quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Alojamento Local - negócio ou outra coisa qualquer?

O chamado “Alojamento local”, forma simplificada de descrever a oferta turística não classificada já passou por muitas alterações legislativas. O objetivo de simplificar procedimentos é nobre e é correto. De lamentar, apenas o facto de o legislador não ser rápido e eficaz. Legisla sobre realidades com anos de atraso. Afinal de contas, é ou não verdade que as leis sociológicas precedem o direito positivo?

Sabemos bem sobre o que falamos. Alojamento local nas suas diversas vertentes existe há décadas, não só, mas sobretudo no Algarve. A explosão em Lisboa e Porto, entre outras localidades é ainda uma “criança” em comparação com o Algarve. Só que essa onda vertiginosa, ao chegar às grandes cidades, torna-se tema de telejornais. A parolice à portuguesa do costume não podia deixar de atacar com força.

Este texto surge a propósito do Acórdão da Relação de Lisboa que deu razão a uma Assembleia de Condóminos que queria impedir um dos proprietários do prédio em causa de abrir o seu estabelecimento de alojamento local. Na verdade, a decisão estava tomada em outra instância, mas o proprietário avançou com uma providência cautelar para parar essa proibição, situação que foi derrubada pelo Tribunal da Relação. Atenção, que esta decisão ainda não transitou em julgado. Vale a pena recordar que o Tribunal da Relação do Porto havia decidido em contrário num caso semelhante. Começamos a desconfiar que este assunto pode avançar de modo a ir parar ao Supremo. Seria até bom, do ponto de vista da Jurisprudência, que tal sucedesse, embora releve, mais uma vez, como o legislador é fraco. Vejamos porquê.

O Decreto-Lei 128/2014 (alterado ligeiramente pelo 63/2015) atualizou a legislação anterior, sobretudo com o intuito de agilizar processos de licenciamento, incorporando na Lei novas realidades e formas de alojamento com destaque para os Hostels. Por isso é que neste espaço nos rimos da celeridade de suas Exas. Situações que foram contempladas na legislação já eram realidade há mais de dez anos. Hostels já existiam no Algarve “de facto” cerca de dez anos antes da nova Lei. Até em Lisboa existiam, embora ainda numa fase embrionária. Seja como for, a legislação saiu e não é negativa, antes pelo contrário, começa a alinhar o “de jure” com o “de facto”, o que é sempre de aplaudir. E se houver correções a fazer, serão feitas sem prejuízo do espírito da Lei. Isso é o que importa.

Mas o legislador não se revela fraco somente pelos atrasos que vimos acima. Na anterior legislação da AL, unidades de alojamento a turistas, quando instaladas, por exemplo, num apartamento em propriedade horizontal (um prédio), poderiam ser legalizadas desde que a Assembleia de Condóminos o permitisse. Inclusive, um dos documentos a apresentar na Câmara Municipal era a Ata da Assembleia do Condomínio onde isso fosse decidido e, recorde-se, por unanimidade. A questão é óbvia: sendo o prédio habitacional, nenhuma fração pode ser transformada em atividade comercial sem o consentimento dos restantes proprietários. É o que está no Código Civil e é nisso que se baseia a Relação de Lisboa no seu Acórdão. É por isso que o legislador é fraco. Deixou cair uma prerrogativa correta da anterior legislação. Correta porque não entrava em rota de colisão com o Código Civil. Se o Decreto 128/2014 tivesse deixado cair essa exigência ao mesmo tempo que a Assembleia da República alterasse esse artigo do Código Civil, estaria tudo certo. Não o fazendo, abriu um “buraco” legal que será agora resolvido na Justiça de uma maneira ou de outra, a não ser que o atual Governo faça rapidamente uma revisão da Lei do AL, para corrigir essa falta.

Os críticos desta decisão da Relação de Lisboa afirmam que não deveria ser evocado o dito artigo do Código Civil, porque, segundo alguns, o aluguer a turistas não é comércio, é somente turismo numa habitação que nunca deixou de ter fins habitacionais.
Nada mais falso. Neste blog somos amplamente favoráveis a todas as formas de alojamento, desde o parque de campismo até ao Resort super luxuoso. Sem dúvida. Mas todos devem cumprir a legislação. É falso comparar alhos com bugalhos. Sempre foi legítimo e não carece de autorização dos vizinhos arrendamento de uma entidade privada a outra entidade privada sem fins comerciais, como é o caso do tradicional arrendamento urbano para habitação permanente. A velha relação do sr. João, senhorio do sr. José, inquilino. Ou alugar um quarto a estudantes durante um ano letivo.
Isso não pode ser comparado ao aluguer de pernoitas a turistas. Essa é, sim, uma atividade comercial. Voltamos a nos basear na Lei: todo o aluguer de quartos ou outro tipo de unidade de alojamento por período inferior a 30 dias é considerado aluguer turístico e isso é uma atividade comercial, sujeita a licenciamento próprio, sujeita a impostos como o IVA (embora haja regime de isenção para pequeno volume de negócio como em qualquer outra atividade) ou o IRS/IRC conforme se trate de pessoa singular ou empresa. A própria Lei do AL fala em estabelecimentos de Alojamento local. É uma atividade comercial, ponto final. O TRL decidiu bem.

As pessoas singulares não podem invocar a comparação do aluguer a turistas com o arrendamento urbano. O Estado já fez a distinção. Ou não? Vejam bem a declaração anual de IRS. Vejam lá se o anexo para rendimentos da atividade de exploração de estabelecimento de aluguer a turistas não é o B? O mesmo de outras atividades comerciais ou de serviços. É, não é? Acontece que o outro tipo de receita aqui descrita, o de arrendamento habitacional de pessoa singular para pessoa singular não vai para o mesmo anexo. Porque será? Porque essa, caros amigos, não é considerada atividade comercial e por isso também não necessita de autorização da Assembleia de Condóminos. Simples e fácil de entender.

Querer enquadrar qualquer atividade de exploração turística num “limbo” não passa de uma tentativa “chico-esperta” de fintar a Lei e as obrigações. No fundo, todos temos o Airbnb dentro de nós. Essa plataforma foi pensada origalmente para uma “partilha social”, mas já começou como atividade comercial. Quem reserva por ela tem de pagar o alojamento, não é grátis. Então, já temos atividade comercial com tudo o que isso implica.

Tudo bem, abra a sua casa a turistas sem cobrar: nesse caso, não há dinheiro envolvido, não há comércio, não há turismo, são todos amigos, não precisa de pedir nada aos vizinhos, é só paz e amor.
Ah, mas assim não ganho a vida – pois é, bom mesmo seria ganhar a vida, meter o dinheiro ao bolso e não ter responsabilidades, impostos, seguros, contribuições, taxas. Quem de nós não gostaria que assim fosse? Mas como não é, todos têm de respeitar os direitos e os deveres inerentes a qualquer atividade.


Sabemos que muitos ficarão amuados com este “post”. Temos pena. O nosso objetivo aqui não é angariar “claques” que nos batam palmas. Nem seguir rebanhos ou matilhas. Este blog não lança confusão. Este blog está muito à frente. Este blog presta esclarecimentos, dá informações importantes sobre turismo. Este blog tira dúvidas, não cria dúvidas.

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