Não se assuste caro leitor, este continua a ser o seu blogue
de turismo e, apesar do título deste tópico, não nos vamos debruçar sobre a
extraordinária obra do escritor Ken Kesey, tornada célebre pelo famoso filme
realizado por Milos Forman, onde se colocavam em causa os limites, as virtudes,
os conceitos da psicologia e da psiquiatria numa América em metamorfose pelas
lutas pelos direitos cívicos, clivada pelos efeitos de guerras, frias e
quentes.
O título é assim escolhido, porque nestes tempos de decisões
estruturantes sobre o futuro da aviação comercial em Portugal, perante muito do
que já foi ou está prestes a ser decidido, perante muito do que foi dito e
escrito, devemos mais uma vez questionar se algumas das decisões e das coisas
ditas nos últimos conturbados anos não cairão mesmo na área da psicologia. Como
não dominamos essa área, deixamos espaço para a livre reflexão de cada um,
voltando as nossas atenções para aquilo que realmente interessa para o futuro
do turismo.
O país disto e daquilo e… +1
Terá sido por influência da célebre intervenção do
ex-futebolista Paulo Futre, que defendia uma equipa com 10 jogadores e mais 1, (sendo
este o melhor jogador Chinês, para atrair “charters” carregados de adeptos
Chineses ao futebol em Alvalade), que Portugal passou a ser o país de alguma
coisa e “mais um”.
Isto tudo vem a propósito da intenção de aproveitar a Base
Aérea do Montijo para “complementar” o quase esgotado Aeroporto da Portela
(Humberto Delgado). Um assunto já velho, quase abandonado na sequência das
várias crises, entretanto recuperado pelo “boom” do “travel market” que
rapidamente elevou o número de passageiros desembarcados na Portela, sobretudo
com influência das LCC (low cost carriers), a um ponto que levou os
responsáveis a considerar que a Portela vai entrar brevemente em rutura.
Já defendemos neste espaço que uma estratégia de muito longo
prazo implicaria seguramente na construção de um enorme aeroporto de raiz. Nos
anos quarenta e cinquenta do século passado, a Portela servia muito bem os
propósitos da aviação comercial da época, prevendo-se que poderia ser
suficiente por muitas décadas. Assim foi. Nessa época, ainda que localizado no
município de Lisboa, estava longe do centro e de áreas urbanizadas. Mais tarde,
a cidade expandiu-se, tal como qualquer capital, passando o Aeroporto e
pertencer à malha urbana, condicionando toda e qualquer política de urbanismo
da capital. Se alguma vez tivesse ocorrido um acidente do género dos que
ocorreram em São Paulo/Congonhas, talvez já não existisse Portela. Felizmente
correu tudo bem. O Aeroporto de Lisboa cumpriu a sua missão, cresceu e
modernizou-se em simultâneo com a evolução do turismo, mas não poderia se
expandir até ao infinito, pelo que começou a ser discutida a sua substituição.
Hoje é comum dizer-se que as graves crises financeiras do
início do século XXI levaram ao abandono do projeto NAL (novo aeroporto de
Lisboa). Nada mais enganador. As crises foram apenas o bode expiatório para
adiar/abandonar o projeto. As elites políticas (e não só) da capital nunca
quiseram realmente avançar, perdendo assim o seu “aeroportozinho à porta de
casa” para poderem usar “a companhia de bandeira” com o intuito de viajar até
Bruxelas ou outro qualquer destino do seu interesse profissional ou pessoal. O
resto foram desculpas mais ou menos convenientes. A crise foi uma delas, tal
como o discurso de que os investimentos diretos e indiretos eram demasiado
elevados. Entre outras críticas, dizia-se que o novo aeroporto seria mau para o
crescente turismo da capital.
Facilmente se verifica que uma infraestrutura para cem anos
é dispendiosa, sim, mas é um investimento de muito longo prazo. E não teria
necessariamente de ser um investimento 100% público. A não ser que alguém
acredite que o turismo vai contrair no dito longo prazo, essa narrativa não se
sustenta. Nós estamos com aqueles que afirmam que, salvo uma hecatombe, o
turismo e as viagens são atividades em crescimento de longo e muito longo
prazo. Os grandes especialistas internacionais defendem o mesmo, com base em
dados muito concretos, próprios de quem está diariamente no terreno. Ao mesmo
tempo, porque é que o NAL era mau para o turismo lisboeta e nacional? Então, o
turismo de Madrid não está em crescimento, sabendo-se onde fica Barajas e onde
fica o centro da capital espanhola? E Paris? É o facto de Orly ou Charles de
Gaulle ou Beauvais ficarem longe da cidade que é prejudicial, ou são os ataques
terroristas? E Londres, Colónia, Amesterdão, etc…? O que faz realmente diferença
é a qualidade das acessibilidades entre aeroporto e as zonas emblemáticas das
cidades, entre aeroporto e regiões turísticas por excelência. Veja-se a
diferença que fez a expansão do Metro de Lisboa até à porta do terminal 1 (embarque)
da Portela. Observe-se que nem todos os chamados aeroportos “low cost” são
iguais. Na Alemanha há bons “case studies”. O Aeroporto de Memmingen (Baviera)
é um sucesso, principalmente para as LCC, porque tem fácil acesso ferroviário
(e rodoviário também já agora) quer ao centro de Munique (50 minutos de
comboio), quer até ao principal aeroporto da cidade (MUC). Este último, sendo
um dos grandes aeroportos germânicos tem excelentes acessibilidades de um modo
geral. Já o chamado Frankfurt-Hahn é um caso totalmente diferente uma vez que
não tem ligação ferroviária para a cidade sede do Banco Central Europeu,
limitando-se a autocarros e “transfers” para as cidades mais importantes da
parte oeste da Alemanha, o que lhe retira importância (ao menos também tem voos
de carga), o que não impede que a Ryanair consiga angariar clientes para os
voos com origem/destino nessa infraestrutura, naquilo que se pode chamar “extreme
low cost”.
Do que foi dito acima, o que importa reter é o seguinte: o sucesso
e a viabilidade deste tipo de infraestrutura não dependem somente da
localização “de proximidade”, mas também das acessibilidades a centros urbanos
e locais de elevado interesse económico, do espaço disponível e da possibilidade
de expansão futura, dos “slots”, da conveniência, da integração de espaços
comerciais complementares e, entre outros fatores como o impacto ambiental, de
algo muito importante e pouco discutido como é a adaptação da infraestrutura às
novas formas de comercialização da aviação comercial, ponto fundamental que
focaremos daqui a pouco.
Perguntarão muitos porque o aeroporto de Beja, antiga base
aérea, não servia para complementar a Portela, nem resultou como realidade
autónoma? Desde logo está longe das realidades que o poderiam viabilizar, está
longe tanto da grande Lisboa como do litoral algarvio. Longe em geografia e em
acessibilidades. Perder-se-ia, em tempo e em dinheiro, o efeito do possível
baixo custo do voo. A ANA ainda pode fazer alguma coisa: Beja poderá ter um ou
outro voo “low cost”, alguma operação privada de pequena monta, poderá existir
parqueamento de longo prazo de aeronaves, treino de pilotos, manutenção e
desmontagem de aviões e algo mais, inclusive ter voos de carga desde que exista
um “interface” viável com o porto de Sines, algo que só ocorrerá caso as
acessibilidades há muito previstas sejam concluídas. De qualquer modo, Beja não
será nunca aquilo que Faro e Porto representam no mundo das viagens e turismo. É
mais fácil encontrar alguma viabilidade comercial pontual em pequenos aeródromos
do interior, do que em Beja. Tampouco Lisboa é ou será um impedimento do crescimento
dos referidos aeroportos a norte e sul. Não o é com Portela+1 nem o seria com o
NAL, ao contrário do que afirma o presidente da CM Porto. Basta ver o que se
passa na fronteira tríplice Bélgica/Holanda/Alemanha e zonas vizinhas. Há muita
gente, sem dúvida, mas há dezenas de opções para voar, que podem parecer
concorrentes entre si, mas que na verdade são necessárias e complementares.
Nesses países não há mentalidades pequeninas.
Assim, cometemos a loucura coletiva de abandonar uma das
nossas poucas possibilidades de elevação da competitividade de longo prazo no
setor da aviação comercial. Como veremos na 2ª parte, o NAL não seria um “elefante
branco”, ao contrário de muitos outros projetos que inundaram o país, baseados em
pseudo-estudos de pseudo-especialistas, com os resultados que estão bem à
vista. Se o Marquês de Pombal tivesse dado ouvidos aos que achavam uma loucura
(por parecer enorme) o projeto que hoje conhecemos por Baixa Pombalina, a
história urbana do centro da capital teria sido diferente para pior. Loucura
teria sido, sabemo-lo, não fazer acontecer tal como ainda hoje se apresenta.
(fim da 1ª parte)
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