sexta-feira, 26 de maio de 2017

Alojamento Local - corrigir um erro por linhas tortas

Já passaram cerca de seis meses desde a publicação do tópico “Alojamento Local – negócio ou outra coisa qualquer?”, o qual pode ser facilmente encontrado no arquivo. É bom revê-lo para melhor entendermos este novo tópico.

Na época, insurgimo-nos contra a lentidão do legislador a reagir às realidades socioeconómicas. Também sobre o facto de a atualização das condições do AL ter sido muito “Lisboa-dependente”. Afinal, problemas que surgiram na capital, já o eram há muito noutras terras onde o turismo já era uma atividade preponderante nas respetivas economias. Na altura, o Tribunal da Relação de Lisboa anunciou um Acórdão que deu razão a uma Assembleia de Condóminos que queria impedir um dos proprietários do prédio em causa de abrir o seu estabelecimento de alojamento local. Na verdade, a decisão estava tomada em outra instância, mas o proprietário avançou com uma providência cautelar para parar essa proibição, situação que foi derrubada pelo Tribunal da Relação. Desconfiávamos que o assunto iria parar ao Supremo Tribunal de Justiça. Assim foi. Este último acabou por dar razão ao proprietário, contrariando a Relação de Lisboa. Apesar de incrédulos pelo facto do Tribunal superior ter aceite a argumentação de que, ainda que a propriedade seja usada para um negócio, não deixa de ser uma habitação, não sendo assim considerado imóvel comercial (!), não ficámos surpreendidos pela decisão.

Apesar de não termos formação superior em Direito, continuamos a pensar que um imóvel habitacional, terá de ser considerado “também” comercial, pelo que facto de nele se desenvolver uma atividade que, do ponto de vista da fiscalidade, é exatamente igual a um hotel ou a um parque de campismo, etc… mas, reafirmamos, a situação não nos surpreende por uma simples razão: o STJ entendeu não forçar jurisprudência em relação a uma situação que havia sido alvo de mudanças recentes por parte de quem tem autoridade para legislar. Sendo assim, havia na letra de Lei uma alteração recente que “per si” justificava esta decisão. Queremos com isto dizer que a nova legislação que regula o chamado Alojamento Local deixou cair uma premissa antiga na qual se exigia que um estabelecimento do género, se localizado num imóvel em propriedade horizontal, só poderia ser registado como tal com autorização do condomínio, sendo necessário apresentar mesmo uma cópia da ata da assembleia geral do mesmo, onde a decisão favorável tenha sido tomada. Sem isso, não era possível dar-se início ao processo de registo e legalização. Ou seja, a nova lei deixou cair este parágrafo, ficando subentendido que o proprietário podia fazer o que quisesse, sem pedir nada a ninguém. A partir daí, os vizinhos (enfurecidos) de proprietários de estabelecimentos de AL tentaram, por falta de alternativa, recorrer aos tribunais, alegando que o código civil ainda impedia a transformação, sem autorização, de imóveis habitacionais em imóveis comerciais, alegando que esses imóveis subordinados ao AL eram “de facto”, ainda que não “de jure”, imóveis comerciais.
Acreditamos que é uma boa alegação, as razões já as explicámos nesse velho tópico. Mas a grande questão continua a ser a falta de bom senso do legislador. Deixar cair a dita exigência sem mexer na restante legislação é, no mínimo, bizarro. Bizarro porque leva a interpretações dúbias, situação que fica bem à vista pelas sentenças divergentes das diversas instâncias judiciais.

Tudo o que foi referido nas linhas anteriores seria mais do que suficiente para recuperar a anterior premissa: voltar a necessidade de autorização do condomínio. Essa iniciativa veio agora de alguns deputados do PS, alegando que é necessário disciplinar esta atividade económica em condomínios, leia-se, propriedade horizontal. As restantes bancadas Parlamentares acolheram a ideia como positiva e prometem fazer propostas para melhorar as mudanças. Claro que, no meio de toda esta situação, há sempre um “mas”. O que parece ser uma singela intenção de moralizar uma questão potencialmente geradora de conflitos, só surge por motivos políticos. Como a população “votante” começa a manifestar o seu desagrado pela falta de habitação na cidade de Lisboa (gentrification), o que é ainda mais sensível, tratando-se de ano de eleições municipais, os políticos decidiram pela mudança da lei. Uma atitude certa, portanto, mas pelos motivos errados. O que eles pretendem é “estancar” os pedidos de autorização para novas AL em apartamentos. Assim, sem autorização do condomínio, resta ao senhorio o arrendamento urbano normal, o qual não carece desse tipo de autorização. Nesse caso, voltaria a haver oferta de espaços para arrendar, mesmo sabendo que os preços seriam elevados. Na verdade, os senhorios não ficam a perder: atendendo aos preços praticados no arrendamento urbano, a hipótese de ganhar dinheiro é muito grande. Na verdade, podem auferir mais do que através do Alojamento Local, devido ao aumento exponencial da concorrência neste setor. Do ponto de vista da fiscalidade, as coisas começam a ser mais favoráveis para quem arrenda do que para quem “faz turismo”. Por outro lado, aqueles que trabalhavam na clandestinidade através das plataformas de reserva, estão agora perdidos. As reservas confirmadas ficam no sistema das mesmas, as quais informam agora anualmente a AT quem são os contribuintes e respetivos proveitos. O tempo dos “espertos” está a acabar.

Falta ainda entender como o legislador vai resolver um problema: se o dono do apartamento necessitar mesmo de pedir autorização ao condomínio, o que fazer em relação aos que continuam hoje, até ver, a se licenciar como AL? Fica assim? Vai haver prédios onde uns conseguiram e outros já não vão conseguir a mesma coisa? Vai haver um período de transição para aqueles que já estão licenciados? Vai haver, seguramente, muito barulho em torno desta questão.


A nossa mensagem é clara: já que pretendem “mexer” na legislação do AL, aproveitem para reunir as associações do setor turístico, de modo a corrigir não só essa questão, mas também quaisquer outras que possam causar engulhos. Precisamos de ter tranquilidade legislativa em toda a Hotelaria. Precisamos de uma ou duas décadas de estabilidade a este nível, até porque sem isso, não é fácil atrair mais e melhores investimentos nacionais e estrangeiros. Mais do que nunca, atendendo à importância crescente do Turismo, é preciso estabilidade e bom senso.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Urgente: novas unidades hoteleiras algarvias podem não abrir como previsto

Como a escassez de habitação está a ser um problema para o próprio Turismo

Não, hoje não vamos falar da bronca recente no Aeroporto de Lisboa, apenas uma de muitas que ocorrerão, infelizmente, à medida que a capacidade se for esgotando até rebentar pelas costuras.

Hoje vamos falar de uma consequência óbvia, já esperada, do atual “boom” do turismo. Mais uma vez há que levantar o assunto porque, ao que parece, ninguém se está a preocupar com as consequências do dito… para o próprio setor do turismo. Todos sabem como temos avisado para o crescimento do setor de viagens e turismo. Ainda é cedo, mas estamos quase a rever em alta as previsões do crescimento em Portugal para 2017. Deixamos apenas um exemplo, segundo a Blick alemã. Há mais germânicos a reservar em Portugal (25% a mais do que no ano passado), número impressionante, só ultrapassado pela Islândia e Chipre. Sabe-se também que a Grécia deve subir (total estrangeiros) uns 10%, pelo que Portugal poderá também atingir números semelhantes.
Em Portugal, o primeiro quadrimestre foi um sucesso e alguns lugares parecem viver um verão “todo o ano”, tal o aumento de turistas, sobretudo estrangeiros. Considerando que temos agora a França a ultrapassar o Reino Unido em termos de gastos totais, considerando que os chamados “mercados maduros” estão em alta, bem como os mercados menos relevantes, há razões para acreditar que voltaremos a bater recordes atrás de recordes.

Tudo isto tem várias implicações: maior volume de negócios, desde logo dos supermercados que têm de atender às necessidades diárias dos turistas de alojamento “self-catering”, aos estabelecimentos da área de F&B, alguns dos quais estão com aumentos de faturação muito significativos, empresas de transporte e rent-a-car e, claro, entre muitos outros, de toda a sorte de alojamentos turísticos, classificados ou não. Este acréscimo de movimento é positivo, diminuindo a sazonalidade e aumentando o rendimento de empresários e funcionários. Para não falar que, por óbvia necessidade, existem mais funcionários. Atendendo a esta realidade, atendendo também à saída, nos últimos anos, de muitos profissionais de hotelaria do país, graças a ofertas monetariamente mais vantajosas e mais seguras do ponto de vista laboral (sem falar do espírito de aventura e da experiência nova para quem quer melhorar o CV), temos uma enorme escassez de mão-de-obra em praticamente todas as áreas da hotelaria e similares. Ainda que essa escassez produza melhorias salariais, o problema não se resolve de uma forma simples. Melhores salários não são sinónimo de aumento de mão-de-obra disponível numa determinada região, pelo que é necessário recorrer a recursos humanos do exterior, nomeadamente de outros pontos do país. Este problema é grave em Lisboa e gravíssimo no Algarve. Aqui, há uma imensa falta de profissionais de F&B (muito grave) e de “housekeeping”. Este problema não é inteiramente novo, mas conhece agora novos contornos. Era muito comum ofertas de emprego com possibilidade de alojamento, sobretudo para atender à procura da temporada alta (nalguns casos até 6 meses de contrato). O problema novo prende-se com a falta de alojamento “em conta” para o trabalhador comum.

Na realidade, devido à soma de fatores bem conhecidos, o mercado imobiliário está novamente ao rubro. É praticamente impossível comprar um imóvel por um preço acessível, o mercado das vendas está inundado, isso sim, por imóveis bem caros para “outros públicos”, onde se incluem aposentados da EU ou candidatos ao chamado “gold visa”. Como se isso não bastasse, o arrendamento a preços razoáveis é quase impossível devido à adesão em massa ao negócio do Alojamento local, agora mais facilitado por plataformas como booking.com, airbnb, entre muitas outras. Cabe esclarecer que somos favoráveis ao AL, até porque isto representa diversas formas de alojamento com muita procura, nem todas “low cost”, mas consideradas importantes para responder ao aumento da procura, ao mesmo tempo que “liberta” os Hotéis com melhores infraestruturas para tipos de público mais “sofisticados”, sobretudo tratando-se de unidades com uma preocupação séria em recuperar o espírito social do espaço e a oferta de serviços e “amenities”.
A grande questão é a seguinte: considerando que muitos imóveis “desapareceram” do mercado, quer de venda, quer de arrendamento de longa duração a favor do aluguer turístico de curto prazo (eis a função do AL), o mercado imobiliário ficou “distorcido”. A realidade é cruel. Em Lisboa o problema ainda pode ser “disfarçado” pela imensidão em que se tornaram os municípios vizinhos – ainda que tal seja considerado “gentrification”, não deixa de ser uma solução para moradia acessível para a maioria da população. Mas no Algarve não se trata disso. Simplesmente não existem praticamente habitações para quem queira vir de fora para trabalhar. Para se ter uma ideia clara do que afirmamos, o município de Albufeira tem hoje mais de 3.000 fogos licenciados para AL. Em Lagos serão mais de 2.300 fogos. Por todo o Algarve, a situação repete-se com maior ou menor dimensão. Se é verdade que, outrora, tal já ocorria, especialmente na época alta, hoje verificamos que estas habitações, moradias ou apartamentos estão consignadas em exclusivo a esta atividade. Recorde-se que a facilidade (simplex) de início de atividade, prevista na legislação em vigor, conjuntamente com a expetativa de participar nos rendimentos do atual “boom” turístico levam à ampliação desta atividade até níveis extremos. Acaba por se tornar uma moda, pode vir a ser mais uma gigantesca bolha, daquelas que acaba em desilusão.

Mas o que importa é a consequência imediata (e para o futuro próximo) desta realidade. Não há habitação para possíveis migrantes ou imigrantes que procurem trabalho. Ficarão postos de trabalho por preencher. Não só no turismo, mas sobretudo no turismo. Isso causa imenso “stress” para quem quer desenvolver e mesmo expandir a sua atividade, os seus negócios. As consequências ficarão bem visíveis não só na presente temporada (já parece Verão) mas nas próximas, caso o crescimento continue, ainda que não tão evidente. Seja como for, crescimento é crescimento. Ponto final. Os pressupostos que levam a este texto mantêm-se inalterados.

É um assunto que não está na imprensa “mainstream”, mas não demorará muito. Sobretudo, se se confirmarem rumores a que este blogue teve acesso e que são já de si extremamente negativos: é bem possível que duas novas unidades hoteleiras no Algarve, as quais deveriam abrir no Verão, não consigam abrir as suas portas ao público, como previsto. Uma abertura em pleno Verão já seria complexa, devido à falta de pessoal qualificado que se tornou estrutural. Dado que estamos a atravessar esta novíssima crise, a falta de pessoal torna-se gritante, incomportável. Não se podem abrir unidades de 4 ou 5 estrelas com “meia-receção”, “meio-restaurante” ou “meia-limpeza”. Em breve saberemos se estes rumores são mesmo verdade. Esperemos que não, mas, ao se confirmarem, vão acabar por colocar o dedo na ferida de um problema que não passa de um acidente à espera de acontecer. Este assunto ainda vai dar pano para mangas.