segunda-feira, 10 de outubro de 2016

A doença da Air Berlin e a "revolta da Bounty" na TUIfly

Já com algum atraso, do qual pedimos desculpa, publicamos agora o tópico inaugural que esperamos ser do maior interesse, porque trata de um assunto que por estes dias “incomodou” Hoteleiros em toda a Europa, especialmente no segmento “sol e praia”.

Não estava previsto ser este o primeiro tema de análise, mas os acontecimentos precipitaram-se. E quando se trata de transporte aéreo de turistas que visitam os nossos principais destinos e cuja permanência média tende a ser elevada, o tema é do maior interesse e atualidade. Pelo menos, estamos em crer que assim é. Estas notícias são a base de uma reflexão mais ampla, como adiante veremos.

Vamos por partes para termos uma visão global: desde logo, na semana anterior, chegava a uma conclusão óbvia uma novela triste da aviação alemã e europeia. A Air Berlin, companhia aérea problemática (prejuízos operacionais em 9 dos últimos 10 anos), anunciava uma reestruturação para resolver de vez os seus graves problemas. Uma empresa que cresceu, engordou, absorveu concorrência, mas que nunca soube lidar com as mudanças no setor. Uma empresa que, investiu, adquiriu concorrentes para ocupar espaço vital da concorrência (recorde-se a aquisição da maioria de capital da austríaca Air Nikki), apostou em mais destinos, inclusive intercontinentais e em diversas bases.

Nada deu certo. A segunda maior companhia germânica acumulava prejuízos. Não derrubou a liderança da Lufthansa, nem entendeu o novo paradigma das “low-costs” que invadiram o mercado. Sim, não é só a TUI e a Condor ou a incontornável Ryanair. Ainda há AirBaltic, Austrian-Airlines, Blue1, BMI Baby, Lot, Dauair, Helvetic, Intersky, SkyEurope, SmartWings, Transavia, VLM, Brussels Airlines and Wizz Air, entre várias outras. A Air Berlin ampliava bases, estava em todo o lado, não só em Berlin e Düsseldorf. Tentava controlar Palma de Maiorca e outros pontos importantes. Mas no fundo não era por aí. Não conseguia vender passagens a preços de concorrência, foi perdendo terreno sem reagir a sério. Ponto final.
Só desde 2006 (ano de entrada em Bolsa) perde um total acumulado de mil e duzentos milhões de euros. Nem a entrada da Ethiad (companhia de bandeira do Abu Dhabi) no capital da empresa (29% do total) ajudou: a parceria estratégica não mudou o estado das coisas. Um dia será feita a história deste fracasso, não nos cabe fazê-la em cima do acontecimento. Mas não podemos negar que a falta de adaptação aos novos tempos foi gritante. Veja-se como a Lufthansa há muito já havia mudado o seu paradigma com a introdução da marca Germanwings e, agora, com outra abrangência, Eurowings, modelo que até a nossa Tapzinha parece querer adotar.

Agora explodiu a bomba: a empresa vai “emagrecer” e para apenas metade do que era. Dos 144 aviões passa para 75 aeronaves. Vai concentrar operações em Berlim e Düsseldorf e focar-se nos segmentos de passageiros “premium”. Até 1.200 dos 8.600 postos de trabalho serão eliminados. Até o lugar do CEO, Stefan Pichler está em perigo. Demorou a apresentar um plano de saneamento que agradasse à “sócia” Ethiad. Quarenta aeronaves vão para a Lutfhansa (para a Eurowings, na realidade). Um esquema de arrendamento das mesmas está em estudo, ou mesmo a venda. Sendo assim, a Eurowings passa a ser a terceira maior “low-cost” da Europa. À atenção do mercado algarvio: isto é excelente se aumentar a oferta de voos sem acréscimo de custos, o que dependerá da restante concorrência.
Além disso, outras 14 aeronaves e ainda as da subsidiária Niki passam a ser operadas pela TUIfly, sabendo-se que quase todas as rotas com origem noutras cidades que não as duas mencionadas acima passam a ser parte da oferta das citadas companhias. A ideia é voltar aos lucros em 2018. O futuro dirá se é esta a solução definitiva. Também não são claros alguns aspetos burocráticos do negócio com a Eurowings e a TUIfly. Para já, as reservas confirmadas serão asseguradas, pelas aeronaves e respetivas tripulações.

Ora, esta série de eventos rápidos não passou despercebida aos funcionários da TUIfly. Tendo em memória a famosa deslocalização de serviços, como por exemplo, grande parte da manutenção efetuada na base central de Hannover passou a ser feita em Bucareste, com perda de postos de trabalho na Alemanha, o “staff” da TUIfly teme que estas mudanças no panorama da aviação comercial “espirrem” para cima dos próprios. Fala-se até que a TUIfly poderá, devido às mudanças na Air Berlin, ter em vista negócios com a Ethiad. A juntar a isto, já há algum tempo que estavam latentes reivindicações salariais no seio das tripulações da companhia, também maiores bónus de desempenho, mais compensações por horas extras, etc…
Na impossibilidade de uma greve rápida como protesto (faz falta um pré-aviso), a fórmula encontrada foi algo já testado em muitos lugares: uma estranha e coletiva série de baixas médicas, sobretudo no pessoal de cabine e pilotos, situação que levou ao cancelamento de quase todos os voos logo na última sexta-feira. No sábado não foi muito diferente. Centenas de voos cancelados logo no início das miniférias de Outono no importante estado da Renânia-Vestefália. Podemos adiantar que no Algarve, várias unidades Hoteleiras foram afetadas com evidente incómodo. Isto é válido para unidades debaixo de exploração pela TUI alemã ou que têm com a mesma importantes contratos de “allotment”. Neste domingo estavam quase todos “curados” das ditas doenças e os voos já estavam a ser retomados e a situação a começar a ser normalizada. Incrivelmente, a imagem da TUIfly acabaria por ser gravemente afetada, não tanto pela situação, semelhante a qualquer greve do setor, mas pela precipitada reação de um responsável da empresa, o qual declarou a intenção de não compensar os passageiros pelo transtorno, palavras que levaram a um quase tumulto no setor, já que isso seria uma grave violação da legislação em vigor em toda a EU.
Seja como for, mais um conflito interno de uma empresa a se desenrolar às custas do sofrimento do turista. Os sindicatos rejeitam a ideia de um protesto silencioso. A Administração fala em greve selvagem. Sabe-se que a falta de informação da companhia sobre a criação de última hora de voos especiais (já com aviões da Air Berlim) direcionados às férias de Outono terão sido a gota de água que fez transbordar o copo. Nem sequer havia ou há certezas de que Hannover continuará a ser o centro operacional da TUIfly. Mais novidades são esperadas, mas apenas para meados de novembro.

Na verdade trata-se de uma pequena revolta da Bounty dos tempos modernos. Na impossibilidade de empurrar o capitão pela borda fora, as tripulações usaram a única hipótese legal de protesto rápido. E não é difícil justificar uma baixa médica (física e/ou psicológica) no âmbito dessa stressante profissão. Esta fórmula não é inédita. O que muitos não sabem é que, mesmo em unidades hoteleiras, tal já foi feito, individualmente ou em grupo.

A lição ou lições a tirar desta situação: desde logo a falta de transparência no seio destas empresas. Companhias que estejam de alguma forma ligadas ao setor turístico não devem, de modo nenhum, deixar de comunicar melhor as transformações, seja aos funcionários, seja aos clientes. Há uma grande relação de proximidade comercial e até de algum “afeto” pessoal por parte dos passageiros da companhia A ou B ou dos hóspedes do hotel A ou B. Se há setor onde se pode falar em fidelização é neste. As pessoas sentem (por vezes de forma abusiva) que o avião, o quarto, o veículo, o restaurante lhes pertencem. Isso ocorre também pela afinidade que os funcionários das empresas ajudam a criar graças à simpatia e ao nom serviço. Cria-se uma situação de empatia.
Por outro lado há essa situação de revolta surda: em meio de um “boom” na atividade turística (vem aí em breve um tópico sobre esse assunto), as empresas não tiveram visão para antecipar o mesmo. Com isto, criou-se uma enorme pressão sobre o pessoal da aviação sem as devidas compensações, sendo elas ou a melhoria salarial ou bónus especial. Nem tão pouco se ampliou o quadro do pessoal, a não ser por quadros sazonais sem a formação apropriadas para adaptação às empresas. Se isso é válido em momentos de crise e foi inevitável na sequência das crises pós-2008, não faz o menor sentido quando a situação inverte. E desde 2012 existiam sinais claros de uma melhoria da situação. Isto aplica-se também aos transportes terrestres, mas também à Hotelaria clássica e à Restauração. De repente, a maioria dos empresários viu-se sem pessoal de cozinha, de limpeza, entre outros, à altura da nova realidade.
Para piorar este cenário, muitos profissionais haviam “migrado” em busca de trabalho, mas mais importante ainda, bons profissionais com provas dadas saíram das empresas, não por falta de trabalho, mas por melhores condições em geral. Foi assim na aviação e em todos os setores. É o mercado a funcionar. O mesmo mercado que fez contrair, piorar as condições em tempos de crise, funciona também ao contrário. A procura aumentou verdadeiramente com todas as consequências que daí advêm.

Esta situação é transversal a quase toda a Hotelaria Europeia, similares e serviços conexos. Que isto sirva de reflexão. Só se poderá oferecer um bom serviço, sustentar ótima relação qualidade/preço e ser concorrencial, se existirem condições plenas para isso. E quem quiser consolidar a sua imagem de marca, de modo a poder navegar e sobreviver em tempos menos bonançosos, já sabe o que tem a fazer: qualidade, modernização, ponta tecnológica, sustentabilidade, responsabilidade social.

Cada um tire as suas próprias conclusões.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.