quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Desconstruindo o "boom" do Turismo - parte II

Na 1ª parte, falámos da tendência de crescimento da atividade do Turismo, da indústria hoteleira em geral, como algo civilizacional. Já dizia Fritz Joussen, CEO do grupo TUI em fevereiro último: “nós não somos apenas um grande operador, isso era dantes, o nosso negócio é agora hotéis e cruzeiros. Cada vez mais assim será porque o Turismo é uma indústria em crescimento e nós seremos um grupo cada vez mais global e acutilante”. Estas palavras, vindas de um “insider” do ramo, dizem muito sobre o “zeitgeist”, o espírito dos tempos que correm.

A propósito, existem duas áreas em forte expansão: os cruzeiros oceânicos de curta e média duração são cada vez mais apelativos, não sendo alheio este “boom” à imagem de segurança antiterrorismo que uma embarcação proporciona devido ao controlo de acessos, em contraste com uma praia cheia de pessoas sem qualquer restrição de acesso. Só na Europa, 75 novas embarcações deverão entrar ao serviço na próxima década. Em 2017, espera-se um aumento de um milhão de passageiros em relação a 2016, a nível mundial, seja de 24 para 25 milhões. A outra, é o “bleisure”. Uma mistura de viagem teoricamente de “business” mas que tem uma forte componente de “leisure”. Esta é mais uma tendência a explodir em alta nos próximos tempos, uma realidade, cremos, imparável.


Em relação ao dito “boom”, vamos começar pela Europa. De Portugal já está tudo dito. A tendência é de expansão. Não acreditamos na repetição de crescimento anual da ordem dos 10% como um todo, mas seguramente teremos boas surpresas em novos mercados dentro do mercado nacional. O exemplo dos Açores vai merecer tópico próprio, mas teremos expansão um pouco por todo o lado, não só em Lisboa, Porto e Algarve. Se for assim, ainda bem. É uma importante fonte de emprego e rendimentos de que todos devem poder participar. Para quem beneficiou de um ano em cheio, manter o mesmo nível ou aumentar um pouco que seja, já será motivo para abrir a garrafa de espumante.

A Espanha continua imparável. Tem uma oferta espantosa, tem o continente e ilhas, tem uma diversidade invejável a todos os níveis o que confere possibilidades de experiências únicas. Foi, este ano, dos grandes beneficiários das perdas da Turquia, Egito e Tunísia. Tudo indica que assim continuará, com brutais ocupações tanto nas Baleares como nas Canárias (a abarrotar na Páscoa de 2017, segundo as primeiras projeções com base em reservas reais). É um mercado maduro e constante. Por muito que tentem travar a realidade, não há volta a dar: Madrid e Barcelona (sobretudo esta) continuarão a ser destinos de topo nesta Europa de cidades históricas. Há quem queira travar o “boom” de turistas em Barcelona. Há vinte anos atrás já se falava do assunto. Não travaram nem travarão. Se tomarem medidas radicais, acabarão por chorar para que os turistas regressem. A vida é assim. Se nas ilhas ainda se pode admitir esse debate devido às especificidades próprias de uma ilha, nos territórios continentais é mais complicado entrar nesse tipo de conversa.

O turismo francês sofreu muito com o terrorismo. Interessante como a sociedade da informação dos nossos dias tem um efeito muito rápido sobre os consumidores de viagens. Que o digam as plataformas de reservas online, as quais sofreram uma queda (global) impressionante de marcações nas horas que se seguiram à notícia do ataque a Paris. Em breve as reservas retornaram ao ritmo normal, mas não em França e muito menos em Paris (a hotelaria de 5 estrelas foi obrigada a reduzir preços entre 25 a 45%) e posteriormente em Nice. Aliás, neste último caso toda a Côte d`Azur sofreu quebras. O país está a tentar recuperar, mas é cedo para tal. Ainda nem sequer se podem calcular os prejuízos causados pelos eventos em causa, sobretudo na cidade luz. O mesmo se pode dizer sobre Bruxelas, na Bélgica. Eis outra cidade debaixo de fogo e em forte ameaça. Ainda hoje tenta recuperar o espaço perdido na cena turística europeia. Por seu turno, a Holanda continua a ser muito popular com mais de 14 milhões de turistas, maioritariamente europeus. Na última década cresceu mais de 40% e a tendência é de estabilização em alta, sendo que Amesterdão continua no seu eterno “boom” ao ponto do Presidente da Câmara sugerir outros locais para os turistas (?) devido a queixas dos residentes. Imagine alguém dizer aqui entre nós – seria algo para pegar fogo na opinião pública.

Em relação à Alemanha, uma nota especial: para os mais distraídos, este é um grande mercado emissor (outbound) por excelência. Ponto final. É uma verdade, mas não nos podemos esquecer que até este gigante europeu vive o seu “boom” tranquilo, com subidas constantes. Terá passado a fasquia dos 35 milhões de visitantes fora o fabuloso mercado interno, o qual se fortaleceu por conta dos cancelamentos no médio oriente. Já em 2015 tinha atingido o número impressionante de 433 milhões de dormidas. Sim, não há erro. Talvez feche 2016 com um aumento de 3%. Muitos germânicos preferiram as próprias praias dos mares do norte e do báltico do que optar por outros destinos. Ou fazer cruzeiros, muitos dos quais nos frios mares dos países nórdicos, algo que ajudou ao “boom” desse tipo de turismo. No total, são muitos milhões de turistas num país em que essa atividade passou a ser considerada de vital importância. Há quem esteja a adiar viagens para o estrangeiro também por causa da crise dos refugiados. Daí que muitos lugares turísticos estejam a conhecer uma inesperada expansão. Isto para não falar de “clusters” ou situações curiosas como os norte-americanos que retornam como turistas quando só lá tinham ido como tropas de ocupação, só para nomear um caso. Até ao recente atentado do mercado de Natal de Berlim, a capital conhecia também um fortíssimo crescimento de visitantes nacionais e estrangeiros. Ainda não há dados sobre as consequências imediatas do sucedido. Em relação aos vizinhos, como a Suíça e Áustria, acabam por beneficiar por isso mesmo, são vizinhos da Alemanha, são ótimos destinos para viagens de curto curso. O caso austríaco merece uma referência especial: o turismo de neve continua estável, mas há um “boom” do turismo cultural, relacionado especialmente com a musica clássica. Salzburg é um exemplo fabuloso: é das cidades europeias mais visitadas por turistas chineses, se é que não atingiu já o topo. Mais uma prova que há “muitos turismos”, ou seja, todas as experiências, todas as ofertas e possibilidades devem ser levadas em conta.

A Itália é outro caso emblemático. Um misto enorme dessa variedade de experiências com grandes diferenças do norte para o sul. Mais um país em pleno “boom” sendo que as causas impressionam: além do aumento de visitantes estrangeiros, mais de 33 milhões de nacionais terão feito viagens pela sua terra neste ano de 2016. O turista italiano decidiu “ajudar” a economia do próprio país, inundando todos os lugares com destaque para as belas praias ao longo do verão. Não podemos deixar de falar de Veneza, o exemplo clássico de “gentrification”, que perdeu dois terços dos residentes em cinco décadas por conta da completa reconfiguração da cidade à medida que a procura crescia desmesuradamente. Crescia e cresce – os recordes de visitantes são constantemente batidos. Vale a pena ficar de olho naquela realidade se queremos respostas à questão fundamental que rege todo e qualquer destino e que passa por se saber se há limites à expansão do mesmo, se há limite para o número de visitantes, alojamento, restauração, etc… a discussão sobre o assunto, interessante, pode-se acompanhar em #venexodus.

Mais a leste, segue a forte expansão na República Checa, pode-se já considerar Praga como um mercado “maduro”, mas outros pontos do país despertaram para os turistas. A Polónia tem uma forte presença alemã. A Eslováquia, sobretudo Bratislava, é outro destino a ter em conta. Na Croácia, temos um pequeno “boom” em pleno Adriático. A propósito, Zagreb vive uma grande expansão, tal como Belgrado na Sérvia, sendo este último uma surpresa para muitos. Até a Bulgária com o seu mar Negro vive momentos de glória (melhor Verão de sempre), situação que parece se expandir em à Roménia. Em relação à Grécia, temia-se uma queda, também devido à crise dos refugiados, mas quedas pontuais nalgumas ilhas foram compensadas por subidas noutras ilhas gregas. Creta, por exemplo, dá mostras de não se ir abaixo. Rhodes, porém, foi muito afetada. Inclusivamente, importantes setores do mercado alemão substituíram, até ver, o destino Turquia pelo destino Grécia, o que foi importante para os locais. A Turquia foi, como sabemos, o grande perdedor. Depois de ataques terroristas e da “intentona” chegou a ter quedas de reservas da ordem de 60%, mas acabou por perder “apenas” um terço do turismo. Este “apenas” é muito irónico: imagine-se o que seria se tal ocorresse no Algarve? Desde logo a Turquia perdeu muito nos principais mercados emissores como é o caso da Alemanha. Praticamente ficou sem o turista Russo, deveras importante. Ainda assim cresceu num mercado…. o da Arábia Saudita!! A Turquia deve agora tentar recuperar, mas as feridas podem levar muito tempo a curar para desespero dos grandes operadores que estavam acostumados com receitas em euros e despesas em liras turcas, situação que explicava o forte “boom” anterior a esta crise. Cabe aqui uma chamada de atenção: os mercados do médio oriente devem continuar expostos a fortes tensões políticas pelo que qualquer arremedo de recuperação poderá revelar-se incipiente.
Em relação a outros mercados do velho continente, deve-se falar do bom desempenho das chamadas repúblicas Bálticas ou mesmo da cidade Russa de S. Petersburgo. Grande surpresa está a ser Lviv, na Ucrânia. As capitais nórdicas continuam a ser bem procuradas, são mercados estáveis. Destaque aqui para a Islândia, país agora mais “barato” em tempos de pós-crise financeira. Há um grande “boom”, aqui sim, com crescimento em 2016 entre 25 a 30% - um espanto.  Terminando com as ilhas britânicas, deve-se dizer que os mercados das Irlandas, Escócia e Gales continuam em bom desempenho, tal como Londres, capital do Reino Unido. Aqui a grande expetativa para o futuro próximo tem a ver com os efeitos do “Brexit”, uma verdadeira incógnita. Para já, uma boa notícia para o espaço da Libra Esterlina: Londres viu um aumento de turistas vindos do extremo-oriente e dos EAU na ordem de 25% na comparação do 4º trimestre de 2016 com igual período de 2015 – isto quer dizer movimento em alta nas lojas e “shoppings” bem como na excelente hotelaria londrina. Lembremo-nos ainda da oferta em expansão na cidade. São mais 38 hotéis de topo em projeto e/ou construção, totalizando 8.500 novas camas. Até agora, o “Brexit” não foi mau para o turismo inglês. Veremos como será mais para a frente…

Em geral, podemos falar de uma expansão quase generalizada do turismo europeu com alguns locais a “explodirem” em alta. Os capitais “inteligentes” estão atentos a estas realidades, não brincam em serviço. Só em termos de dinheiros asiáticos, tivemos recentemente 1,6 mil milhões de euros em investimentos na hotelaria europeia. Será viável? Será uma “bolha”? O futuro o dirá. Uma coisa é certa, o mundo das viagens está em alta, tanto o “baratinho” como o médio ou as viagens de luxo.

No norte de África, nem tudo são más notícias: Marrocos está a começar a viver o seu próprio “boom” graças a uma relativa paz social em contraste com outros mercados da região. A confiança é grande e a construção de novas unidades é uma certeza para os próximos quatro anos – são 52 novos projetos em carteira. Abaixo do Sahara, Cabo Verde vai “explodir” em alta muito por conta de grupos internacionais como o caso do grupo RIU (ligado à TUI). São Tomé e Príncipe, Nigéria, Ruanda (sim), África do Sul, Tanzânia, Quénia – tome nota destes nomes, vão dar que falar. Só nos próximos dois anos devem abrir na África subsaariana mais de dez mil novas camas turísticas.
O Dubai continua a ser o grande fenómeno contemporâneo, não param de abrir unidades, nomeadamente de luxo. Já passou este ano o número de cem mil quartos de Hotel, quase todos de luxo. Será sustentável? Essa é a grande questão para o futuro próximo.

O grande “boom” continua a ser na Ásia e Ásia/Pacífico: a Índia começa a ser um caso sério não só no “inbound” como no “outbond”, enquanto mercados maduros como as fabulosas Maldivas (mais de 8% de subida) ou mesmo o Sri Lanka ou a Tailândia continuam com perspetivas muitíssimo boas. Mas o destaque vai para o Laos, Camboja, Vietname – nomes emergentes no setor do Turismo. Aqui está mais um “boom” a ter em conta, enquanto a Indonésia comemora um aumento de 16% de receitas em 2016 (números provisórios). Recorde-se que a ilha de Bali sofreu há uns anos um revés igual ao da Turquia, devido ao terrível atentado numa discoteca cheia de jovens Australianos. Hoje, está tudo ultrapassado, sendo um mercado em alta. Isto prova que os mercados afetados pelo Terror recuperam bem, embora possa levar algum tempo. Mas essa recuperação é mais viável se os atentados forem um ato isolado e não se repetirem com uma certa frequência. Destaque também para o bom desempenho lá longe na Oceânia, tanto nas pequenas ilhas como na enorme Austrália. Neste último caso, quem lidera o “boom” é o mercado Chinês. Aliás, a China é a grande responsável pelo sucesso destes mercados. Foram mais 18% de turistas chineses no exterior do país este ano, crescimento muito superior ao do PIB chinês. Ainda assim, somando outros mercados da região, dá cerca de 10% de aumento de turistas a passear no estrangeiro. Havendo recursos, as pessoas viajam: aquilo que era um ícone do mundo ocidental transforma-se num ícone global. Ninguém deve, assim, sentir-se apanhado de surpresa pelo sucesso do Turismo.

Uma palavra final para as Américas: o Canadá é muito visitado, sobretudo por turistas internos e do mesmo continente, com destaque para os vizinhos a sul. Por falar em Estados Unidos, apesar do enorme aumento da oferta hoteleira (que não vai parar nos próximos anos), não se pode falar em “boom”. É um mercado maduro, tem um turismo interno como nenhum outro, o que é normal em qualquer país de dimensão “continental”, o qual cresce em “tandem” com o crescimento do PIB. Seja como for, sem ser um crescimento explosivo, é positivo, tanto o PIB geral como o do setor de viagens. Os EUA são responsáveis pela forte procura no setor de cruzeiros, mas isto não é novidade alguma. O México, República Dominicana, as Caraíbas em geral estão em bom plano, sendo que o novo “boom” da região virá de Cuba. Crescerá 10% e tem muita margem para crescer ainda mais, sobretudo se “as portas” se abrirem em força para lá da capital, Havana. Na América central e do sul, queremos destacar a Colômbia pós-guerra civil que vai agora ter outra “explosão”, a do Turismo. Também o Perú parece preparado para fortes altas, sendo o Chile outro destaque. O Brasil é apontado como uma grande possibilidade de sucesso no longo prazo, mas, de momento, sofre uma terrível crise económica e social que inibe qualquer hipótese de crescimento no setor, ao ponto de existirem ofertas de última hora para o “reveillon” no nordeste em que um casal paga a viagem de uma pessoa e ganha duas viagens. A crise é um desespero, mas melhores tempos virão ainda que isso demore. A OCDE fala de “boom” em lugares como África do Sul, Índia, Brasil nos próximos 15 anos, mas é preciso ter em conta certas especificidades. Muitas vezes neste mercado, tal como noutros, é fácil adivinhar o futuro, difícil é saber quando é que esse futuro chega. O “timing” não é desprezível quando se trata de perspetivar os próximos tempos.


Certo é que a confiança está em alta: só os nove maiores grupos hoteleiros internacionais são responsáveis por mais de 2.500 novos projetos hoteleiros, totalizando mais de 550 mil novos quartos. Globalmente são muitos mais. Se estamos em presença de investimentos com sentido perante as boas perspetivas ou, pelo contrário, se será apenas mais uma de muitas bolhas de investimento… o futuro o dirá. Acreditamos mais num misto de ambos conforme as circunstâncias e os locais onde tudo isto acontece.

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