O chamado “Alojamento local”, forma simplificada de
descrever a oferta turística não classificada já passou por muitas alterações
legislativas. O objetivo de simplificar procedimentos é nobre e é correto. De lamentar,
apenas o facto de o legislador não ser rápido e eficaz. Legisla sobre
realidades com anos de atraso. Afinal de contas, é ou não verdade que as leis
sociológicas precedem o direito positivo?
Sabemos bem sobre o que falamos. Alojamento local nas suas
diversas vertentes existe há décadas, não só, mas sobretudo no Algarve. A
explosão em Lisboa e Porto, entre outras localidades é ainda uma “criança” em
comparação com o Algarve. Só que essa onda vertiginosa, ao chegar às grandes
cidades, torna-se tema de telejornais. A parolice à portuguesa do costume não podia
deixar de atacar com força.
Este texto surge a propósito do Acórdão da Relação de Lisboa
que deu razão a uma Assembleia de Condóminos que queria impedir um dos proprietários
do prédio em causa de abrir o seu estabelecimento de alojamento local. Na
verdade, a decisão estava tomada em outra instância, mas o proprietário avançou
com uma providência cautelar para parar essa proibição, situação que foi
derrubada pelo Tribunal da Relação. Atenção, que esta decisão ainda não
transitou em julgado. Vale a pena recordar que o Tribunal da Relação do Porto
havia decidido em contrário num caso semelhante. Começamos a desconfiar que
este assunto pode avançar de modo a ir parar ao Supremo. Seria até bom, do
ponto de vista da Jurisprudência, que tal sucedesse, embora releve, mais uma
vez, como o legislador é fraco. Vejamos porquê.
O Decreto-Lei 128/2014 (alterado ligeiramente pelo 63/2015)
atualizou a legislação anterior, sobretudo com o intuito de agilizar processos
de licenciamento, incorporando na Lei novas realidades e formas de alojamento
com destaque para os Hostels. Por isso é que neste espaço nos rimos da
celeridade de suas Exas. Situações que foram contempladas na legislação já eram
realidade há mais de dez anos. Hostels já existiam no Algarve “de facto” cerca
de dez anos antes da nova Lei. Até em Lisboa existiam, embora ainda numa fase
embrionária. Seja como for, a legislação saiu e não é negativa, antes pelo
contrário, começa a alinhar o “de jure” com o “de facto”, o que é sempre de
aplaudir. E se houver correções a fazer, serão feitas sem prejuízo do espírito
da Lei. Isso é o que importa.
Mas o legislador não se revela fraco somente pelos atrasos
que vimos acima. Na anterior legislação da AL, unidades de alojamento a
turistas, quando instaladas, por exemplo, num apartamento em propriedade
horizontal (um prédio), poderiam ser legalizadas desde que a Assembleia de
Condóminos o permitisse. Inclusive, um dos documentos a apresentar na Câmara
Municipal era a Ata da Assembleia do Condomínio onde isso fosse decidido e,
recorde-se, por unanimidade. A questão é óbvia: sendo o prédio habitacional,
nenhuma fração pode ser transformada em atividade comercial sem o consentimento
dos restantes proprietários. É o que está no Código Civil e é nisso que se
baseia a Relação de Lisboa no seu Acórdão. É por isso que o legislador é fraco.
Deixou cair uma prerrogativa correta da anterior legislação. Correta porque não
entrava em rota de colisão com o Código Civil. Se o Decreto 128/2014 tivesse
deixado cair essa exigência ao mesmo tempo que a Assembleia da República
alterasse esse artigo do Código Civil, estaria tudo certo. Não o fazendo, abriu
um “buraco” legal que será agora resolvido na Justiça de uma maneira ou de outra,
a não ser que o atual Governo faça rapidamente uma revisão da Lei do AL, para
corrigir essa falta.
Os críticos desta decisão da Relação de Lisboa afirmam que
não deveria ser evocado o dito artigo do Código Civil, porque, segundo alguns,
o aluguer a turistas não é comércio, é somente turismo numa habitação que nunca
deixou de ter fins habitacionais.
Nada mais falso. Neste blog somos amplamente favoráveis a
todas as formas de alojamento, desde o parque de campismo até ao Resort super
luxuoso. Sem dúvida. Mas todos devem cumprir a legislação. É falso comparar
alhos com bugalhos. Sempre foi legítimo e não carece de autorização dos
vizinhos arrendamento de uma entidade privada a outra entidade privada sem fins
comerciais, como é o caso do tradicional arrendamento urbano para habitação
permanente. A velha relação do sr. João, senhorio do sr. José, inquilino. Ou
alugar um quarto a estudantes durante um ano letivo.
Isso não pode ser comparado ao aluguer de pernoitas a turistas.
Essa é, sim, uma atividade comercial. Voltamos a nos basear na Lei: todo o
aluguer de quartos ou outro tipo de unidade de alojamento por período inferior
a 30 dias é considerado aluguer turístico e isso é uma atividade comercial,
sujeita a licenciamento próprio, sujeita a impostos como o IVA (embora haja
regime de isenção para pequeno volume de negócio como em qualquer outra
atividade) ou o IRS/IRC conforme se trate de pessoa singular ou empresa. A
própria Lei do AL fala em estabelecimentos
de Alojamento local. É uma atividade comercial, ponto final. O TRL decidiu
bem.
As pessoas singulares não podem invocar a comparação do
aluguer a turistas com o arrendamento urbano. O Estado já fez a distinção. Ou
não? Vejam bem a declaração anual de IRS. Vejam lá se o anexo para rendimentos
da atividade de exploração de estabelecimento de aluguer a turistas não é o B? O
mesmo de outras atividades comerciais ou de serviços. É, não é? Acontece que o
outro tipo de receita aqui descrita, o de arrendamento habitacional de pessoa
singular para pessoa singular não vai para o mesmo anexo. Porque será? Porque
essa, caros amigos, não é considerada atividade comercial e por isso também não
necessita de autorização da Assembleia de Condóminos. Simples e fácil de
entender.
Querer enquadrar qualquer atividade de exploração turística num
“limbo” não passa de uma tentativa “chico-esperta” de fintar a Lei e as obrigações.
No fundo, todos temos o Airbnb dentro de nós. Essa plataforma foi pensada origalmente
para uma “partilha social”, mas já começou como atividade comercial. Quem
reserva por ela tem de pagar o alojamento, não é grátis. Então, já temos
atividade comercial com tudo o que isso implica.
Tudo bem, abra a sua casa a turistas sem cobrar: nesse caso,
não há dinheiro envolvido, não há comércio, não há turismo, são todos amigos,
não precisa de pedir nada aos vizinhos, é só paz e amor.
Ah, mas assim não ganho a vida – pois é, bom mesmo seria
ganhar a vida, meter o dinheiro ao bolso e não ter responsabilidades, impostos,
seguros, contribuições, taxas. Quem de nós não gostaria que assim fosse? Mas
como não é, todos têm de respeitar os direitos e os deveres inerentes a
qualquer atividade.
Sabemos que muitos ficarão amuados com este “post”. Temos
pena. O nosso objetivo aqui não é angariar “claques” que nos batam palmas. Nem
seguir rebanhos ou matilhas. Este blog não lança confusão. Este blog está muito
à frente. Este blog presta esclarecimentos, dá informações importantes sobre
turismo. Este blog tira dúvidas, não cria dúvidas.
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