segunda-feira, 10 de abril de 2017

Voando sobre um ninho de cucos - parte II

(continuação da parte I)

A Portela+1 não é o que parece. Na verdade ainda nem sabemos se passa no impacte ambiental. Sabemos, sim, que a generalidade dos pilotos e operadores de torre de controlo não gostam da proximidade entre ambos, por razões técnicas e de segurança. Conseguimos falar com um ou outro piloto sob anonimato. Todos afirmam que ficaremos em Lisboa com um espaço aéreo mais confuso. Os fatores de perigo aumentam devido à proximidade entre aeroportos. É que, ao contrário, dos visionários que pululam neste país, o Montijo não é o terminal da Portela do outro lado do rio. Não, também não serão duas pistas separadas por um rio (que visionários). São estruturas diferentes, em que a segunda delas (assumindo que é o Montijo), implica em outra torre de controlo, outra estrutura de segurança, outro terminal e por aí fora. Na verdade nem se devia utilizar a expressão Portela +1. É outro aeroporto, com uma realidade subjacente claramente diferente do atual. Confere a possibilidade de manter a Portela como uma estrutura viável por mais alguns anos. Falamos em alguns anos porque, como se pode facilmente ver nos arquivos de notícias, algumas vozes pertinentes começam a se questionar sobre a validade temporal desta solução. Dará para 15 anos? Para 7 anos? Mais? Menos? Ninguém sabe honestamente responder.

Do ponto de vista comercial as coisas tornam-se ainda mais interessantes, pois existem muitas questões latentes: será o aeroporto +1 uma maneira de “libertar” a Portela de Sacavém de tantos voos LCC? Seria isso uma estratégia para agradar à TAP e a outras FSC que desejam expandir a atividade em Lisboa? Será uma maneira de fazer do Montijo uma base para as LCC que tenham a ambição de usá-lo como aeroporto base? Um “mix” do que está acima, talvez?

As dúvidas vão manter-se. Mas há verdades que devem ser consideradas. O aeroporto de Lisboa (atual) só está esgotado ou prestes a se esgotar graças à explosão das LCC. Se apenas existisse a realidade de há vinte anos atrás, nem o aeroporto se esgotaria tão rápido, nem o turismo seria o que é atualmente. O crescimento de passageiros desembarcados em companhias FSC é interessante mas não pode ser comparado aos desembarcados em LCC. Das últimas é que veio o crescimento do aeroporto de Lisboa. Das mesmas é que virá o crescimento futuro. Só não sabemos é a sua estratégia. Seguem-se negociações muito duras entre cada uma delas e a ANA, em que o tema seguramente será a contabilização dos custos mediante a percentagem de voos da companhia X a serem desviados para o Montijo. Na Portela, existem alguns voos noturnos, mas reduzidos em relação aos que ocorrem de dia. Será assim também no Montijo? Tudo leva a crer que sim, o que levanta a questão da escassez de “slots” nos aeroportos de origem, sobretudo na época alta.
Uma questão pouco falada é a incapacidade da Portela de receber “super jumbos” como os atuais A380 e o Dreamliner. Assumindo que o mesmo vai acontecer no Montijo, vamos perder o futuro, o qual consiste na utilização de aeronaves maiores e com muito maior eficiência energética. Estamos condenados às aeronaves menores que cada vez mais são rotas para alimentar os grandes “hubs”.

Há que abrir os olhos: um dia, vamos assistir à entrada de A380 e Dreamliners no mundo das LCC. Impossível porque é caro? A Norwegian já o fez em voos intercontinentais. Aliás, também diziam que era impossível as LCC entrarem sequer no território dos voos intercontinentais. Vejam, então, a revolução operada pela Norwegian. É possível viajar entre a Europa e a América do norte por apenas 100 dólares (só ida). Talvez fosse bom pedir a opinião do respetivo CEO (Bjorn Kjos), um dos maiores especialistas, com muitas décadas desta industria e provas dadas, o que ele pensa sobre como deverá ser um aeroporto no futuro. E que tal a Ryanair começar a vender no seu website passagens de outras companhias low-cost, oferecendo, assim, rotas complementares às suas. Não é ilusão, já está em estudo e há a intenção de começar tão breve quanto possível, fazendo parcerias com as concorrentes Air Lingus e Norwegian. A mesma Ryanair já antevê voos a custo zero (claro que não são grátis, tal como as famosas passagens a um euro não eram bem a um euro), conceito que implica em negociações muito duras com as empresas aeroportuárias.

Poderíamos fazer um tópico enorme sobre os novos desafios, mas seria cansativo para o leitor, mas a “bottom line” é aqui bem clara: as decisões que se tomam neste país são tão demoradas, tão hesitantes e tão erróneas que nos levam a acreditar que esta solução estará completamente obsoleta quando finalmente estiver em funcionamento. Sim, é claro que pode adiar o problema por algum tempo, mas não parece ser “a” solução para o século XXI. Temos pena, mas até no setor dos transportes ainda estamos para entrar na Europa civilizada, com exceção, em parte, da componente rodoviária. Perdemos muito tempo na questão do novo aeroporto de Lisboa. Nunca é tarde para emendar a mão.

Uma nota final para a questão emergente do Faro +1. No país do tudo +1, já se fala de como o aeroporto de Faro, o qual também não tem grandes hipóteses de expansão, precisa de um complemento. Não, senhoras e senhoras. Não precisamos de um Faro +1 (provavelmente perto de Tunes, no centro do Algarve) que seja pensado agora para funcionar daqui a dez ou vinte anos. Precisamos apenas de cumprir aquilo que já existe no planeamento do território, neste caso no PROTalgarve.


Este documento legal está em vigor e já prevê a possibilidade de um aeroporto na extrema (fronteira) dos concelhos de Lagos e Portimão. Por isso, não percam tempo à procura de locais nem percam dinheiro em estudos. Já foi tudo feito. Não vamos entrar, de novo, nas raias da loucura. É só seguir o senso comum e pensar numa estrutura simples para atender o aumento de LCC no Algarve durante o chamado verão IATA. Simples assim. Com um pouco de sorte (ou um milagre) haverá alguém a alimentar esta ideia num espaço de três a cinco anos. Se o turismo continuar na atual senda, será segura e rapidamente tema na imprensa “mainstream”.

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