Lembram-se destes dados recentes da Organização Mundial do
Turismo das Nações Unidas, através do seu anuário de estatísticas? Pois bem, foram
os números de 2018, que são finais. Passou de 1.400 milhões o número de
turistas do mundo inteiro que se deslocam (pernoitas) ao estrangeiro,
incluindo-se aqui todos os motivos possíveis para a viagem. Não estão
incluídos, claro, trabalhadores vizinhos que cruzam fronteiras diariamente, ou
mesmo “turistas” que não pernoitam, limitam-se a passar a fronteira vizinha
para jantar fora ou mesmo só para beber um café, adquirir bens de consumo mais
baratos, etc… se assim não fosse muitos “turistas” portugueses teriam de ser
contabilizados só por abastecerem combustível em Ayamonte.
Agora que estamos esclarecidos, há que referir que este
número só era esperado em 2020 (previsões anteriores) ao mesmo tempo que se
esperava um número bem maior em 2030, cerca de 1.800 milhões. Curiosamente, a
previsão de 2020 fica obsoleta dois anos antes e a de 2030 não muda. Mas há
quem diga que chegaremos a esse ano distante com dois mil milhões de turistas internacionais. Diga-se que isto
significaria um crescimento médio mundial de 3% ao ano para que tal cifra fosse
atingida. Pode-se considerar, então, dois mil milhões de turistas um objetivo
razoável se nada de muito estranho ocorrer entretanto.
Olhando para o gráfico que publicamos com este texto, é algo
razoável atendendo ao que se passou nos últimos anos. O crescimento global do
turismo atingiu 5.6% em 2018 contra impressionantes 7% em 2017. Mesmo que
ocorra uma “normalização” do crescimento, os ditos 3% ao ano são exequíveis
mesmo num quadro de crescimento económico global inferior ao atual. A própria OMT
prevê para 2019 um crescimento global entre 3 a 4%. A tendência histórica
mostra que em longos períodos, o crescimento do turismo internacional tende a
ser superior ao crescimento económico. Isto tem sido verdade não só globalmente
mas também por continentes ou regiões.
É curioso verificar as diferenças precisamente entre regiões
do mundo: a Europa está em linha com o crescimento global, embora com altos e
baixos. Continua a ser dos destinos mais apetitosos para europeus (é fácil e
barato ser turista dentro do próprio continente) e para a maioria dos
restantes. Deverá, pois, continuar a crescer, embora com números ligeiramente
mais modestos. É o regresso à média histórica, o que será normal, tratando-se
de um mercado mais “maduro” do que a maioria dos demais. A região
Ásia-Pacífico, muito por conta do turismo Chinês está a ultrapassar todas as
expetativas, podendo afirmar-se como um “grande” do turismo mundial. Se é
verdade que há mais gente a visitar a China, também é verdade que há mais
chineses a visitar países estrangeiros, sobretudo naquela região, a qual inclui
Austrália e Nova Zelândia. Em breve, o mercado internacional chinês poderá
representar mais pessoas do que alemães e britânicos juntos, embora o volume de
negócios por cabeça ainda não seja comparável.
As Américas, como tem sido referido por aqui, estão a ser o
parente pobre deste crescimento. Mas essa tendência poderá mudar à medida que
os EUA recuperam, assim como países latino-americanos que entraram em crise.
Para já, nada se veem grandes mudanças de curto prazo, mas a reação será grande
por parte dos responsáveis do continente. Por sua vez, a África está finalmente
a despontar. Há muito que aqui no nosso blogue falámos de turistas a visitar
novos destinos. Não se trata apenas da recuperação da África do mediterrâneo e
das ilhas, estamos a falar de destinos completamente novos, como o caso do
pequeno Ruanda. Em qualquer caso, a chamada África “negra” tem uma base ainda
tão baixa como termo de comparação que qualquer subida tende a ser bombástica.
Os dois últimos anos são a prova disso mesmo. Não há dados suficientes sobre o
continente que permitam tirar grandes ilações, mas a tendência está muito boa
para o longo prazo. Há fortíssimos investimentos hoteleiros em todo o lado, de
Cabo Verde às Seychelles, do Egito à África do Sul. Um pouco por todo o lado,
tirando as óbvias exceções por razões políticas e militares. Há desigualdades a
ter em conta mas, como um todo, é um continente cada vez mais na rota do
turismo.
Que dizer da grande surpresa chamada Médio Oriente? Atendendo
às circunstâncias, até que o crescimento não era mau de todo, mas o que se
teria passado em 2018? 10% de crescimento só pode querer dizer uma coisa: as
tensões geopolíticas associadas à região estão a ser substituídas por uma nova
esperança, com mais crescimento de negócios, algo que já se reflete nos números
das chegadas internacionais. Aquela região é uma caixinha de surpresas,
normalmente nem sempre agradáveis, razão pela qual devemos ser cautelosos a
efetuar previsões. Tudo pode, ainda assim, correr pelo melhor,
surpreendendo-nos positivamente. Fica, pois, o aviso à navegação: a continuar
assim, os destinos da Europa do sul e do sol, poderão perder alguns clientes
para aquele destino.
Os dados estão lançados. Há condições objetivas para a
continuação de crescimento um pouco por todo o lado. Os dois últimos anos,
globalmente falando, foram os melhores desde 2010 o que prova que o mundo
recuperou definitivamente das crises que o assolaram, sobretudo entre 2008 e
2011. Estes números não são válidos para todas as regiões, mas são um fator de
otimismo para o setor das viagens e turismo. Há até países que crescem (no
turismo) sem qualquer interrupção desde 2009 como é o caso da Alemanha. Uma
nação fortemente industrializada tende a ser esquecida neste contexto, mas o
que é facto é que a mesma é muito mais forte do que o cidadão comum pensa,
tendo batido recordes sucessivos, ao ponto de se pensar em criar por lá um
ministério do turismo. Surpresa? Só para os desatentos.
Também não será surpresa o facto de, dentro do continente
europeu, existir uma certa disparidade de números: quando se fala em 5.6% de
aumento em 2018, isso não corresponde a toda a europa. A parte ocidental cresce
mais do que a oriental com exceção dos países bálticos. O sul cresce mais do
que o norte, com esse destaque não só para Portugal, como Espanha e Grécia. Os
destinos de sol e praia são sempre apreciados. Estas diferenças no interior do
continente deverão, porém, ter tendência para serem atenuados à medida que o
destaque dos turistas for migrando para outras formas e experiências. Daí que
as grandes cidades, as cidades e locais históricos e outros destinos que
proporcionem experiências marcantes têm, em conjunto, condições para
ultrapassar o crescimento médio geral.
A surpresa para todos nós é outra: quem está a aumentar mais
os gastos em viagens para fora do próprio país? Não são aqueles que a maioria
de nós poderia pensar!
Apesar da fraca performance económica dos respetivos países,
são os Russos e os Franceses aqueles que mais aumentaram os gastos com viagens
ao exterior em 2018, respetivamente em mais 16% e 10%, seguidos dos
Australianos, estes com 9% a mais. A seguir, menor surpresa, são os
norte-americanos (mais 7%) e os sul-Coreanos (mais 6%). A maioria destes
aumentos alimentou as subidas nas próprias regiões. Franceses a gastar muito na
Europa ou Coreanos a gastar muito na região Ásia-Pacífico. Já os turistas dos
EUA foram mais “globais” nos gastos e os Russos são dos maiores responsáveis
pelas subidas (em proveitos) no médio oriente. Recorde-se como quando,
recentemente, a Turquia vivia uma implosão, Russos e Sauditas foram uma espécie
de “salvadores” desse destino.
Curiosamente, nem sempre o que é bom para um é bom para
todos. O que significa isto para Portugal?
Portugal tem hoje várias realidades turísticas que já não
podem ser ignoradas. Comecemos pelas ilhas. A experiência de visitar os Açores
não será certamente a mesma de quem visita a Madeira. O último era e será um
arquipélago tradicional, enquanto o primeiro será sempre um lugar para
experiências únicas. O que têm ambos em comum? Poucas coisas. Agora ambas têm
voos “low cost”. É mais um exemplo de que, sem eles, não há crescimento
explosivo no turismo. O Porto e a região norte sempre tiveram o chamado
“turismo galego” em particular e do norte de Espanha em geral. Mas com voos LCC
a história é outra. Isso acaba por beneficiar toda a região norte e centro,
pois mais gente em viagem significa mais gente à procura de coisas diferentes.
Em Lisboa, é marcante o facto de ser a “casa” da TAP. Para não falar de
inúmeras outras FSC. Mas nada disso seria completo sem a ajuda dos voos de
baixo custo. Os negócios que se desenvolvem na capital e arredores não teriam a
alavancagem atual sem o número de voos e pessoas que utilizam o aeroporto.
Aliás, nem a Portela ficaria obsoleta rapidamente. Até o Alentejo já merece uma
palavra. A parte da região mais próxima de Lisboa, tal como as partes raianas
há muito que despontaram o interesse de turistas e investidores. De momento,
tudo leva a crer que é uma tendência ainda com pernas para andar. Se é uma moda
passageira como a dos “montes alentejanos” de fim-de-semana, é algo que só o
futuro dirá de sua justiça.
O Algarve é hoje a realidade mais problemática.
Alvo de enormes investimentos ao nível de empreendimentos de toda a espécie e
categoria aos quais acrescem impressionantes investimentos em AL (mais de 31
mil licenças emitidas na região nesta data), repartindo-se por apartamentos,
moradias e outros, a região está mais sujeita aos perigos de um arrefecimento
da economia ou do “desvio” de turistas para outras paragens. Quando existem
investimentos a contar com um certo crescimento médio anual, é bom que ele
ocorra mesmo, caso contrário, a faturação estagna ou sobe residualmente
causando aquele desconforto do bolo que tem de ser dividido por mais convivas
do que o previsto. O passado recente já mostrou o que pode acontecer em caso de
investimentos desajustados, pendurados em demasiado crédito. Os ativos caem nas
mãos de fundos de recuperação, situação que não é ideal para a estabilidade dos
ditos empreendimentos. Ainda assim, é bem melhor do que portas fechadas. Com a
explosão do AL, como irá o mercado reagir a uma baixa do crescimento ou mesmo a
uma estagnação do mesmo? Essa experiência é um mundo totalmente novo para
todos. A grande incógnita é mesmo essa: como será a reação a uma realidade em
que o mercado só cresce a 3% ao ano e a oferta cresce a níveis superiores?
Iremos assistir a uma baixa generalizada de preços e qualidade? A uma guerra de
preços entre certos empreendimentos e AL?
A grande realidade é que, apesar de crescimentos ditos “explosivos”,
o número de dormidas só cresceu cerca de 2% em 2018, enquanto o RevPar sobe pouco
acima de 1.5%. Isto mostra que o número médio de dormidas continua na tendência
contrária à ideal e mostra também o facto a que aludíamos atrás, mais quartos
disponíveis na totalidade podem significar uma queda média de preços. As
primeiras indicações para 2019 mostram que além do fim do “boom” poderemos
assistir a uma estagnação das dormidas e a uma diminuição importante do
crescimento das receitas.
Em suma: o turismo é um setor de crescimento de longo prazo,
como todos sabemos, mas teremos mesmo nuvens negras no curto prazo, sobretudo
nos destinos mais maduros.