(Regressamos após longa ausência, pela qual nos desculpamos)
Antes de mais uma das muitas projeções para o turismo em
2019, vale a pena rever a continuação do sucesso mundial do turismo em 2018 –
em praticamente todo o lado se excederam as expetativas, embora haja exceções,
as quais deverão passar por mercados como o dos EUA, mas isso vamos guardar
para outras núpcias. Lá para Março poderemos ter uma melhor ideia sobre os
números finais. Do que se depreende, pelos três primeiros trimestres de 2018,
tivemos em quase todo o lado um aumento de receitas gerais, embora com
segmentos mais lucrativos do que outros. Ainda assim, nada de conclusões
precipitadas.
Existe algo que se pode facilmente afirmar, tendo em conta
os números dos últimos anos. Após os altos e baixos verificados entre 2008 e
2014 (que ainda assim não impediram um crescimento global do mercado de viagens
e turismo), ocorreu um enorme “boom” entre Março de 2015 e Setembro de 2017.
Voltamos a esclarecer que esta é uma contagem global, pelo que fenómenos
localizados de crise (tipo Turquia) por esta ou por aquela razão não são tidos
em conta. A maioria das regiões turísticas ibéricas, beneficiando dessas crises
localizadas (mais uma vez) até participou fortemente no crescimento desses dois
anos e meio de ouro. Há que acrescentar que ao se falar em “boom” naquele
período, não quer dizer que antes ou depois do mesmo se fale em crise. Nem de
perto nem de longe. Pode-se falar do regresso a um crescimento mais de acordo
com a média histórica. Aquele não foi um período normal. Aliás, esses períodos
são sempre excecionais, embora a sua extensão temporal leve a crer que as
coisas vão ficar assim para todo o sempre. A velha frase “desta vez é
diferente” não deixa de induzir em erro os menos experientes. Os períodos de
euforia são raros, mas historicamente persistentes e, infelizmente, acabam. O
que é bom sempre acaba. A boa notícia é: nem sempre o fim de um “boom”
significa crise ou recessão. Pode levar a um período de maiores dificuldades e
desafios que serve até para a correção dos excessos do período anterior. Mas
isso não é necessariamente sinal de fim de festa. É, na maioria das vezes, um
período de ressaca da própria festa. Naquele período, com crescimentos nalguns
casos superiores a 10% ao ano (em relação ao período homólogo anterior), a
festa foi grossa. Permitiu que muitos projetos saíssem do papel, permitiu a
reposição da liquidez para muitos agentes com dificuldades de acesso fácil ao capital,
permitiu, sobretudo, algo muito mais importante, a recuperação da confiança (tantas
vezes) perdida.
Um sucesso em continuidade, com muita satisfação para dar e
vender.
A nível mundial, quer em 2017 quer em 2018, viajaram pelo
menos uma vez ao ano para um país estrangeiro mais de mil e trezentos milhões
de seres humanos, em qualquer dos anos um aumento de 6% ou mais, em relação ao
ano anterior. Ainda há pouco tempo, o mercado comemorava o número mágico de mil
milhões. Provavelmente teremos, antes de 2030, cerca de dois milhões de pessoas
a viajar em férias para países estrangeiros. A maioria desse crescimento
impressionante está a ser, e deverá assim continuar, oriundo da região
Ásia-Pacífico. Tal não significa que o resto do mundo esteja em estagnação.
Trata-se apenas de diferenças normais entre aquela e as restantes zonas.
Normais devido à óbvia divergência entre a velocidade dos respetivos ritmos de
crescimento económico. Nenhuma previsão deve acertar em cheio, sobretudo devido
a fatores imponderáveis, mas, à luz do que sabemos agora, devemos levar esta
previsão em boa conta.
Isto não significa, porém, que os ditos imponderáveis não
tenham o seu peso numa análise fria do mercado de viagens e turismo. Este
mercado sempre foi afetado negativamente por fenómenos surpreendentes. Que o
digam destinos como a Tunísia, Egito ou Turquia, só para citar os mais falados.
Ironicamente, o retorno dos turistas aos mencionados destinos está a ser uma
realidade, sendo já um fator de preocupação para os ibéricos.
É por isso que este sucesso estrondoso em destinos como
Portugal, poderá ser ensombrado por algumas nuvens negras que estão no
horizonte.
Desde logo, facto incontornável, a diminuição do crescimento
das economias do mundo ocidental. Não quer dizer que as restantes não
apresentem igualmente problemas, mas falo destas por se tratarem dos países
emissores de turistas para Portugal na sua larga maioria (mais de 95%). Isso
deverá implicar um travão no crescimento a que nos habituámos ou mesmo uma
certa estagnação. O atual quadro de incertezas na União Europeia (nervosismo
social) com destaque para a situação do Reino Unido (Brexit) poderá ser uma
“pedra no sapato” para os destinos Algarve e Madeira. No caso do Algarve,
poderá obrigar a uma contração (ou estagnação) de preços dos voos, dos extras e
até do alojamento. Poderá afetar mesmo as vendas de alimentação e bebidas e de
outro tipos de experiências. Vendo bem, num quadro de crise, mesmo quem viaja
para o estrangeiro acaba por poupar mais dinheiro do que num quadro de
normalidade. No caso dos voos “low cost” não se prevê qualquer tipo de inflação
uma vez que o preço do petróleo está a níveis bem favoráveis. Isso é bom. Mas o
que é bom para nós também o é para a concorrência. O “low cost” alimentado por
combustível barato leva a que seja possível agora viajar em conta para destinos
fora da Europa, precisamente com origem em mercados que nos interessam, como o
britânico, o alemão ou mesmo o nórdico. O petróleo barato é, ironicamente, mau
para o nosso destino, pois permite o surgimento do “super low-cost”. Voos
baratos destinados a locais geograficamente mais distantes do centro da Europa.
Eis uma realidade a que nos teremos de adaptar, uma das tais nuvens negras.
Além disso, há um retorno evidente a destinos que,
recentemente, estiveram em crise, sendo que alguns deles estão a nos
ultrapassar em termos de relação qualidade / preço. Se é verdade que a questão
da segurança sempre terá muito peso no segmento Sol e Praia, também é verdade
que a política de preços não lhe fica nada a dever. A acrescentar a este
retorno a destinos que estiveram “out” durante algum tempo, temos novos
destinos a entrarem em concorrência direta. Isso deverá ser prejudicial aos
destinos mais “maduros”, como o nosso. Finalmente, um fenómeno muito
desprezado, mas que não deixa de ser uma realidade tão esquecida: os destinos
muito procurados, beneficiários do referido “boom” também têm momentos de
“cansaço”. O que significa isto?
O cansaço advém da psicologia (normal) do viajante /
turista. Após viagens consecutivas ou interpoladas ao mesmo destino, a
tendência é a de procurar conhecer outros destinos. Há até uma faixa
significativa de turistas que jamais repete um destino ou que só regressa a um
destino com maior frequência após se aposentar. Neste caso, porém, estamos a
falar dos clientes habituais ou semi-habituais de um destino. Até estes
turistas têm a tendência de, por vezes, sem nunca abandonarem a intenção de
voltar ao seu destino predileto, procurarem novas experiências, quer em
destinos semelhantes, quer noutros totalmente diferentes. Estas pessoas
voltarão sempre a “casa”, muitas vezes à mesma cidade, aos mesmos restaurantes
e alojamentos, mas a tendência atual é a de, aqui e ali, procurarem conhecer
outras coisas. Em resumo, fidelidade sim, mas não a 100% como ocorre com
algumas pessoas. É mais uma forma de se entender o conceito do cansaço de um
destino.
Por outro lado, a busca por novas experiências deve ser
motivo de reflexão. O mundo das “viagens já viajadas” tem destas ironias. O
consumidor procura avidamente experiências. Isso já todos sabemos. A questão é
o esquecimento das consequências diretas: quando um destino de “sol e praia”
tem poucas opções de experiências marcantes, a tendência é a busca por um
destino semelhante que ofereça mais e melhores experiências. E quando falamos
em experiências, há a tendência para a asneira: muitos procuram oferecer algo
de mirabolante quando o correto seria, nesse campo, o “back to basics” com
qualidade e autenticidade.
As nuvens negras já causam mesmo alguns arrepios. Os
investimentos de AL, sobretudo em Lisboa e no litoral algarvio, já começam a
não se pagar a eles próprios. Vários proprietários tentam mesmo regressar ao
arrendamento clássico. Algumas unidades hoteleiras devem fechar o ano sem crescimento
de lucros, situação oposta à de anos anteriores.
Acreditamos no sucesso e no crescimento, mas não se
deve negar os sinais e as evidências. Os próximos tempos serão tempos de
desafios e mais dificuldades. Na verdade nunca houve facilidades. O que houve
foi um crescimento tão acelerado e rápido que levou a uma certa ilusão e euforia...