Como a escassez de habitação está a ser um problema para o próprio Turismo
Não, hoje não vamos falar da bronca recente no Aeroporto de
Lisboa, apenas uma de muitas que ocorrerão, infelizmente, à medida que a
capacidade se for esgotando até rebentar pelas costuras.
Hoje vamos falar de uma consequência óbvia, já esperada, do
atual “boom” do turismo. Mais uma vez há que levantar o assunto porque, ao que
parece, ninguém se está a preocupar com as consequências do dito… para
o próprio setor do turismo. Todos sabem como temos avisado para o
crescimento do setor de viagens e turismo. Ainda é cedo, mas estamos quase a
rever em alta as previsões do crescimento em Portugal para 2017. Deixamos
apenas um exemplo, segundo a Blick alemã. Há mais germânicos a reservar em
Portugal (25% a mais do que no ano passado), número impressionante, só ultrapassado
pela Islândia e Chipre. Sabe-se também que a Grécia deve subir (total
estrangeiros) uns 10%, pelo que Portugal poderá também atingir números
semelhantes.
Em Portugal, o primeiro quadrimestre foi um sucesso e alguns
lugares parecem viver um verão “todo o ano”, tal o aumento de turistas,
sobretudo estrangeiros. Considerando que temos agora a França a ultrapassar o
Reino Unido em termos de gastos totais, considerando que os chamados “mercados
maduros” estão em alta, bem como os mercados menos relevantes, há razões para
acreditar que voltaremos a bater recordes atrás de recordes.
Tudo isto tem várias implicações: maior volume de negócios,
desde logo dos supermercados que têm de atender às necessidades diárias dos
turistas de alojamento “self-catering”, aos estabelecimentos da área de
F&B, alguns dos quais estão com aumentos de faturação muito significativos,
empresas de transporte e rent-a-car e, claro, entre muitos outros, de toda a
sorte de alojamentos turísticos, classificados ou não. Este acréscimo de movimento
é positivo, diminuindo a sazonalidade e aumentando o rendimento de empresários
e funcionários. Para não falar que, por óbvia necessidade, existem mais
funcionários. Atendendo a esta realidade, atendendo também à saída, nos últimos
anos, de muitos profissionais de hotelaria do país, graças a ofertas
monetariamente mais vantajosas e mais seguras do ponto de vista laboral (sem
falar do espírito de aventura e da experiência nova para quem quer melhorar o
CV), temos uma enorme escassez de mão-de-obra em praticamente todas as áreas da
hotelaria e similares. Ainda que essa escassez produza melhorias salariais, o
problema não se resolve de uma forma simples. Melhores salários não são
sinónimo de aumento de mão-de-obra disponível numa determinada região, pelo que
é necessário recorrer a recursos humanos do exterior, nomeadamente de outros
pontos do país. Este problema é grave em Lisboa e gravíssimo no Algarve. Aqui,
há uma imensa falta de profissionais de F&B (muito grave) e de “housekeeping”.
Este problema não é inteiramente novo, mas conhece agora novos contornos. Era
muito comum ofertas de emprego com possibilidade de alojamento, sobretudo para
atender à procura da temporada alta (nalguns casos até 6 meses de contrato). O
problema novo prende-se com a falta de alojamento “em conta” para o trabalhador
comum.
Na realidade, devido à soma de fatores bem conhecidos, o
mercado imobiliário está novamente ao rubro. É praticamente impossível comprar
um imóvel por um preço acessível, o mercado das vendas está inundado, isso sim,
por imóveis bem caros para “outros públicos”, onde se incluem aposentados da EU
ou candidatos ao chamado “gold visa”. Como se isso não bastasse, o arrendamento
a preços razoáveis é quase impossível devido à adesão em massa ao negócio do
Alojamento local, agora mais facilitado por plataformas como booking.com,
airbnb, entre muitas outras. Cabe esclarecer que somos favoráveis ao AL, até
porque isto representa diversas formas de alojamento com muita procura, nem
todas “low cost”, mas consideradas importantes para responder ao aumento da
procura, ao mesmo tempo que “liberta” os Hotéis com melhores infraestruturas
para tipos de público mais “sofisticados”, sobretudo tratando-se de unidades
com uma preocupação séria em recuperar o espírito social do espaço e a oferta
de serviços e “amenities”.
A grande questão é a seguinte: considerando que muitos
imóveis “desapareceram” do mercado, quer de venda, quer de arrendamento de
longa duração a favor do aluguer turístico de curto prazo (eis a função do AL),
o mercado imobiliário ficou “distorcido”. A realidade é cruel. Em Lisboa o
problema ainda pode ser “disfarçado” pela imensidão em que se tornaram os municípios
vizinhos – ainda que tal seja considerado “gentrification”, não deixa de ser
uma solução para moradia acessível para a maioria da população. Mas no Algarve não se trata
disso. Simplesmente não existem praticamente habitações para quem queira vir de
fora para trabalhar. Para se ter uma
ideia clara do que afirmamos, o município de Albufeira tem hoje mais de 3.000 fogos licenciados para AL. Em Lagos serão mais de 2.300 fogos. Por todo o
Algarve, a situação repete-se com maior ou menor dimensão. Se é verdade que,
outrora, tal já ocorria, especialmente na época alta, hoje verificamos que
estas habitações, moradias ou apartamentos estão consignadas em exclusivo a
esta atividade. Recorde-se que a facilidade (simplex) de início de atividade,
prevista na legislação em vigor, conjuntamente com a expetativa de participar
nos rendimentos do atual “boom” turístico levam à ampliação desta atividade até
níveis extremos. Acaba por se tornar uma moda, pode vir a ser mais uma
gigantesca bolha, daquelas que acaba em desilusão.
Mas o que importa é a consequência imediata (e para o futuro
próximo) desta realidade. Não há habitação para possíveis migrantes ou
imigrantes que procurem trabalho. Ficarão postos de trabalho por preencher.
Não só no turismo, mas sobretudo no turismo. Isso causa imenso “stress” para
quem quer desenvolver e mesmo expandir a sua atividade, os seus negócios. As consequências
ficarão bem visíveis não só na presente temporada (já parece Verão) mas nas
próximas, caso o crescimento continue, ainda que não tão evidente. Seja como
for, crescimento é crescimento. Ponto final. Os pressupostos que levam a este
texto mantêm-se inalterados.
É um assunto que não está na imprensa “mainstream”, mas não
demorará muito. Sobretudo, se se confirmarem rumores a que este blogue teve
acesso e que são já de si extremamente negativos: é bem possível que duas novas
unidades hoteleiras no Algarve, as quais deveriam abrir no Verão, não consigam
abrir as suas portas ao público, como previsto. Uma abertura em pleno Verão já
seria complexa, devido à falta de pessoal qualificado que se tornou estrutural.
Dado que estamos a atravessar esta novíssima crise, a falta de pessoal torna-se
gritante, incomportável. Não se podem abrir unidades de 4 ou 5 estrelas com “meia-receção”,
“meio-restaurante” ou “meia-limpeza”. Em breve saberemos se estes rumores são
mesmo verdade. Esperemos que não, mas, ao se confirmarem, vão acabar por
colocar o dedo na ferida de um problema que não passa de um acidente à espera
de acontecer. Este assunto ainda vai dar pano para mangas.
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