terça-feira, 4 de abril de 2017

Voando sobre um ninho de cucos - parte I

Não se assuste caro leitor, este continua a ser o seu blogue de turismo e, apesar do título deste tópico, não nos vamos debruçar sobre a extraordinária obra do escritor Ken Kesey, tornada célebre pelo famoso filme realizado por Milos Forman, onde se colocavam em causa os limites, as virtudes, os conceitos da psicologia e da psiquiatria numa América em metamorfose pelas lutas pelos direitos cívicos, clivada pelos efeitos de guerras, frias e quentes.
O título é assim escolhido, porque nestes tempos de decisões estruturantes sobre o futuro da aviação comercial em Portugal, perante muito do que já foi ou está prestes a ser decidido, perante muito do que foi dito e escrito, devemos mais uma vez questionar se algumas das decisões e das coisas ditas nos últimos conturbados anos não cairão mesmo na área da psicologia. Como não dominamos essa área, deixamos espaço para a livre reflexão de cada um, voltando as nossas atenções para aquilo que realmente interessa para o futuro do turismo.


O país disto e daquilo e… +1
Terá sido por influência da célebre intervenção do ex-futebolista Paulo Futre, que defendia uma equipa com 10 jogadores e mais 1, (sendo este o melhor jogador Chinês, para atrair “charters” carregados de adeptos Chineses ao futebol em Alvalade), que Portugal passou a ser o país de alguma coisa e “mais um”.
Isto tudo vem a propósito da intenção de aproveitar a Base Aérea do Montijo para “complementar” o quase esgotado Aeroporto da Portela (Humberto Delgado). Um assunto já velho, quase abandonado na sequência das várias crises, entretanto recuperado pelo “boom” do “travel market” que rapidamente elevou o número de passageiros desembarcados na Portela, sobretudo com influência das LCC (low cost carriers), a um ponto que levou os responsáveis a considerar que a Portela vai entrar brevemente em rutura.

Já defendemos neste espaço que uma estratégia de muito longo prazo implicaria seguramente na construção de um enorme aeroporto de raiz. Nos anos quarenta e cinquenta do século passado, a Portela servia muito bem os propósitos da aviação comercial da época, prevendo-se que poderia ser suficiente por muitas décadas. Assim foi. Nessa época, ainda que localizado no município de Lisboa, estava longe do centro e de áreas urbanizadas. Mais tarde, a cidade expandiu-se, tal como qualquer capital, passando o Aeroporto e pertencer à malha urbana, condicionando toda e qualquer política de urbanismo da capital. Se alguma vez tivesse ocorrido um acidente do género dos que ocorreram em São Paulo/Congonhas, talvez já não existisse Portela. Felizmente correu tudo bem. O Aeroporto de Lisboa cumpriu a sua missão, cresceu e modernizou-se em simultâneo com a evolução do turismo, mas não poderia se expandir até ao infinito, pelo que começou a ser discutida a sua substituição.

Hoje é comum dizer-se que as graves crises financeiras do início do século XXI levaram ao abandono do projeto NAL (novo aeroporto de Lisboa). Nada mais enganador. As crises foram apenas o bode expiatório para adiar/abandonar o projeto. As elites políticas (e não só) da capital nunca quiseram realmente avançar, perdendo assim o seu “aeroportozinho à porta de casa” para poderem usar “a companhia de bandeira” com o intuito de viajar até Bruxelas ou outro qualquer destino do seu interesse profissional ou pessoal. O resto foram desculpas mais ou menos convenientes. A crise foi uma delas, tal como o discurso de que os investimentos diretos e indiretos eram demasiado elevados. Entre outras críticas, dizia-se que o novo aeroporto seria mau para o crescente turismo da capital.

Facilmente se verifica que uma infraestrutura para cem anos é dispendiosa, sim, mas é um investimento de muito longo prazo. E não teria necessariamente de ser um investimento 100% público. A não ser que alguém acredite que o turismo vai contrair no dito longo prazo, essa narrativa não se sustenta. Nós estamos com aqueles que afirmam que, salvo uma hecatombe, o turismo e as viagens são atividades em crescimento de longo e muito longo prazo. Os grandes especialistas internacionais defendem o mesmo, com base em dados muito concretos, próprios de quem está diariamente no terreno. Ao mesmo tempo, porque é que o NAL era mau para o turismo lisboeta e nacional? Então, o turismo de Madrid não está em crescimento, sabendo-se onde fica Barajas e onde fica o centro da capital espanhola? E Paris? É o facto de Orly ou Charles de Gaulle ou Beauvais ficarem longe da cidade que é prejudicial, ou são os ataques terroristas? E Londres, Colónia, Amesterdão, etc…? O que faz realmente diferença é a qualidade das acessibilidades entre aeroporto e as zonas emblemáticas das cidades, entre aeroporto e regiões turísticas por excelência. Veja-se a diferença que fez a expansão do Metro de Lisboa até à porta do terminal 1 (embarque) da Portela. Observe-se que nem todos os chamados aeroportos “low cost” são iguais. Na Alemanha há bons “case studies”. O Aeroporto de Memmingen (Baviera) é um sucesso, principalmente para as LCC, porque tem fácil acesso ferroviário (e rodoviário também já agora) quer ao centro de Munique (50 minutos de comboio), quer até ao principal aeroporto da cidade (MUC). Este último, sendo um dos grandes aeroportos germânicos tem excelentes acessibilidades de um modo geral. Já o chamado Frankfurt-Hahn é um caso totalmente diferente uma vez que não tem ligação ferroviária para a cidade sede do Banco Central Europeu, limitando-se a autocarros e “transfers” para as cidades mais importantes da parte oeste da Alemanha, o que lhe retira importância (ao menos também tem voos de carga), o que não impede que a Ryanair consiga angariar clientes para os voos com origem/destino nessa infraestrutura, naquilo que se pode chamar “extreme low cost”.

Do que foi dito acima, o que importa reter é o seguinte: o sucesso e a viabilidade deste tipo de infraestrutura não dependem somente da localização “de proximidade”, mas também das acessibilidades a centros urbanos e locais de elevado interesse económico, do espaço disponível e da possibilidade de expansão futura, dos “slots”, da conveniência, da integração de espaços comerciais complementares e, entre outros fatores como o impacto ambiental, de algo muito importante e pouco discutido como é a adaptação da infraestrutura às novas formas de comercialização da aviação comercial, ponto fundamental que focaremos daqui a pouco.

Perguntarão muitos porque o aeroporto de Beja, antiga base aérea, não servia para complementar a Portela, nem resultou como realidade autónoma? Desde logo está longe das realidades que o poderiam viabilizar, está longe tanto da grande Lisboa como do litoral algarvio. Longe em geografia e em acessibilidades. Perder-se-ia, em tempo e em dinheiro, o efeito do possível baixo custo do voo. A ANA ainda pode fazer alguma coisa: Beja poderá ter um ou outro voo “low cost”, alguma operação privada de pequena monta, poderá existir parqueamento de longo prazo de aeronaves, treino de pilotos, manutenção e desmontagem de aviões e algo mais, inclusive ter voos de carga desde que exista um “interface” viável com o porto de Sines, algo que só ocorrerá caso as acessibilidades há muito previstas sejam concluídas. De qualquer modo, Beja não será nunca aquilo que Faro e Porto representam no mundo das viagens e turismo. É mais fácil encontrar alguma viabilidade comercial pontual em pequenos aeródromos do interior, do que em Beja. Tampouco Lisboa é ou será um impedimento do crescimento dos referidos aeroportos a norte e sul. Não o é com Portela+1 nem o seria com o NAL, ao contrário do que afirma o presidente da CM Porto. Basta ver o que se passa na fronteira tríplice Bélgica/Holanda/Alemanha e zonas vizinhas. Há muita gente, sem dúvida, mas há dezenas de opções para voar, que podem parecer concorrentes entre si, mas que na verdade são necessárias e complementares. Nesses países não há mentalidades pequeninas.


Assim, cometemos a loucura coletiva de abandonar uma das nossas poucas possibilidades de elevação da competitividade de longo prazo no setor da aviação comercial. Como veremos na 2ª parte, o NAL não seria um “elefante branco”, ao contrário de muitos outros projetos que inundaram o país, baseados em pseudo-estudos de pseudo-especialistas, com os resultados que estão bem à vista. Se o Marquês de Pombal tivesse dado ouvidos aos que achavam uma loucura (por parecer enorme) o projeto que hoje conhecemos por Baixa Pombalina, a história urbana do centro da capital teria sido diferente para pior. Loucura teria sido, sabemo-lo, não fazer acontecer tal como ainda hoje se apresenta.
(fim da 1ª parte)

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