Já passaram cerca de seis
meses desde a publicação do tópico “Alojamento Local – negócio ou outra coisa
qualquer?”, o qual pode ser facilmente encontrado no arquivo. É bom revê-lo
para melhor entendermos este novo tópico.
Na época, insurgimo-nos
contra a lentidão do legislador a reagir às realidades socioeconómicas. Também
sobre o facto de a atualização das condições do AL ter sido muito
“Lisboa-dependente”. Afinal, problemas que surgiram na capital, já o eram há
muito noutras terras onde o turismo já era uma atividade preponderante nas
respetivas economias. Na altura, o Tribunal da Relação de Lisboa anunciou um Acórdão que deu razão a uma Assembleia de
Condóminos que queria impedir um dos proprietários do prédio em causa de abrir
o seu estabelecimento de alojamento local. Na verdade, a decisão estava tomada
em outra instância, mas o proprietário avançou com uma providência cautelar
para parar essa proibição, situação que foi derrubada pelo Tribunal da Relação.
Desconfiávamos que o assunto iria parar ao Supremo Tribunal de Justiça. Assim
foi. Este último acabou por dar razão ao proprietário, contrariando a Relação
de Lisboa. Apesar de incrédulos pelo facto do Tribunal superior ter aceite a
argumentação de que, ainda que a propriedade seja usada para um negócio, não
deixa de ser uma habitação, não sendo assim considerado imóvel comercial (!),
não ficámos surpreendidos pela decisão.
Apesar de não
termos formação superior em Direito, continuamos a pensar que um imóvel
habitacional, terá de ser considerado “também” comercial, pelo que facto de
nele se desenvolver uma atividade que, do ponto de vista da fiscalidade, é
exatamente igual a um hotel ou a um parque de campismo, etc… mas, reafirmamos,
a situação não nos surpreende por uma simples razão: o STJ entendeu não forçar jurisprudência em relação a uma situação que havia sido alvo de mudanças
recentes por parte de quem tem autoridade para legislar. Sendo assim, havia na
letra de Lei uma alteração recente que “per si” justificava esta decisão.
Queremos com isto dizer que a nova legislação que regula o chamado Alojamento
Local deixou cair uma premissa antiga na qual se exigia que um estabelecimento
do género, se localizado num imóvel em propriedade horizontal, só poderia ser
registado como tal com autorização do condomínio, sendo necessário apresentar
mesmo uma cópia da ata da assembleia geral do mesmo, onde a decisão favorável
tenha sido tomada. Sem isso, não era possível dar-se início ao processo de
registo e legalização. Ou seja, a nova lei deixou cair este parágrafo, ficando
subentendido que o proprietário podia fazer o que quisesse, sem pedir nada a
ninguém. A partir daí, os vizinhos (enfurecidos) de proprietários de
estabelecimentos de AL tentaram, por falta de alternativa, recorrer aos
tribunais, alegando que o código civil ainda impedia a transformação, sem
autorização, de imóveis habitacionais em imóveis comerciais, alegando que esses
imóveis subordinados ao AL eram “de facto”, ainda que não “de jure”, imóveis
comerciais.
Acreditamos que
é uma boa alegação, as razões já as explicámos nesse velho tópico. Mas a grande
questão continua a ser a falta de bom senso do legislador. Deixar cair a dita
exigência sem mexer na restante legislação é, no mínimo, bizarro. Bizarro
porque leva a interpretações dúbias, situação que fica bem à vista pelas
sentenças divergentes das diversas instâncias judiciais.
Tudo o que foi
referido nas linhas anteriores seria mais do que suficiente para recuperar a
anterior premissa: voltar a necessidade de autorização do condomínio. Essa
iniciativa veio agora de alguns deputados do PS, alegando que é necessário
disciplinar esta atividade económica em condomínios, leia-se, propriedade
horizontal. As restantes bancadas Parlamentares acolheram a ideia como positiva
e prometem fazer propostas para melhorar as mudanças. Claro que, no meio de
toda esta situação, há sempre um “mas”. O que parece ser uma singela intenção
de moralizar uma questão potencialmente geradora de conflitos, só surge por
motivos políticos. Como a população “votante” começa a manifestar o seu
desagrado pela falta de habitação na cidade de Lisboa (gentrification), o que é
ainda mais sensível, tratando-se de ano de eleições municipais, os políticos
decidiram pela mudança da lei. Uma atitude certa, portanto, mas pelos motivos
errados. O que eles pretendem é “estancar” os pedidos de autorização para novas
AL em apartamentos. Assim, sem autorização do condomínio, resta ao senhorio o
arrendamento urbano normal, o qual não carece desse tipo de autorização. Nesse
caso, voltaria a haver oferta de espaços para arrendar, mesmo sabendo que os
preços seriam elevados. Na verdade, os senhorios não ficam a perder: atendendo
aos preços praticados no arrendamento urbano, a hipótese de ganhar dinheiro é
muito grande. Na verdade, podem auferir mais do que através do Alojamento
Local, devido ao aumento exponencial da concorrência neste setor. Do ponto de vista da
fiscalidade, as coisas começam a ser mais favoráveis para quem arrenda do que
para quem “faz turismo”. Por outro lado, aqueles que trabalhavam na
clandestinidade através das plataformas de reserva, estão agora perdidos. As
reservas confirmadas ficam no sistema das mesmas, as quais informam agora anualmente
a AT quem são os contribuintes e respetivos proveitos. O tempo dos “espertos”
está a acabar.
Falta ainda
entender como o legislador vai resolver um problema: se o dono do apartamento
necessitar mesmo de pedir autorização ao condomínio, o que fazer em relação aos
que continuam hoje, até ver, a se licenciar como AL? Fica assim? Vai haver prédios
onde uns conseguiram e outros já não vão conseguir a mesma coisa? Vai haver um
período de transição para aqueles que já estão licenciados? Vai haver,
seguramente, muito barulho em torno desta questão.
A nossa
mensagem é clara: já que pretendem “mexer” na legislação do AL, aproveitem para
reunir as associações do setor turístico, de modo a corrigir não só essa
questão, mas também quaisquer outras que possam causar engulhos. Precisamos de
ter tranquilidade legislativa em toda a Hotelaria. Precisamos de uma ou duas
décadas de estabilidade a este nível, até porque sem isso, não é fácil atrair
mais e melhores investimentos nacionais e estrangeiros. Mais do que nunca,
atendendo à importância crescente do Turismo, é preciso estabilidade e bom
senso.