávidos por um verão antes do verdadeiro verão. Esta informação é válida para destinos relativamente próximos do Reino Unido, pelo que se exclui o Magrebe, o médio oriente em geral, incluindo a Turquia. Esta última vive ainda momentos políticos agitados, não sendo de admirar números oficiais que revelam já 15 meses consecutivos de queda da atividade turística. Já caiu muito mais, mas ainda continua a perder.

A Grécia está a recuperar fortemente como já se esperava pelo volume de reservas. A Espanha vive momentos de glória quer no continente quer nos arquipélagos. Está a crescer em número de visitantes, de dormidas e de receitas. Mais tarde veremos se o gasto médio por turista aumentou como pensamos que está a acontecer. Aliás, os operadores (sempre à procura de pechinchas) queixam-se dos preços em Espanha, afirmando que está mais caro um 3 estrelas em Espanha do que um 5 estrelas na Turquia. Parece até que já se esqueceram que isso não tem nada a ver com Espanha, mas sim com a Turquia. Simples assim.

Portugal vive bons momentos. A boa notícia para o país é que os destinos Lisboa, Porto não são os únicos a crescer. Há muita gente a descobrir outras partes do país, situação muito positiva se tiver continuidade. Acreditamos que o potencial está aí para esses destinos emergentes.

O Algarve é um caso diferente. Porque é que, de repente, se transforma num destino dos mais baratos (no sol e praia), quer em “early birds”, quer em “last minute bookings”?
Por um lado, é barato apenas no contexto da Europa Ocidental, mas não num contexto geograficamente mais abrangente. Não é de admirar que a larga maioria dos turistas que nos visitam tenham origem, então, nesse “mundo ocidental”, principalmente europeu. É um destino em conta, sendo que o € não alterou nada, pelo contrário, os preços tornaram-se mais transparentes para os nossos turistas.

Por outro lado, assiste-se a um aumento espantoso da oferta de alojamento. A esse propósito, vale a pena lembrar que é um erro continuar a falar em “camas paralelas” para descrever aquilo que não é classificado pela instituição Turismo de Portugal, aquilo que agora se chama Alojamento local (AL). Não há camas paralelas, há camas, ponto final. Pode haver camas ilegais não registadas sequer nas Câmaras Municipais. Cabe às autoridades punir essa situação. Mas todas as camas registadas com base na Lei em vigor, são camas turísticas, de uma forma ou de outra, da mais luxuosa até à mais modesta. Somando tudo, assiste-se a um aumento da oferta, sendo que tal vai levar a prazo a uma maior ocupação. Mas enquanto não se recuperar um certo equilíbrio entre procura e oferta, a consequência prática passa por preços mais baratos, desde logo nos alojamentos que chegam ao mercado (tanto faz se a plataforma é o Airbnb ou outra mais “clássica”), o que acaba por retirar pressão compradora sobre alojamentos classificados, os quais acabam por sucumbir à pressão do mercado. Os alojamentos classificados, aliás, sempre tiveram esse problema. Hoje é a concorrência interna, antes era a externa, o que levava a uma submissão às pressões dos TO para oferecerem melhores preços, de modo a garantir boas ocupações. Na prática, isso levou a um envelhecimento de muitas unidades sem que fosse possível a sua modernização. É a velha história da “pescadinha de rabo na boca”. Não foi possível gerar um EBIDTA suficiente para o investimento, adiaram-se melhorias e novos investimentos (obras, marketing, tecnologias, etc…), as estruturas perdem valor comercial, o que obriga a baixar preços porque a qualidade física e humana se degradou, o que impede novamente investimentos a não ser que entre capital “fresco”. Para que não se degrade a relação qualidade/preço, o que fazer quando a qualidade baixa? Sem possibilidade de investimentos, resta baixar o preço para não perder essa relação esperando agradar ao mercado. Ainda que não seja a clientela desejada, há sempre outra clientela para substituir a anterior. É o chamada nivelamento por baixo, do qual muitos não conseguiram fugir. Felizmente existem boas exceções ao que ficou dito. Quem nos dera que fossem a regra, mas ao menos vamos acreditar que haverá mais exceções.

Quando a larga maioria da oferta tende a ser “barata”, como é o caso (agora alavancado pelo AL) do Algarve, quando a maioria dos voos já era “barato”, o que acontece? Aumenta o volume de turistas, sem garantias de aumento da estadia média, sem grande propensão para aumentar o gasto médio. Ainda que aumente o gasto médio dos turistas que ocupam hotéis de três, quatro e cinco estrelas, a média geral da região dificilmente aumentará, devido ao mais baixo gasto médio dos turistas AL. Dado que muito desse AL (e não só…) é “self-catering”, os supermercados esfregam as mãos de contentes. Por isso mesmo, muitos comerciantes (similares de hotelaria) congratulam-se com o que se passou nesta Páscoa, estão contentes com as perspetivas de longo prazo, mas sentem uma certa frustração pelo facto de receitas e lucros ficarem um tanto ou quanto aquém do esperado. A razão para tal é exatamente esse nivelamento por baixo, como se o Algarve fosse uma espécie de substituto de destinos como a Turquia, algo que a Espanha já foi, mas hoje não consegue ser e nem deseja ser.


Esta é a nossa vida agora, o nosso país, a nossa região, temos de fazer o melhor para obter o máximo proveito. Para que se atinja um patamar mais elevado, é necessário que o Algarve tenha 20 a 30% mais de visitantes, dos quais alguns serão “low cost”, mas outros terão poder de compra para alavancar as contas dos empresários. Se a economia global ajudar, isso poderá ser atingido em algum momento da próxima década.

terça-feira, 11 de abril de 2017

Voando sobre um ninho de cucos - extra

Logo após a publicação final do tópico, assistimos ao polémico "prós e contras" na RTP-1.
Normalmente não seguimos notícias da imprensa "mainstream", mas sendo um debate com tão importantes protagonistas, não podia deixar de merecer a máxima atenção, até porque é um bom exemplo de debate(s) civilizado, raro neste país.

Mais uma vez se provou que este blogue diz a verdade (basta reler os tópicos): o estudo de impacte ambiental vai ser um problema, a pista vai ser um problema, a segurança será também problemática. Ainda por cima, confirma-se que ninguém sabe qual o tempo de vida desta solução na base aérea do Montijo. Devido ao ruído, seguramente não será nada bom para voos noturnos. Ao mesmo tempo, não resolve o problema da falta de capacidade para "super jumbos".

Já a alternativa CTA (campo de tiro de Alcochete) seria melhor em vários aspetos, mas seria mais dispendiosa, até por causa das acessibilidades.
Perante o que foi discutido pelos participantes, está criado "o caldo" para aquilo que vai acontecer: o impacte ambiental bem como a segurança serão fatores para desaconselhar a solução Montijo, Alcochete não passa devido aos custos associados, fica só a atual Portela, aumentando-se o "taxi way" da pista (permite mais voos por hora). O aeroporto atual vai ter que servir até ficar estrangulado e ainda estrangular as possibilidades de aumento de turistas que queiram visitar a região e o país. Do ponto de vista da ANA é mau, mas não necessariamente um desastre.

E assim vamos vivendo num país que não tem estratégia, não tem dinheiro, que perdeu imenso tempo a decidir o muito longo prazo. Realmente, é caso para perguntar se há uma esquizofrenia coletiva ou se é interessante para muitos que seja assim...

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Voando sobre um ninho de cucos - parte II

(continuação da parte I)

A Portela+1 não é o que parece. Na verdade ainda nem sabemos se passa no impacte ambiental. Sabemos, sim, que a generalidade dos pilotos e operadores de torre de controlo não gostam da proximidade entre ambos, por razões técnicas e de segurança. Conseguimos falar com um ou outro piloto sob anonimato. Todos afirmam que ficaremos em Lisboa com um espaço aéreo mais confuso. Os fatores de perigo aumentam devido à proximidade entre aeroportos. É que, ao contrário, dos visionários que pululam neste país, o Montijo não é o terminal da Portela do outro lado do rio. Não, também não serão duas pistas separadas por um rio (que visionários). São estruturas diferentes, em que a segunda delas (assumindo que é o Montijo), implica em outra torre de controlo, outra estrutura de segurança, outro terminal e por aí fora. Na verdade nem se devia utilizar a expressão Portela +1. É outro aeroporto, com uma realidade subjacente claramente diferente do atual. Confere a possibilidade de manter a Portela como uma estrutura viável por mais alguns anos. Falamos em alguns anos porque, como se pode facilmente ver nos arquivos de notícias, algumas vozes pertinentes começam a se questionar sobre a validade temporal desta solução. Dará para 15 anos? Para 7 anos? Mais? Menos? Ninguém sabe honestamente responder.

Do ponto de vista comercial as coisas tornam-se ainda mais interessantes, pois existem muitas questões latentes: será o aeroporto +1 uma maneira de “libertar” a Portela de Sacavém de tantos voos LCC? Seria isso uma estratégia para agradar à TAP e a outras FSC que desejam expandir a atividade em Lisboa? Será uma maneira de fazer do Montijo uma base para as LCC que tenham a ambição de usá-lo como aeroporto base? Um “mix” do que está acima, talvez?

As dúvidas vão manter-se. Mas há verdades que devem ser consideradas. O aeroporto de Lisboa (atual) só está esgotado ou prestes a se esgotar graças à explosão das LCC. Se apenas existisse a realidade de há vinte anos atrás, nem o aeroporto se esgotaria tão rápido, nem o turismo seria o que é atualmente. O crescimento de passageiros desembarcados em companhias FSC é interessante mas não pode ser comparado aos desembarcados em LCC. Das últimas é que veio o crescimento do aeroporto de Lisboa. Das mesmas é que virá o crescimento futuro. Só não sabemos é a sua estratégia. Seguem-se negociações muito duras entre cada uma delas e a ANA, em que o tema seguramente será a contabilização dos custos mediante a percentagem de voos da companhia X a serem desviados para o Montijo. Na Portela, existem alguns voos noturnos, mas reduzidos em relação aos que ocorrem de dia. Será assim também no Montijo? Tudo leva a crer que sim, o que levanta a questão da escassez de “slots” nos aeroportos de origem, sobretudo na época alta.
Uma questão pouco falada é a incapacidade da Portela de receber “super jumbos” como os atuais A380 e o Dreamliner. Assumindo que o mesmo vai acontecer no Montijo, vamos perder o futuro, o qual consiste na utilização de aeronaves maiores e com muito maior eficiência energética. Estamos condenados às aeronaves menores que cada vez mais são rotas para alimentar os grandes “hubs”.

Há que abrir os olhos: um dia, vamos assistir à entrada de A380 e Dreamliners no mundo das LCC. Impossível porque é caro? A Norwegian já o fez em voos intercontinentais. Aliás, também diziam que era impossível as LCC entrarem sequer no território dos voos intercontinentais. Vejam, então, a revolução operada pela Norwegian. É possível viajar entre a Europa e a América do norte por apenas 100 dólares (só ida). Talvez fosse bom pedir a opinião do respetivo CEO (Bjorn Kjos), um dos maiores especialistas, com muitas décadas desta industria e provas dadas, o que ele pensa sobre como deverá ser um aeroporto no futuro. E que tal a Ryanair começar a vender no seu website passagens de outras companhias low-cost, oferecendo, assim, rotas complementares às suas. Não é ilusão, já está em estudo e há a intenção de começar tão breve quanto possível, fazendo parcerias com as concorrentes Air Lingus e Norwegian. A mesma Ryanair já antevê voos a custo zero (claro que não são grátis, tal como as famosas passagens a um euro não eram bem a um euro), conceito que implica em negociações muito duras com as empresas aeroportuárias.

Poderíamos fazer um tópico enorme sobre os novos desafios, mas seria cansativo para o leitor, mas a “bottom line” é aqui bem clara: as decisões que se tomam neste país são tão demoradas, tão hesitantes e tão erróneas que nos levam a acreditar que esta solução estará completamente obsoleta quando finalmente estiver em funcionamento. Sim, é claro que pode adiar o problema por algum tempo, mas não parece ser “a” solução para o século XXI. Temos pena, mas até no setor dos transportes ainda estamos para entrar na Europa civilizada, com exceção, em parte, da componente rodoviária. Perdemos muito tempo na questão do novo aeroporto de Lisboa. Nunca é tarde para emendar a mão.

Uma nota final para a questão emergente do Faro +1. No país do tudo +1, já se fala de como o aeroporto de Faro, o qual também não tem grandes hipóteses de expansão, precisa de um complemento. Não, senhoras e senhoras. Não precisamos de um Faro +1 (provavelmente perto de Tunes, no centro do Algarve) que seja pensado agora para funcionar daqui a dez ou vinte anos. Precisamos apenas de cumprir aquilo que já existe no planeamento do território, neste caso no PROTalgarve.


Este documento legal está em vigor e já prevê a possibilidade de um aeroporto na extrema (fronteira) dos concelhos de Lagos e Portimão. Por isso, não percam tempo à procura de locais nem percam dinheiro em estudos. Já foi tudo feito. Não vamos entrar, de novo, nas raias da loucura. É só seguir o senso comum e pensar numa estrutura simples para atender o aumento de LCC no Algarve durante o chamado verão IATA. Simples assim. Com um pouco de sorte (ou um milagre) haverá alguém a alimentar esta ideia num espaço de três a cinco anos. Se o turismo continuar na atual senda, será segura e rapidamente tema na imprensa “mainstream”.

terça-feira, 4 de abril de 2017

Voando sobre um ninho de cucos - parte I

Não se assuste caro leitor, este continua a ser o seu blogue de turismo e, apesar do título deste tópico, não nos vamos debruçar sobre a extraordinária obra do escritor Ken Kesey, tornada célebre pelo famoso filme realizado por Milos Forman, onde se colocavam em causa os limites, as virtudes, os conceitos da psicologia e da psiquiatria numa América em metamorfose pelas lutas pelos direitos cívicos, clivada pelos efeitos de guerras, frias e quentes.
O título é assim escolhido, porque nestes tempos de decisões estruturantes sobre o futuro da aviação comercial em Portugal, perante muito do que já foi ou está prestes a ser decidido, perante muito do que foi dito e escrito, devemos mais uma vez questionar se algumas das decisões e das coisas ditas nos últimos conturbados anos não cairão mesmo na área da psicologia. Como não dominamos essa área, deixamos espaço para a livre reflexão de cada um, voltando as nossas atenções para aquilo que realmente interessa para o futuro do turismo.


O país disto e daquilo e… +1
Terá sido por influência da célebre intervenção do ex-futebolista Paulo Futre, que defendia uma equipa com 10 jogadores e mais 1, (sendo este o melhor jogador Chinês, para atrair “charters” carregados de adeptos Chineses ao futebol em Alvalade), que Portugal passou a ser o país de alguma coisa e “mais um”.
Isto tudo vem a propósito da intenção de aproveitar a Base Aérea do Montijo para “complementar” o quase esgotado Aeroporto da Portela (Humberto Delgado). Um assunto já velho, quase abandonado na sequência das várias crises, entretanto recuperado pelo “boom” do “travel market” que rapidamente elevou o número de passageiros desembarcados na Portela, sobretudo com influência das LCC (low cost carriers), a um ponto que levou os responsáveis a considerar que a Portela vai entrar brevemente em rutura.

Já defendemos neste espaço que uma estratégia de muito longo prazo implicaria seguramente na construção de um enorme aeroporto de raiz. Nos anos quarenta e cinquenta do século passado, a Portela servia muito bem os propósitos da aviação comercial da época, prevendo-se que poderia ser suficiente por muitas décadas. Assim foi. Nessa época, ainda que localizado no município de Lisboa, estava longe do centro e de áreas urbanizadas. Mais tarde, a cidade expandiu-se, tal como qualquer capital, passando o Aeroporto e pertencer à malha urbana, condicionando toda e qualquer política de urbanismo da capital. Se alguma vez tivesse ocorrido um acidente do género dos que ocorreram em São Paulo/Congonhas, talvez já não existisse Portela. Felizmente correu tudo bem. O Aeroporto de Lisboa cumpriu a sua missão, cresceu e modernizou-se em simultâneo com a evolução do turismo, mas não poderia se expandir até ao infinito, pelo que começou a ser discutida a sua substituição.

Hoje é comum dizer-se que as graves crises financeiras do início do século XXI levaram ao abandono do projeto NAL (novo aeroporto de Lisboa). Nada mais enganador. As crises foram apenas o bode expiatório para adiar/abandonar o projeto. As elites políticas (e não só) da capital nunca quiseram realmente avançar, perdendo assim o seu “aeroportozinho à porta de casa” para poderem usar “a companhia de bandeira” com o intuito de viajar até Bruxelas ou outro qualquer destino do seu interesse profissional ou pessoal. O resto foram desculpas mais ou menos convenientes. A crise foi uma delas, tal como o discurso de que os investimentos diretos e indiretos eram demasiado elevados. Entre outras críticas, dizia-se que o novo aeroporto seria mau para o crescente turismo da capital.

Facilmente se verifica que uma infraestrutura para cem anos é dispendiosa, sim, mas é um investimento de muito longo prazo. E não teria necessariamente de ser um investimento 100% público. A não ser que alguém acredite que o turismo vai contrair no dito longo prazo, essa narrativa não se sustenta. Nós estamos com aqueles que afirmam que, salvo uma hecatombe, o turismo e as viagens são atividades em crescimento de longo e muito longo prazo. Os grandes especialistas internacionais defendem o mesmo, com base em dados muito concretos, próprios de quem está diariamente no terreno. Ao mesmo tempo, porque é que o NAL era mau para o turismo lisboeta e nacional? Então, o turismo de Madrid não está em crescimento, sabendo-se onde fica Barajas e onde fica o centro da capital espanhola? E Paris? É o facto de Orly ou Charles de Gaulle ou Beauvais ficarem longe da cidade que é prejudicial, ou são os ataques terroristas? E Londres, Colónia, Amesterdão, etc…? O que faz realmente diferença é a qualidade das acessibilidades entre aeroporto e as zonas emblemáticas das cidades, entre aeroporto e regiões turísticas por excelência. Veja-se a diferença que fez a expansão do Metro de Lisboa até à porta do terminal 1 (embarque) da Portela. Observe-se que nem todos os chamados aeroportos “low cost” são iguais. Na Alemanha há bons “case studies”. O Aeroporto de Memmingen (Baviera) é um sucesso, principalmente para as LCC, porque tem fácil acesso ferroviário (e rodoviário também já agora) quer ao centro de Munique (50 minutos de comboio), quer até ao principal aeroporto da cidade (MUC). Este último, sendo um dos grandes aeroportos germânicos tem excelentes acessibilidades de um modo geral. Já o chamado Frankfurt-Hahn é um caso totalmente diferente uma vez que não tem ligação ferroviária para a cidade sede do Banco Central Europeu, limitando-se a autocarros e “transfers” para as cidades mais importantes da parte oeste da Alemanha, o que lhe retira importância (ao menos também tem voos de carga), o que não impede que a Ryanair consiga angariar clientes para os voos com origem/destino nessa infraestrutura, naquilo que se pode chamar “extreme low cost”.

Do que foi dito acima, o que importa reter é o seguinte: o sucesso e a viabilidade deste tipo de infraestrutura não dependem somente da localização “de proximidade”, mas também das acessibilidades a centros urbanos e locais de elevado interesse económico, do espaço disponível e da possibilidade de expansão futura, dos “slots”, da conveniência, da integração de espaços comerciais complementares e, entre outros fatores como o impacto ambiental, de algo muito importante e pouco discutido como é a adaptação da infraestrutura às novas formas de comercialização da aviação comercial, ponto fundamental que focaremos daqui a pouco.

Perguntarão muitos porque o aeroporto de Beja, antiga base aérea, não servia para complementar a Portela, nem resultou como realidade autónoma? Desde logo está longe das realidades que o poderiam viabilizar, está longe tanto da grande Lisboa como do litoral algarvio. Longe em geografia e em acessibilidades. Perder-se-ia, em tempo e em dinheiro, o efeito do possível baixo custo do voo. A ANA ainda pode fazer alguma coisa: Beja poderá ter um ou outro voo “low cost”, alguma operação privada de pequena monta, poderá existir parqueamento de longo prazo de aeronaves, treino de pilotos, manutenção e desmontagem de aviões e algo mais, inclusive ter voos de carga desde que exista um “interface” viável com o porto de Sines, algo que só ocorrerá caso as acessibilidades há muito previstas sejam concluídas. De qualquer modo, Beja não será nunca aquilo que Faro e Porto representam no mundo das viagens e turismo. É mais fácil encontrar alguma viabilidade comercial pontual em pequenos aeródromos do interior, do que em Beja. Tampouco Lisboa é ou será um impedimento do crescimento dos referidos aeroportos a norte e sul. Não o é com Portela+1 nem o seria com o NAL, ao contrário do que afirma o presidente da CM Porto. Basta ver o que se passa na fronteira tríplice Bélgica/Holanda/Alemanha e zonas vizinhas. Há muita gente, sem dúvida, mas há dezenas de opções para voar, que podem parecer concorrentes entre si, mas que na verdade são necessárias e complementares. Nesses países não há mentalidades pequeninas.


Assim, cometemos a loucura coletiva de abandonar uma das nossas poucas possibilidades de elevação da competitividade de longo prazo no setor da aviação comercial. Como veremos na 2ª parte, o NAL não seria um “elefante branco”, ao contrário de muitos outros projetos que inundaram o país, baseados em pseudo-estudos de pseudo-especialistas, com os resultados que estão bem à vista. Se o Marquês de Pombal tivesse dado ouvidos aos que achavam uma loucura (por parecer enorme) o projeto que hoje conhecemos por Baixa Pombalina, a história urbana do centro da capital teria sido diferente para pior. Loucura teria sido, sabemo-lo, não fazer acontecer tal como ainda hoje se apresenta.
(fim da 1ª parte)